Entrevista
Isabelle Condé
CEO da SGP, Soluções em Gestão Prisional
Com ampla experiência na gestão de projetos de Parceria Público-Privada (PPP) e na liderança de iniciativas inovadoras, Isabelle Condé discute os desafios enfrentados pelo sistema prisional brasileiro e como as PPPs podem contribuir para estabelecimentos penitenciários mais eficientes, sustentáveis e socialmente responsáveis.
Com a sua experiência na implementação de parcerias público-privadas (PPP) no setor prisional, quais considera serem os maiores desafios do sistema penitenciário no Brasil? Em que medida as PPPs podem contribuir para a superação dessas dificuldades?
IC: São vários os desafios dos estados brasileiros no que tange ao Sistema Prisional. No que se refere ao efetivo de pessoal operacional, há uma insuficiência de servidores em comparação com o alto índice de crescimento de aprisionamento. Muitas vezes, quando concursos públicos são lançados, já se encontram obsoletos face às necessidades do sistema.
Além disso, a nossa legislação por vezes não permite dar uma resposta dentro do tempo necessário para aquisição de materiais, insumos para manutenção, e aquisição de equipamentos e novas tecnologias.
Outros desafios do sistema penitenciário no Brasil incluem a superlotação das unidades prisionais, as condições desumanas, os altos índices de reincidência, o controle dos estabelecimentos por facções criminosas, a falta de investimento suficiente no setor e os recursos limitados para o reinvestimento e melhorias em infraestrutura e manutenção.
A população carcerária brasileira é uma das maiores do mundo. De acordo com o Relatório de Informações Penais (Relipen), divulgado pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública, até outubro de 2024 o país possuía uma população carcerária de 663.906 presos, enquanto a capacidade total das unidades prisionais é de 488.951 vagas, resultando em um déficit de 174.436 vagas.
A Parceria Público Privada tem como princípio básico a eficiência e o cumprimento da legislação brasileira, sendo a superlotação proibida. Enquanto os presídios públicos priorizam a criação de vagas, os contratos de PPP’s trazem para a sociedade o compromisso de que o projeto será realizado, executado, e operado cumprindo seu papel social. Dessa forma, a ressocialização passa a ser o foco do projeto.
A experiência de acompanhar, durante seis anos, o funcionamento da única PPP prisional em operação no Brasil permitiu um diagnóstico preciso das deficiências do sistema. Esse conhecimento foi essencial para desenvolver estudos e projetos mais eficientes na implantação da nova PPP Prisional do governo do Rio Grande do Sul. O aprofundamento nesses desafios revelou que as dificuldades não se restringem apenas à complexidade do tema, mas abrangem fatores estruturais, sociais e econômicos.
A Lei de PPPs no Brasil trouxe segurança jurídica ao setor privado, permitindo investimentos em pesquisa, avanços tecnológicos e inovações nos sistemas construtivos e na arquitetura prisional, que podem beneficiar todo o sector.
Como avalia o impacto de novas abordagens arquitetônicas e tecnológicas na gestão prisional e na ressocialização nos projetos PPP do Brasil?
IC: Primeiramente, a insuficiência de informação técnica específica e a dificuldade na rastreabilidade de dados que possam ser compartilhados limitam a formação de profissionais com o entendimento atualizado e necessário do projeto de um presidio.
Para trazer soluções eficazes, é essencial vivenciar, na prática, o dia a dia dentro de uma unidade penitenciária. Essa experiência permite ir além do olhar exclusivamente voltado à segurança, incorporando uma perspectiva de funcionalidade que contribua para a mitigação de riscos e a eficiência na operação diária.
Para uma PPP prisional com o objetivo principal de oferecer um ambiente seguro com foco na ressocialização, a movimentação diária de detentos passa a ser o maior ponto de atenção.
A arquitetura tem um papel fundamental ao conceber espaços interligados e controlados, onde a movimentação dos internos pode ser monitorada e direcionada para atividades estruturadas fora das celas. Dessa forma, a arquitetura prisional de uma PPP permite rotinas de trabalho, estudo, atendimento jurídico e assistência social, proporcionando um cotidiano mais próximo das obrigações de um cidadão, ainda que dentro de uma unidade prisional.
