Inovação em Prática
Bélgica
1. Estrutura de pequena escala e proximidade
Cada casa de detenção acomoda até 60 residentes, divididos em grupos mais pequenos, o que permite um apoio mais intensivo e personalizado. A dimensão reduzida cria um ambiente mais humano e comunitário, permitindo que a detenção se assemelhe mais à vida cotidiana. Os residentes são incentivados a tomar medidas ativas em direção ao seu futuro, envolvendo-se em trabalho, educação e reconstruindo relacionamentos pessoais à medida que se preparam para a vida após a detenção.
2. Acompanhamento centrado na pessoa
Nas casas de detenção, o foco está no indivíduo. As pessoas que vivem nesses espaços não são tratadas como números em um sistema, mas reconhecidas por suas próprias qualidades e desafios. Juntamente com a equipe de apoio – agentes pessoais, assistentes sociais, psicólogos, pessoal administrativo e gerência – cada residente trabalha em seu desenvolvimento pessoal. A equipe ajuda ativamente a identificar e a fortalecer o potencial de cada pessoa, ao mesmo tempo em que procura soluções construtivas para suas dificuldades.
Cada residente é responsável por seu próprio plano de permanência, o que promove autonomia e prepara para o futuro. Esse senso de responsabilidade também apoia seu desenvolvimento. Ao mesmo tempo, ninguém percorre esse caminho sozinho: eles recebem apoio intensivo e contínuo de uma equipe dedicada. Embora essa abordagem, em que os residentes às vezes se sentem “monitorados de perto”, seja muitas vezes desafiadora, ela estabelece uma base vital para o desenvolvimento pessoal.
3. Enraizamento local e parcerias
As casas de detenção estão profundamente inseridas no contexto local. O trabalho é realizado em parceria com prefeituras, empregadores, organizações da sociedade civil e moradores da região. Essas colaborações constroem uma rede ampla e sustentável de apoio ao redor de cada casa, facilitando o acesso ao trabalho, à moradia e ao acompanhamento após a saída. Em vez de funcionarem como estruturas isoladas, as casas de detenção tornam-se parte integrante das comunidades onde estão inseridas, fortalecendo a coesão social e o apoio da população.
Embora inovadoras, as casas de detenção não são projetos-piloto temporários. Elas estão agora integradas de forma estrutural ao sistema penal nacional, sob a coordenação da Direção Geral de Instituições Penitenciárias. Foi criado um marco legal específico, com funções profissionais definidas, e já estão em andamento preparativos para expandir o modelo a outros grupos, como jovens, pessoas idosas e pessoas com desafios relacionados ao uso de substâncias. Isso demonstra que o modelo é escalável e pensado para ter continuidade no longo prazo.
Esses pontos foram enfrentados por meio de uma abordagem gradual, que combinou experiência prática com avaliação constante e ajustes contínuos. A força do projeto esteve em sua base colaborativa. Profissionais de diferentes áreas se uniram, compartilharam conhecimentos e aprenderam tanto com os acertos quanto com os desafios. Como resultado, as primeiras casas de detenção já estão em funcionamento, e a expansão do modelo está em andamento.
Os resultados iniciais são promissores. Pesquisas recentes da Universidade de Ghent – realizadas entre setembro de 2022 e janeiro de 2024 – e o monitoramento interno subsequente destacam tanto os desafios quanto o potencial da primeira casa de detenção da Bélgica em Kortrijk. Até 31 de janeiro de 2024, um total de 118 pessoas havia passado pela unidade, todas cumprindo sentenças de no máximo três anos, ou, no caso de jovens em sua primeira infração, até cinco anos.
Uma pesquisa com 38 residentes revelou necessidades recorrentes de moradia, emprego, saúde mental e tratamento de dependência. O monitoramento interno realizado entre novembro de 2023 e outubro de 2024 registrou um total de 150 residentes. Desses, 82 receberam acompanhamento estruturado: em média, foram trabalhadas 1,6 áreas de vida em trajetórias curtas e com foco específico, e 3,7 áreas de apoio em trajetórias mais intensivas e voltadas para múltiplas questões.
