Entrevista
André de Albuquerque Garcia
Secretário Nacional de Políticas Penais, Ministério da Justiça e Segurança, Brasil
Nesta entrevista falamos com André de Albuquerque Garcia, Secretário Nacional de Políticas Penais do Ministério da Justiça e Segurança do Brasil (SENAPPEN), que descreve as principais prioridades e desafios enfrentados pela agência.
Albuquerque Garcia discute o papel do SENAPPEN na formulação de políticas penais, na gestão do sistema penitenciário federal e no avanço de iniciativas para melhorar a infraestrutura prisional, aprimorar medidas de segurança, apoiar a reintegração social de indivíduos anteriormente encarcerados e fortalecer a cooperação entre os sistemas federal e estadual.
Quais linhas de atuação da Secretaria Nacional de Políticas Penais e Prisionais (SENAPPEN) são as mais prioritárias para a sua gestão?
AAG: A Secretaria Nacional de Políticas Penais (SENAPPEN) é uma estrutura recente, criada em 2023 para substituir o antigo Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN). Sua atuação abrange duas frentes principais: a política penal e a administração do sistema penitenciário federal.
No âmbito da política penal, a SENAPPEN coordena a implementação da Lei de Execução Penal nos estados, garantindo o cumprimento das assistências previstas e financiando políticas através do Fundo Penitenciário Nacional (FUNPEN). Esse fundo é essencial para a gestão penitenciária, fornecendo recursos para a construção e reforma de unidades prisionais, aquisição de equipamentos, viaturas e armamentos.
Por outro lado, a Secretaria administra diretamente o sistema penitenciário federal, que tem um papel específico no enfrentamento do crime organizado. As unidades federais recebem presos transferidos dos sistemas estaduais por apresentarem alto grau de periculosidade e liderança em facções criminosas. Para esta missão, a SENAPPEN conta com a Polícia Penal Federal, responsável pela segurança e gestão dessas unidades.
Além da gestão penitenciária, a SENAPPEN desenvolve ações estratégicas voltadas à inteligência penitenciária, como o Mapa das Organizações Criminosas, ferramenta essencial para o combate ao crime organizado dentro e fora dos presídios. Este mapa serve como fonte de informação para o trabalho de inteligência de segurança pública no país inteiro.
A SENAPPEN também conduz operações como a Operação MUTE, voltada à repressão da entrada de celulares em presídios estaduais. Esta operação surge da necessidade de impactar essa ferramenta de comunicação dos criminosos que estão custodiados, um problema crítico em algumas regiões do país. Além dessa há outras operações que são realizadas pela SENAPPEN em conjunto com a polícia federal, com polícias estaduais e com as polícias penais dos estados.
Dessa forma, a SENAPPEN atua simultaneamente na segurança pública e na política penitenciária, combinando inteligência, financiamento e fiscalização para fortalecer a gestão do sistema prisional brasileiro.
Quais são os principais desafios enfrentados pelos sistemas penitenciários estaduais em termos de manutenção e modernização de infraestrutura?
AAG: A infraestrutura penitenciária em muitos estados do Brasil enfrenta condições bastante precárias. Um dos principais desafios, paradoxalmente, não é a falta de recursos, mas sim a dificuldade na gestão desses fundos.
Muitos estados possuem verbas disponíveis, financiadas pelo Fundo Penitenciário Nacional, mas encontram obstáculos administrativos locais que atrasam ou impedem a execução de obras de reforma e construção.
Para enfrentar esse problema, a SENAPPEN está reforçando sua equipe de engenharia e arquitetura, com o objetivo de destravar projetos e acelerar sua implementação. A estratégia inclui o envio de equipes técnicas, incluindo engenheiros e arquitetos, diretamente aos estados para assessorar na execução dos projetos. Essas equipes atuarão no destravamento de obras paralisadas, oferecendo suporte técnico e auxiliando os gestores estaduais na adequação dos projetos às exigências dos convênios firmados. Esse apoio visa garantir que as reformas e construções ocorram dentro dos prazos estabelecidos e com a eficiência necessária.
