Desafios nacionais e reformas estaduais: redução da sobrelotação e ampliação das oportunidades de trabalho em Rondônia

Entrevista

Marcus Rito 

Presidente do Conselho Nacional de Secretários de Justiça, Cidadania, Direitos Humanos e Administração Penitenciária – CONSEJ e Secretário de Justiça de Rondônia, Brasil

Nesta entrevista falamos com Marcus Rito, Secretário de Justiça da Rondônia desde 2020 e Presidente do Conselho Nacional de Secretários de Justiça, Cidadania, Direitos Humanos e Administração Penitenciária – CONSEJ. O CONSEJ é um fórum estratégico que reúne regularmente os representantes das Secretarias de Justiça dos estados brasileiros e da União. O principal objetivo do CONSEJ é promover um espaço contínuo de diálogo e cooperação entre as autoridades federais e estaduais para debater e aprimorar o sistema penitenciário do país.

Como Presidente do Conselho Nacional de Secretários de Justiça, quais são os principais problemas compartilhados pelos estados brasileiros, e que objetivos considera mais urgentes para a melhoria do sistema de justiça criminal no Brasil?

MR: Precisamos reconhecer que, embora o Sistema Penal Brasileiro venha passando por mudanças positivas na última década, os desafios ainda continuam presentes no cotidiano da gestão penal em nosso país. Entre estes desafios está a superlotação dos estabelecimentos penais, em um país cujo déficit carcerário é de aproximadamente 174 mil vagas, e as condições precárias em estabelecimentos penais, derivadas da superlotação e da falta de investimento suficiente nas últimas décadas. Além disso, a presença e influência de organizações criminosas representam uma ameaça à segurança dos detentos e dos policiais penais.

Outro ponto crítico é a deficiência na oferta das assistências previstas em lei, como assistência material e à saúde, e o baixo percentual de pessoas privadas de liberdade em programas de reintegração social e educação. Por fim, a alta reincidência criminal demonstra que a reintegração social prevista da Lei de Execução Penal não tem sido suficientemente alcançada.

Diante desses desafios, alguns dos objetivos mais urgentes para a melhoria do sistema de justiça criminal no Brasil incluem ampliar o uso de alternativas penais para um controle eficaz e qualificado da “porta de entrada” do sistema penal reduzindo a população carcerária. Paralelamente, é essencial melhorar a infraestrutura dos presídios, ampliando os recursos do Fundo Penitenciário Nacional (FUNPEN) garantindo a salubridade com reformas, investimentos em equipamentos de segurança e modernização e capacitação dos servidores penitenciários para que tenham mais eficiência na realização dos procedimentos necessários.

Outra prioridade é o fortalecimento do combate às facções criminosas com estratégias de inteligência e segurança para reduzir a sua influência dentro dos presídios.

É também necessário expandir o atendimento à saúde, acesso à documentação civil e assistências previstas em lei, garantindo que a pena não ultrapasse a privação de liberdade e retire outros direitos garantidos.

A ressocialização e reintegração social dos detentos também precisam ser fortalecidas. Para isso é fundamental ampliar os programas de educação, capacitação profissional e apoio psicológico para os detentos. Além disso, parcerias com a sociedade civil e organizações não governamentais devem ser incentivadas, promovendo projetos que promovam a humanização das penas e ofereçam suporte adicional aos detentos e seus familiares.

Por fim, é indispensável promover ações de apoio ao egresso, que aumentem a chance de empregabilidade e geração de renda pós-cárcere. Esses objetivos são fundamentais para criar um sistema de justiça criminal mais humano e eficaz.

Com o compartilhamento de boas práticas aprendemos uns com os outros, conhecendo soluções eficazes que podem ser replicadas, economizando tempo e recursos.

Como a cooperação e a troca de experiências entre os estados no âmbito do CONSEJ pode ajudar a enfrentar estas questões de forma mais eficaz?

MR: A cooperação e a troca de experiências entre os estados no âmbito do CONSEJ são valiosas para enfrentar os problemas do sistema de justiça criminal de forma mais eficaz.

Com o compartilhamento de boas práticas aprendemos uns com os outros, conhecendo soluções eficazes que podem ser replicadas, economizando tempo e recursos.

Também de grande importância é a forte articulação política e institucional pois, juntos, os estados podem ter uma voz mais forte na advocacia por mudanças legislativas e por mais investimentos no sistema de justiça criminal. O CONSEJ pode atuar como um poderoso lobby junto ao governo federal e outras instituições em busca de melhorias e a implementação de políticas abrangente e inclusivas. A colaboração no âmbito do CONSEJ fortalece a capacidade dos estados de enfrentar os desafios comuns de maneira mais coordenada e eficaz.

Quais têm sido os principais desafios na Secretaria de Justiça de Rondônia? Quais são algumas das boas práticas ou exemplos inspiradores que Rondônia tem adotado para enfrentar os desafios do sistema penitenciário?

MR: O Sistema Penal de Rondônia no início dos anos 2000 passou por seu pior momento. A ocorrência de rebeliões, morte de presos em eventos de subversão da ordem proveniente do caos da superlotação, da falta de gestão e baixíssimo investimento colocaram o estado sob a intervenção da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Na década de 2010, o Estado de Rondônia iniciou, ainda com certa timidez e em parceria com o Governo Federal, a melhoria em estruturas e aumento na capacidade de gestão, se afastando de seu pior período e se aproximando da qualidade média dos outros estados.

Nesta década de 2020, com a sensibilidade do Governo do Estado em entender a importância de se ter um Sistema Penal de qualidade, controlado e humanizado, recursos significativos tem sido destinados para combater o deficit de vagas, a infraestrutura precária, a equivocada cultura institucional e a melhoria da percepção social acerca do sistema prisional.  