Esses primeiros resultados confirmam que personalizar os planos de reintegração e garantir a continuidade do apoio dentro e fora das casas de detenção é um processo complexo, mas promissor nas seguintes áreas:
Reintegração e responsabilidade
Um impacto significativo é observado na reintegração social. Ao assumir a responsabilidade pelo próprio plano de permanência, assim como pelas tarefas diárias na casa, como cozinhar, cuidar dos espaços comuns e participar de trabalhos voluntários, os residentes desenvolvem maior autonomia e autoconfiança. Esse progresso fica evidente por meio do acompanhamento individual, dos relatórios de evolução e dos planos de reintegração elaborados em conjunto pelos residentes e pela equipe de apoio.
Redução da reincidência
Um dos principais objetivos do projeto é reduzir a reincidência. Embora os dados de longo prazo ainda estejam sendo coletados, as primeiras avaliações internas indicam uma tendência positiva. Os residentes se beneficiam de orientação personalizada, cooperação estreita com serviços sociais e agentes locais e preparação direcionada para moradia e emprego. A eficácia dessa abordagem está sendo estudada por várias universidades e será avaliada posteriormente com base nas taxas de reincidência ao longo do tempo, bem como em pesquisas qualitativas conduzidas, entre outros, pelo Instituto Nacional de Criminalística e Criminologia (NICC).
Envolvimento da comunidade
As casas de detenção são deliberadamente inseridas nos bairros locais para promover laços mais fortes com a comunidade. Iniciativas como atividades conjuntas e comunicação aberta com os residentes levaram a uma maior aceitação e compreensão mútua. Por exemplo, a casa de detenção de Kortrijk organizou “a maior mesa de bolo”, um evento comunitário que reuniu vizinhos e residentes. Essa iniciativa ganhou o Prêmio Público Matexi 2024, que reconhece projetos impactantes de bairros.
Emprego e educação
Um número crescente de residentes inicia trabalhos, estágios ou atividades voluntárias durante ou após sua estadia. Esse processo é acompanhado de perto em parceria com o serviço de emprego da Flandres, empregadores locais e por meio de programas de apoio individualizados. Essas experiências profissionais desempenham um papel fundamental para garantir um retorno mais estável à sociedade e reduzir o risco de reincidência.
Além das reformas práticas, as casas de detenção contribuem para uma mudança cultural mais ampla na forma como a sociedade enxerga a punição e as pessoas que passaram por esse processo. Elas ajudam a desconstruir estigmas e a construir uma visão de justiça baseada na restauração, dignidade e nas segundas chances.
Ao alinhar a detenção com metas de reintegração e laços comunitários, o modelo desafia a suposição de que o confinamento deve significar desconexão. Em vez disso, ele estabelece um curso para um sistema de justiça que funciona em um ritmo mais próximo ao da sociedade – prático, humano e voltado para o futuro.
Petra Colpaert é diretora da Casa de Detenção de Kortrijk, a primeira casa de detenção da Bélgica. Ela se formou em Criminologia pela Universidade de Ghent e trabalhou por 25 anos em uma das menores unidades penitenciárias de baixa segurança da Bélgica. Iniciou sua carreira como assistente social na Penitenciária de Ruiselede em 1997, concentrando-se na reabilitação de pessoas com problemas de dependência. Desde 2010, ela atua como gestora em unidades de detenção para pessoas com condenações de longo prazo. Para ajudar a reduzir a reincidência, ela criou o programa de apoio à dependência B.leave, o programa de capacitação ‘Workout’, o programa de voluntariado ‘Recovery’ e uma casa de reentrada para pessoas sem rede de apoio social.
Laurence Nibelle é diretora do Departamento de Administração das Unidades de Detenção e líder do Projeto das Casas de Detenção no Serviço Belga de Detenção. Formou-se em Criminologia pela UCL. Laurence iniciou sua carreira como assistente social nas unidades de Saint-Gilles e Ittre, em 2000. Posteriormente, integrou a equipe de gestão do Centro Nacional de Monitoramento Eletrônico. Em 2007, tornou-se inspetora de assistência social no Serviço Psicossocial Central. Desde fevereiro de 2021, lidera o Departamento de Administração das Unidades de Detenção e coordena o projeto das casas de detenção. Seu foco está em alinhar os regimes de detenção às necessidades de segurança e em aprimorar a reintegração das pessoas em cumprimento de medidas.