Desenvolvimento de habilidades de liderança como fator crítico para a redução do estresse ocupacional em ambientes penitenciários

Estresse ocupacional e prisões

O local de trabalho é um dos ambientes críticos que afetam a saúde mental e física das pessoas. Nos últimos anos, tem havido uma crescente conscientização em todos os setores de emprego de que o estresse relacionado ao trabalho tem consequências indesejáveis para a saúde e segurança dos indivíduos e, consequentemente, das organizações.

As prisões são ambientes de trabalho “únicos”, já que poucas instituições são encarregadas do dever primordial de supervisionar e proteger uma população que pode ser relutante, potencialmente violenta e ter reações imprevisíveis. 

Embora os criminologistas há muito tempo tenham entendido os efeitos adversos do ambiente prisional sobre os detentos, pouco se reconhece sobre a forma como as penitenciárias podem impactar aqueles que ali trabalham. Até agora, a literatura indica que trabalhar em ambientes penitenciários é uma ocupação difícil e muitas vezes estressante. 

O sistema tradicionalmente fechado e o ambiente de constante pressão levam à degradação das condições de detenção, condicionando todos que vivem dentro dos muros da prisão. Essa situação cria um enfrentamento “imaturo” entre agentes penitenciários e detentos, o que promove altos níveis de estresse e, por vezes, comportamentos potencialmente agressivos e prejudiciais. 

Além disso, um ambiente de trabalho ruim (com falta de lealdade  e cooperação) e estruturas organizacionais inadequadas afetam negativamente a satisfação no trabalho e podem iniciar o estresse.

Os agentes penitenciários muitas vezes se encontram em conflito ao tentar conciliar suas responsabilidades de custódia (ou seja, manter a segurança) e suas funções de tratamento ( facilitar a ressocialização dos presos). Essas e outras limitações, relativamente específicas para o ambiente prisional, afetam negativamente a saúde física e mental da equipe, causando altos níveis de ansiedade, cansaço e depressão.

Além de exercer uma ocupação perigosa, complexa e estressante, os agentes penitenciários enfrentam diversos problemas sociais – como a degradação  do status social, conflitos de papéis, contatos sociais rígidos (com detentos, colegas, supervisores e governantes) – e questões de gênero. 

De um modo geral, os agentes penitenciários possuem menos prestígio do que outros indivíduos que trabalham na área da justiça criminal, como a polícia e outras organizações de aplicação da lei. Esse fato frequentemente reflete na remuneração desses profissionais, que é bastante baixa em vários países. 

Além disso, o papel do agente penitenciário é pouco considerado ou esquecido pela sociedade, em parte devido ao pouco conhecimento público sobre as prisões e seus ambientes de trabalho. Esses fatores não só aumentam o estresse vivenciado pela equipe, mas também impactam negativamente no nível de satisfação com o trabalho e, portanto, na qualidade da atividade prestada.

Os efeitos do estresse nos agentes penitenciários são múltiplos e incluem o aumento de problemas médicos, cansaço, uso de álcool e drogas, retraimento e incapacidade de lidar com as experiências traumáticas do trabalho diário (por exemplo, transtorno de estresse pós-traumático). 

Embora todas as profissões assistenciais reconheçam a exaustão como um problema, funcionários penitenciários possuem maior risco de exaustão (Burnout)  devido à tensão extrema entre as responsabilidades de custódia  e funções de tratamento. 

Essas questões geralmente levam a alta rotatividade, absenteísmo, aposentadoria precoce ou aposentadoria por problemas físicos e mentais. Além disso, um estudo realizado pela Stack & Tsoudis indicou que o risco de suicídio entre funcionários carcerários era 39% maior do que no resto da população em idade ativa. 

Promover a saúde da equipe é especialmente importante para garantir benefícios a longo prazo para a sociedade, uma vez que pode reduzir consideravelmente os custos com pessoal e melhorar a qualidade do trabalho desenvolvido com os detentos.

O papel da liderança

Vários estudos reconhecem que a liderança afeta o bem-estar individual de qualquer adulto trabalhador. A qualidade da liderança tem sido associada a uma série de resultados dentro da psicologia da saúde ocupacional: resultados positivos, como o bem-estar psicológico e o clima de segurança organizacional; e negativos, incluindo estresse dos funcionários, doenças cardiovasculares, incidentes e lesões no local de trabalho e comportamentos relacionados à saúde, como abuso de álcool. 

Praticamente todas as variáveis de resultados no campo da psicologia da saúde ocupacional estão empiricamente relacionadas à liderança organizacional.

Além disso, pesquisas sugerem que melhorar a liderança organizacional leva a melhores resultados de segurança e aumento do bem-estar dos funcionários. Apesar desses dados, as discussões sobre as intervenções de saúde e segurança do trabalho raramente consideram como ponto central o treinamento de lideranças.

O uso de jogos sérios  para o desenvolvimento da liderança

O desenvolvimento de liderança baseada em jogos deve fazer parte do futuro da educação e de capacitações. Para educadores de adultos, isso significa que nos próximos dez anos estarão facilitando grupos para a geração de millennials, que já estão acostumados a aprender com jogos, seja digitalmente ou tradicionalmente.