Os dois projetos de PPP’s prisionais do Brasil adotaram o modelo arquitetônico conhecido como “espinha de peixe”, onde as edificações são organizadas em blocos paralelos, interligados por um eixo central. Esse formato, além de acomodar um numero significativo de pessoas custodiadas com segurança e efetividade, facilita o acesso e supervisão de todas as partes da unidade, e os deslocamentos internos são mais organizados e fáceis de monitorar. Esta configuração permite ainda melhor circulação, ventilação e iluminação em todos os espaços.
Outro ponto favorável é a possibilidade da separação e classificação dos internos por pavilhão, que permite um controle das zonas de segurança, ajustado ao grau de periculosidade dos internos. Esta organização, aliada à integração de tecnologias e automação, otimiza a gestão prisional e contribui para um ambiente mais seguro e funcional.
Que vantagens das parcerias público-privadas destacaria em particular para a modernização das infraestruturas penitenciárias no Brasil?
IC: A Parceria Público Privada tem como princípio básico a eficiência e o cumprimento da legislação brasileira. Esta eficiência abrange todas as etapas do contrato – desde a concepção do projeto até a construção e operação – diferenciando-se de outros modelos de contratação, nos quais os serviços são entregues de forma fragmentada.
Na fase de concepção do projeto, além de atender à legislação, são avaliadas e consideradas as melhores práticas operacionais, assim como os indicadores de performance contratuais, essenciais para mensurar a qualidade dos serviços adotados. O SLA (Acordo de Nível de Serviço) permite em comum acordo, determinar de forma justa o prazo de atendimento de manutenções corretivas. Desta forma o Estado possui uma edificação sempre em operação com qualidade e em boas condições de trabalho para seus servidores, juntamente com os colaboradores da concessionaria. Ao final do contrato, o presídio retorna ao poder público em pleno funcionamento, preservando o investimento feito.
Uma PPP prisional funciona também como um laboratório de aprendizagem para setor público, permitindo a incorporação de lições aprendidas em futuras iniciativas.
É importante enfatizar que a harmonia entre atividades e ambientes, aliada ao uso de tecnologias, contribui para redução de custos e resultam em economias fundamentais no decorrer do contrato.
Na etapa de construção, há uma preocupação em utilizar materiais de qualidade superior visando uma manutenção ágil e resistente, uma vez a reponsabilidade de manutenção predial durante todo o período do contrato é da concessionária. Deste modo, estudos aprofundados de metodologia construtiva incentivam inovação na engenharia e desenvolvimento de produtos resistentes e duráveis.
Os materiais e os equipamentos podem e devem ser acompanhados pelo poder concedente no decorrer do contrato, possibilitando a troca de experiências e a replicação destas melhorias em projetos e obras públicas. Dessa forma, podemos dizer que uma PPP prisional funciona também como um laboratório de aprendizagem para setor público, permitindo a incorporação de lições aprendidas em futuras iniciativas.
Em resumo, as PPPs podem desempenhar um papel importante na mitigação dos desafios do sistema penitenciário brasileiro, desde que sejam implementadas de forma transparente, com regulamentação adequada e alinhadas com objetivos sociais claros.
Isabelle Condé
CEO da SGP, Soluções em Gestão Prisional
Isabelle Condé é uma executiva com vasta experiência em gestão de Parcerias Público- Privadas e projetos de infraestrutura. Atualmente, como CEO da SGP – Soluções em Gestão Prisional, lidera iniciativas inovadoras, incluindo a implantação da PPP prisional firmada com o Governo do Rio Grande do Sul. Com passagens pela GPA – Gestores Prisionais Associados, Mendes Pinto Empreendimentos e Prefeitura de Ribeirão das Neves, acumulou expertise em gestão pública, projeto, obras, manutenção e planejamento orçamentário. Formada em Arquitetura e Urbanismo, Isabelle Condé possui um MBA em Infraestruturas, Concessões e Parcerias Público-Privadas, certificação profissional Internacional em PPP da APMG Internacional, além de especializações em Arquiterura Prisional, Engenharia de Avaliações e Perícias e Restauração Arquitetónica e Urbanística. Atualmente, está a concluir um mestrado em Infraestruturas Urbanas Sustentáveis.
Publicidade