Entrevista
David Brown
Chefe Executivo do Departamento de Serviços Penitenciários, Austrália do Sul
JT: O Plano Estratégico 2018-22 do Departamento de Serviços Penitenciários aborda três temas principais: Gestão e Ressocialização de Infratores; Pessoal, Produtividade e Desempenho; e, Inovação, Liderança e Engajamento. (1)
O Sr. poderia, por favor, explicar os principais objetivos de cada uma dessas prioridades e que conquistas foram alcançadas sob seu escopo?
DB: Em primeiro lugar, nosso objetivo, como organização, é ser um aliado ativo no setor de justiça criminal da Austrália do Sul.
Trabalhamos com nossos parceiros a fim de oferecer iniciativas inteligentes de justiça em todo o Estado com intuito de contribuir para alcançar comunidades mais seguras e proteção pública, através da redução da reincidência.
Uma das coisas que reconhecemos aqui, no nosso Estado, e que é uma tendência e experiência comum em todas as jurisdições da Austrália e Nova Zelândia, e eu sei que é um desafio em muitas democracias ocidentais, é a crescente dependência do uso do sistema de custódia para responder à ofensa.
Temos visto um crescimento muito substancial na população prisional na última década, e esse crescimento deve continuar.
Assim, o pilar “Gestão e Ressocialização de Infratores” é vital. São os serviços e programas que oferecemos sob custódia que provavelmente melhorarão a reintegração bem-sucedida dos presos e seu regresso à comunidade.
Ao fazer isso, estamos focados em oferecer um serviço de custódia eficiente e eficaz, que seja capaz de criar um ambiente seguro e protegido.
Outra área que tem sido fundamental para o nosso sucesso é a construção de uma força de trabalho diversificada e multidisciplinar em todo o nosso sistema penitenciário.
A população carcerária de Austrália do Sul cresceu 50% nos últimos dez anos, e a taxa de encarceramento por 100.000 adultos aumentou 30%.
Isso significa uma perda significativa no orçamento do Estado, e por isso nossas iniciativas e estratégias foram projetadas para diminuir esses números e garantir que estamos maximizando os gastos discricionários para os esforços de ressocialização no ambiente de custódia.
Além disso, também investimos em alternativas ao encarceramento, serviços e programas comunitários para melhor apoiar as pessoas quando elas forem postas em liberdade.
JT: Nos últimos três anos e meio, o Departamento de Serviços Penitenciários (DCS) tem se comprometido com um programa que visa reduzir a reincidência em 10%.
No que consiste exatamente esse programa? Que medidas foram tomadas pelo DCS e quais foram os resultados?
DB: Em 2016, nosso ministro estabeleceu a meta de redução da reincidência em 10% até 2020.
Só vemos o resultado desse objetivo dois anos depois dos esforços para alcançá-lo, já que na Austrália esse é o padrão que determina a reincidência (se alguém retornou ou não com uma nova ordem judicial dois anos após a liberação). Implementamos uma série de medidas especificamente voltadas para alcançar esse objetivo.
Uma das coisas que fizemos que teve um impacto muito positivo, incluiu trabalhar com nosso parlamento para introduzir uma reforma legislativa em torno do uso da prisão domiciliar como uma opção de sentença.
Nós expandimos substancialmente o número de presos que agora cumprem sua sentença em casa. É uma ordem com um cumprimento bastante rigoroso, mas também há vários projetos personalizados de apoio à reintegração e ressocialização. Teríamos economizado 250 vagas em qualquer dia no sistema prisional através da execução desse programa.
Outra prova de que este programa tem sido muito bem-sucedido é que apenas 16% dos presos em domicílio descumpriram suas ordens, o que significa que estamos selecionando as pessoas certas para esse tipo de medida.
Além disso, eles são muito menos propensos a retornar à custódia – pouco menos de 20% comparando com grupos que estavam reincidindo a uma taxa de cerca de 35%. Em termos de benefício econômico, está fornecendo compensações de custos estimadas de US $ 57 milhões.