Há uma clara necessidade de aumentar o conhecimento dos professores das instituições penitenciárias sobre as habilidades de liderança e suas competências inerentes, para que eles possam começar a se familiarizar com jogos sobre o tema, fomentando sua implementação na prática e nos programas de treinamento. 

O uso de jogos no desenvolvimento de liderança mostrou que, à medida que a autoeficácia do aluno aumenta, o reconhecimento de padrões, o tempo de resposta e as habilidades de tomada de decisão melhoram, bem como as emoções positivas gerais relacionadas aos comportamentos de aprendizagem. 

Os jogos permitem uma oportunidade ativa de transferência de sabedoria para aplicar conhecimentos teóricos a experiências e atividades práticas. Os alunos podem cometer erros e correr riscos em um ambiente seguro e protegido, cercado por outros que os apoiam e podem ajudá-los eventualmente. 

Os educadores podem oferecer feedback direto e imediato aos alunos à medida que o jogo prossegue e todos poderão refletir sobre os resultados de aprendizagem.

Parceria estratégica: desenvolvimento de liderança para redução do estresse ocupacional em ambientes penitenciários

 

A Comissão Europeia financia a parceria estratégica LEADCOR por meio do Programa ERASMUS+[1] . Essa parceria visa reduzir os níveis de estresse ocupacional dentro dos presídios, aumentando as competências de lideranças em cargos de gestão e da linha de frente (por exemplo, agentes penitenciários, profissionais da educação, psicólogos(as), assistentes sociais), contribuindo para mitigar tensões entre a equipe de gestão e os funcionários, entre os próprios colaboradores, entre eles e suas famílias e entre a equipe penitenciária e os detentos.

O LEADCOR tem como objetivo conscientizar sobre a importância da liderança e o impacto negativo do estresse ocupacional no cotidiano das penitenciárias.Pretende também desenvolver e testar ferramentas e instrumentos para a gestão prisional e equipes gerenciais  com intuito de avaliar competências de liderança, níveis de estresse e bem-estar ocupacional. 

Além disso, objetiva desenvolver e testar um jogo de liderança de estabelecimentos penitenciários (digital e de tabuleiro) para apoiar o treinamento sobre liderança de equipe, ao mesmo tempo em que implementa um programa de treinamento baseado em liderança para as equipes de administração penitenciária e de linha de frente (curso de b-learning e curso de formação de instrutores).

A parceria estratégica LEADCOR inclui elementos interinstitucionais e intersetoriais (quatro órgãos de administração penitenciárias, dois representantes sindicais do setor, uma universidade reconhecida por sua expertise em pesquisa sobre sistema penitenciário e uma empresa privada de pesquisa e consultoria ativa em metodologias de treinamento e inovação prisional) com o objetivo de desenvolver conjuntamente abordagens inovadoras e integradas de ensino-aprendizagem. 

O projeto é representado por quatro países europeus, cobrindo geograficamente a Europa do Sul (Portugal), Ocidental (Bélgica), Central (Alemanha) e Sudeste (Romênia).

Visite o site do projeto LEADCOR em www.leadership-corrections.org

 

 

 

[1] Parcerias Estratégicas são projetos transnacionais projetados para desenvolver e compartilhar práticas inovadoras e promover cooperação, aprendizagem entre pares e intercâmbio de experiências nas áreas de educação, formação e juventude. Conheça mais neste site.

 

 

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Tiago Leitão é membro do conselho da IPS_Innovative Sistemas Prisionais, presidente do conselho da Aproximar, diretor executivo do Knowledge Systems Romania  e da EaSI – Associação Europeia de Inovação Social. É formado em serviço social e mestre em administração de ampresas pelo MBA de Lisboa. Tiago possui 15 anos de experiência profissional atuando como assistente social, consultor, desenvolvedor e gestor (de projetos e organizações) nas áreas de sistemas de justiça criminal, consultoria de gestão, inovação social, reintegração social e transferência de conhecimento. Lidera diversos projetos inovadores nas áreas de design conceitual e gestão em inovação prisional, economia social e empreendedorismo e presta consultoria em planos de negócios sociais, plano organizacional estratégico, educação, treinamento e mentoria.

 

 

Alexandra Gomes é Consultora e Gerente de Projetos na IPS. Ela é bacharel e mestre em Criminologia. Atualmente, está envolvida na concepção, implementação e gestão de projetos inovadores no campo da ressocialização e reintegração de infratores e justiça juvenil: PPROMPT, Coding-OUT, RE[ENTER], BLEEP, AWARE, BriSaR, ActiveGames4Change, CCJ4C, LEADCOR e VRforDrugRehabilitionation. Além disso, Alexandra possui um curso de mentoria certificado, no âmbito do programa de treinamento M4All , focado na gestão de casos de ex-infratores e, portanto, está atualmente orientando ex-infratores em uma organização comunitária.

 

Referências

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