Os principais objetivos das melhorias na infraestrutura prisional em Rondônia tem sido a redução da superlotação, melhorar a salubridade, a segurança e garantir melhores condições de vida para os privados de liberdade e de trabalho para os servidores penais com a reforma, ampliação e aparelhamento de refeitório e alojamentos. Outros planos de modernização incluem a construção de novos galpões e espaços para capacitação profissional, oficinas e escolarização de pessoas presas, ampliação dos espaços de capacitação de servidores, criação do espaço destinado ao Núcleo de Atenção ao Servidor.

Temos como bons exemplos a citar as parcerias interinstitucionais com órgãos estaduais e municipais na contratação de mão-de-obra das pessoas em cumprimento de pena, garantindo um alto índice de pessoas contratadas nos convênios e colocando o Estado de Rondônia, por dois ciclos consecutivos, com 69%, no 1º lugar no país em percentual de pessoas em cumprimento de pena trabalhando.

Importante destacar ainda o aumento expressivo de ações de capacitação continuada dos servidores penais, ampliando o conhecimento operacional, de gestão e de humanização, garantindo um outro viés aos processos de cumprimento de pena.

Outro exemplo inspirador tem sido a ampliação do uso de tecnologia, não só em canais de inspeção como raios-x de bagagem, escâneres corporais e pórticos, mas também na melhoria da qualidade das ferramentas de monitoramento eletrônico e melhoria dos sistemas de gestão da informação, como a criação e utilização do Sistema de Informação Penitenciária – SIPE.

Poderia falar um pouco sobre como a participação das pessoas em processo de ressocialização contribui para o modelo econômico que possibilita esses investimentos e como isto se integra na estratégia geral de reabilitação?

MR: Os processos de ressocialização implementados no Estado de Rondônia seguem as diretrizes nacionais exaradas pela Secretaria Nacional de Políticas Penais – SENAPPEN e tem como principal foco a promoção da cidadania, pensada desde ações de classificação de presos, oferta de assistências, obtenção de documentação civil, inclusão do público penitenciário nas políticas públicas já existentes e principalmente na inserção por meio do trabalho.

Estratégias bem-sucedidas em Rondônia incluem a criação de oficinas de trabalho, a oferta de cursos de capacitação em parceria e a instituição do Banco de Talentos, um sistema de cadastro de pessoas em cumprimento de pena de acordo com suas qualificações profissionais.

A implementação de oficinas de trabalho, realização de cursos de capacitação em parceria, a instituição do Banco de Talentos – sistema de cadastro de pessoas em cumprimento de pena de acordo com suas qualificações profissionais – e a celebração de mais de 50 convênios para contratação de mão-de-obra penal que rendem recursos ao Fundo Penitenciário Estadual são estratégias muito bem sucedidas em Rondônia.

Os recursos recebidos provenientes de ações de reinserção são revertidos para insumos e equipamentos para ações de promoção da cidadania e investimentos diversos. Neste sentido, quanto mais pessoas trabalhando, mais recursos são gerados para reinserção social.

Que outras áreas são prioritárias para o desenvolvimento do sistema prisional em Rondônia? Quais são os objetivos que espera alcançar nos próximos anos?

MR: Para os próximos anos, ainda há uma necessidade premente de investimento estrutural das unidades prisionais, no entanto, o trabalho a ser realizado pela redução da superlotação carcerária deve ser priorizado, com o efetivo funcionamento de Centrais e Núcleos de Alternativas Penais no Estado, contribuíndo para um estreitamento na “porta de entrada” do Sistema Penal.

Devemos lembrar ainda, da importância de ampliarmos os serviços prestados pela Casa da Cidadania do Sistema Prisional, que auxilia na obtenção de documentação civil e encaminhamento à rede de apoio psicossocial da capital e ainda, da necessidade de que o Escritório Social seja inaugurado para que, em rede com o Patronato Penitenciário possam atuar diretamente com o público pré-egresso e egresso do Sistema Penal.

Para o desenvolvimento e garantia da segurança dos estabelecimentos penais, temos que trabalhar a ampliação do número de servidores, do sistema de Circuito Fechado de Câmeras, dos equipamentos de raios-x, e ainda, a utilização de câmeras corporais pelos policiais penais, prezando pela segurança e integridade dos nossos profissionais, coibindo excessos, resguardando-os de possíveis denúncias, além de auxiliar a manter a ordem e gerenciar conflitos.

O futuro do Sistema Penal de Rondônia e do Brasil dependem de investimentos suficientes, mas principalmente da atuação dos gestores penais na sensibilização de que não há uma efetiva segurança pública sem um sistema penal eficiente e organizado.

Marcus Rito

Presidente do Conselho Nacional de Secretários de Justiça, Cidadania, Direitos Humanos e Administração Penitenciária – CONSEJ e Secretário de Justiça de Rondônia, Brasil

Marcus Rito é Secretário de Justiça do Estado de Rondônia desde 2020, e preside o CONSEJ no mandato de 2023/2024. Entre 2004 e 2019 integrou o Departamento Penitenciário Nacional, atuando como coordenador de trabalho e saúde prisional e coordenador-geral de alternativas penais. Foi docente em cursos de formação de servidores e na Universidade Federal do Piaui. Foi coordenador de atividades de biometria e documentação civil no Conselho Nacional de Justiça e integrou o Laboratório de Gestão de Políticas Penais da Universidade de Brasília. É Conselheiro Nacional de Política Criminal e Penitenciária do Ministério da Justiça e Segurança Pública – CNPCP/MJSP. É graduado em Direito e especialista em Direito Público.

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