Também temos um foco muito direcionado para nossos programas de ressocialização. Executamos um programa sobre fatores criminogênicos bastante intensivo que incide sobre crimes gerais, crimes violentos, crimes sexuais e violência doméstica e familiar.
A duração dos programas varia entre nove a doze meses, além disso mais do que dobramos nossa capacidade de executá-los como parte da “Iniciativa 10 por 20”.
Queríamos garantir que os infratores de alto risco tivessem a oportunidade de ressocialização mais próxima da data em que estivessem elegíveis para receber a liberdade condicional e, assim, possibilitar com que solicitassem essa medida com sucesso.
No Estado Austrália do Sul, se o apenado não demonstrar ao Conselho de Liberdade Condicional que fez algo durante o seu tempo sob custódia para reduzir a probabilidade de voltar a cometer crime, não terá direito à liberdade condicional. Esses investimentos também contribuíram para a diminuir o crescimento da população carcerária.
Além disso, temos uma parceria com uma organização comunitária especializada em emprego e apoio ao emprego para egressos do sistema prisional.
O programa intitula-se “Pronto para o Trabalho, Pronto para a Liberdade”, e os infratores que recebem acompanhamento terapêutico enquanto se encontram sob custódia judicial têm a oportunidade de emprego intensivo e apoio durante doze meses após serem colocados em liberdade.
Este projeto também tem mostrado benefícios muito positivos em termos de desaceleração da taxa de retorno à custódia.
Temos um foco muito direcionado para nossos programas de ressocialização, executamos um programa sobre fatores criminogênicos bastante intensivo que incide sobre crimes gerais, crimes violentos, crimes sexuais e violência doméstica e familiar.
Além da necessidade de reduzir a taxa de reincidência, quais outros desafios o Departamento de Serviços Penitenciários enfrenta e como lida com eles?
DB: Além da concorrência por recursos finitos do ponto de vista orçamentário, acho que o maior desafio que enfrentamos é o envelhecimento da infraestrutura.
Grande parte da nossa rede de penitenciárias é composta por uma infraestrutura bastante antiga, temos instalações que são muito caras para operar e manter, além de nunca terem sido projetadas com o objetivo de ressocialização em mente.
Esse é um verdadeiro desafio para a organização, mas trabalhamos visando conseguir financiamento para construir novas infraestruturas e modernizar nossa rede de instalações existente, com foco na entrega de ambientes construídos que apoiem a ressocialização e as necessidades específicas das diferentes grupos de pessoas sob custódia.
Outro desafio crítico para nós é a grande população de aborígenes sul-australianos no sistema de justiça criminal. Apesar de representarem cerca de 2% da população do Estado, correspondem a 25% da população carcerária.
É uma verdadeira questão de justiça social e temos trabalhado arduamente para oferecer iniciativas específicas direcionadas a este grupo.
Além disso, há a importância da diversidade na força de trabalho: nosso foco principal também tem sido empregar aborígenes sul-australianos e construir uma representação desse grupo em nossa força de trabalho em todas as equipes multidisciplinares.
Outro desafio é a crescente proporção de presos em prisão preventiva. Hoje, 45% das pessoas presas da Austrália do Sul ainda não receberam uma sentença. É difícil gerenciar e incluir esse grupo nos programas de ressocialização, dado que eles ainda estão passando pelo processo de julgamento.
Uma das iniciativas que introduzimos nos últimos cinco anos foi a construção e implantação de uma instalação de apoio a acomodação, administrada por uma de nossas ONGs a fim de encaminhar as pessoas para um Programa de Apoio à Liberdade sob Fiança em vez de tê-las em prisão preventiva.
Além disso, temos um programa intensivo de supervisão de liberdade sob fiança, com intuito de oferecer ao judiciário alternativas ao encarceramento, sobretudo no caso de prisões preventivas.
Uma delas é o uso de monitoramento eletrônico e supervisão por oficiais de liberdade condicional (agentes penitenciários comunitários). Essa decisão judicial também tem alcançado êxito.