Em 2025, a estratégia será iniciar um esforço concentrado em dois estados — Pernambuco e Roraima — e, a cada trimestre, expandir a atuação para mais dois estados.
A escolha de Pernambuco se deve à complexidade do sistema prisional local e ao grande número de obras paralisadas, que precisam de uma intervenção direta para serem retomadas. Já Roraima enfrenta um desafio distinto: o impacto da crise humanitária na Venezuela, que resultou em um aumento significativo do número de presos estrangeiros, pressionando ainda mais o já limitado espaço do sistema prisional estadual. A SENAPPEN destinará recursos e equipes à construção de uma nova unidade prisional para resolver o problema do déficit de vagas de Roraima.
Além dessas ações pontuais, a implementação do Plano Pena Justa será um marco para a modernização do sistema prisional. Desenvolvido pela SENAPPEN em parceria com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o plano surge como resposta a uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que reconheceu a existência de um “estado inconstitucional de coisas” no sistema prisional brasileiro. Nos próximos três anos, a execução desse plano, que está pronto e homologado, será fundamental para reduzir o déficit de vagas, fortalecer políticas de alternativas ao encarceramento, ampliar os escritórios sociais e investir na educação e capacitação profissional da população prisional do país.
Com a ampliação dos recursos do FUNPEN, que poderá dobrar em 2025, recuperamos uma capacidade de investimento que há muito tempo não possuíamos. Agora, com um roteiro bem definido no Plano Pena Justa, será possível enfrentar esses desafios de maneira mais estruturada, garantindo avanços concretos na melhoria do sistema prisional brasileiro.
No Plano Pena Justa se inicia agora uma fase em que os estados deverão desenvolver seus próprios planos em alinhamento com as diretrizes federais. Qual será o papel da SENAPPEN nesse processo? A atuação será mais voltada ao apoio e acompanhamento da implementação ou envolverá também uma função de fiscalização?
AAG: Inicialmente, a SENAPPEN terá um papel de apoio direto aos estados na elaboração dos planos estaduais, disponibilizando a expertise da equipe que participou da construção do plano nacional. O objetivo é garantir que os planos regionais mantenham uma certa simetria com o plano federal, evitando discrepâncias que possam comprometer a execução das políticas penitenciárias.
Além desse suporte técnico, a SENAPPEN está estruturando um mecanismo de governança, em parceria com o Conselho Nacional de Justiça, para monitorar indicadores, acompanhar a execução das obras e fiscalizar a aplicação dos recursos destinados aos estados. No entanto, o foco principal não será a fiscalização, mas sim um modelo de cooperação, garantindo que os estados tenham condições de implementar suas ações com eficiência.
A diretriz do governo federal, seguindo a orientação do Ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, e do Presidente Lula, é reforçar o federalismo cooperativo, onde a União trabalha junto aos estados para resolver os desafios do sistema penitenciário. Dessa forma, a SENAPPEN atuará como parceira dos estados, oferecendo apoio técnico, consultoria e recursos para viabilizar a execução plena da Lei de Execução Penal. O objetivo final é promover avanços estruturais e operacionais que fortaleçam o sistema prisional e melhorem sua contribuição para a segurança pública.
A SENAPPEN atuará como parceira dos estados, oferecendo apoio técnico, consultoria e recursos para promover avanços estruturais e operacionais que fortaleçam o sistema prisional e melhorem sua contribuição para a segurança pública.
De que forma a infraestrutura do Sistema Penitenciário Federal se diferencia da dos sistemas penitenciários estaduais no Brasil, em termos de instalações e recursos? Quais são os desafios próprios destas instalações?
AAG: Os desafios do Sistema Penitenciário Federal são significativos, especialmente considerando a extensão territorial do Brasil. As cinco unidades prisionais estão distribuídas em diferentes regiões do país: Porto Velho (Norte), Mossoró (Nordeste), Brasília (Centro-Oeste), Campo Grande (Centro-Oeste) e Catanduvas (Sul). A grande distância entre elas torna a logística de gestão complexa e exige planejamento contínuo.
Para garantir a segurança dessas unidades, o sistema conta com a Polícia Penal Federal, responsável pela administração e vigilância. As prisões federais possuem um modelo construtivo robusto, com sistemas de segurança avançados. Atualmente, está em implementação o Projeto Ômega, que aprimora a gestão de segurança com tecnologia de monitoramento, incluindo sensores sísmicos, térmicos e de movimento, além de um extenso circuito de câmeras.
Dada a periculosidade dos presos custodiados nessas unidades, que são líderes de facções criminosas, há estratégias específicas de controle. Uma delas é a movimentação periódica dos detentos entre as unidades federais, um processo planejado com base em informações da inteligência penitenciária. Essas transferências exigem uma estrutura logística eficiente, incluindo o uso de aeronaves para o transporte seguro dos presos.
O sistema penitenciário federal tem a particularidade de permitir um monitoramento completo do ambiente prisional, com exceção do interior das celas individuais, onde a privacidade dos detentos é preservada. Todas as demais áreas são rigorosamente controladas por câmeras e microfones. Além disso, a inteligência penitenciária acompanha constantemente a movimentação dos presos e define sua alocação dentro das unidades.
Trabalhamos também em estreita colaboração com a Polícia Federal, que é a polícia judiciária da União. Muitas operações realizadas pela Polícia Federal são deflagradas com base em informações fornecidas pela inteligência penitenciária, demonstrando a importância desse trabalho no combate ao crime organizado.
Diante desses desafios, a SENAPPEN mantém um acompanhamento próximo das unidades federais. No ano passado, todas as prisões foram inspecionadas, e neste ano as visitas serão repetidas, garantindo uma supervisão constante das condições de funcionamento e da segurança dessas instalações.
JT: O Projeto Alvorada é uma iniciativa do Ministério da Justiça e Segurança Pública do Brasil, coordenada pela SENAPPEN, que tem como objetivo promover a ressocialização e a reintegração social de pessoas em situação de encarceramento.
Quais são as expectativas da SENAPPEN em relação ao impacto e alcance deste projeto?
AAG: O Projeto Alvorada faz parte da Política Nacional de Atenção às Pessoas Egressas e reforça a importância da participação social nesse processo. A SENAPPEN estimula a criação de uma rede de atenção aos egressos do sistema prisional, promovendo ações que favorecem sua inclusão produtiva e de suas famílias.
O projeto é desenvolvido em parceria com universidades e institutos federais de educação, com financiamento do Fundo Penitenciário Nacional. Seu foco principal é a qualificação profissional, permitindo que os egressos tenham melhores condições de reinserção no mercado de trabalho. Na última edição, o Projeto Alvorada beneficiou 250 famílias, oferecendo capacitação técnica e profissional.
Na última edição, o Projeto Alvorada beneficiou 250 famílias, oferecendo capacitação técnica e profissional.
Para o próximo ciclo, previsto para 2025, os recursos destinados ao projeto foram ampliados para cerca de R$ 14 milhões. Esse aumento possibilitará a expansão das ações de inclusão social e produtiva, fortalecendo o impacto da iniciativa. O reforço orçamentário e de pessoal proporcionado pelo Plano Pena Justa garantirá ainda mais suporte ao Projeto Alvorada, consolidando seu papel na ressocialização de egressos e na melhoria das condições de vida no pós-encarceramento.
André de Albuquerque Garcia
Secretário Nacional de Políticas Penais, Ministério da Justiça e Segurança, Brasil
André de Albuquerque Garcia é o atual Secretário Nacional de Políticas Penais do Brasil. Já atuou como secretário-executivo de Defesa Social de Pernambuco (2006), secretário de Estado em diversas pastas do Espírito Santo, incluindo Justiça e Segurança Pública (2010-2018, com retorno em 2023), e foi vice-presidente do Colégio Nacional de Secretários de Segurança Pública (CONSESP). É membro do Grupo de Pesquisa Hermenêutica e Jurisdição Constitucional, associado pleno do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, e atua como Procurador do Estado de Pernambuco desde 1998. É doutorando em Direitos e Garantias Fundamentais pela Faculdade de Direito de Vitória e mestre em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco, com especialização em Direito Processual Civil e bacharelado em Ciências Jurídicas pela UFPE.
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