Nossas iniciativas e estratégias foram projetadas para diminuir o crescimento da população carcerária e garantir que estamos maximizando os gastos discricionários para os esforços de ressocialização (...)
O que mais o Sr. pode nos dizer sobre a evolução das alternativas penais na Austrália do Sul?
Como seu Departamento tem contribuído para o fortalecimento do sistema de penas alternativas?
DB: Todas as evidências mostram que um sistema de execução de penas na comunidade bem projetado oferecerá melhores resultados, em termos de diminuição da reincidência, em relação ao cumprimento de penas projetado em um ambiente de custódia.
Nosso foco em alternativas ao encarceramento tem sido desenhar ordens judiciais e serviços de apoio à reintegração e ressocialização em torno dessas iniciativas que demonstram melhores resultados na reincidência.
Nosso aprendizado nos últimos anos tem sido que devemos parar de ver as penas alternativas na comunidade como uma alternativa de baixo custo ao encarceramento, e devemos entendê-las como um programa que precisa de investimentos e de ser aprimorado. Se fizermos isso, teremos melhores resultados.
A evidência inicial, do nosso ponto de vista, é que está funcionando e tem ganhado a confiança das autoridades, como o Conselho de Liberdade Condicional ou as autoridades de sentença nos tribunais, que entenderam que há alternativas viáveis ao encarceramento.
Tentamos nos concentrar em uma avaliação da adequação por profissionais para a probabilidade de sucesso de alguém em uma ordem comunitária.
Nosso programa de detenção domiciliar é composto por sentenças proferidas pelo tribunal e libertações sob a Lei de Serviços Penitenciários. O objetivo geral da nossa equipe é avaliar a adequação do infrator para a ordem de detenção domiciliar e sua probabilidade de sucesso.
Outra prioridade é determinar as necessidades de reintegração e reabilitação do infrator, para que, nossos prestadores de serviços possam personalizar as iniciativas de apoio. Nossa avaliação mostrou que o resultado é melhor quando se concentra na adequação em vez de critérios rígidos de elegibilidade.
JT: Sabemos que, no final de 2019, o governo sul-australiano aprovou um financiamento de 15 milhões de dólares americanos para um novo sistema de gestão de infratores (OMS).
Quanto progresso alcançado feito na implementação do novo sistema de gestão e como ele apoiará os compromissos estratégicos do seu Departamento?
DB: Estamos alcançando um ótimo progresso. No momento estamos na fase de aquisição e esperamos finalizar um contrato até o final deste ano.
Nossos sistemas de informação atuais não são centrados em infratores nem intuitivos, por isso é um ponto chave em nossa transformação digital. O objetivo é oferecer uma plataforma melhor para nossa equipe em todo o sistema, tanto nas instalações penitenciárias quanto em penas alternativas.
O novo OMS permitirá obter informações em tempo real sobre as pessoas com as quais nossa equipe trabalha e supervisiona, além de melhor informar os tomadores de decisão sobre riscos e necessidades ao trabalhar com os infratores.
Estamos muito focados em tentar obter uma solução COTS (personalizada de prateleira), então estamos ansiosos para ver como os fornecedores selecionados respondem ao convite de fornecimento, que é o próximo estágio.
JT: A pandemia da Covid-19 trouxe grandes desafios aos serviços penitenciários em todo o mundo.
Dadas as restrições resultantes da crise pandêmica, que tipo de medidas foram implementadas no estado da Austrália do Sul?
DB: Como em todo o mundo, a COVID-19 tem consumido muito esforço nos últimos doze meses.
Tivemos muita sorte na Austrália por não ter um impacto tão significativo quanto o que foi sentido em outras partes do mundo. Nosso foco tem contribuído para manter a curva plana e manter a COVID-19 fora de nossas penitenciárias desde o primeiro dia.
Felizmente, alcançamos bons resultados em ambas as frentes: não tivemos casos positivos confirmados de coronavírus em nenhuma prisão sul-australiana.
Em relação ao órgão, 60 a 70% dos nossos funcionários da área administrativa trabalhavam em casa em algum momento durante a resposta à pandemia, tivemos que implementar o teletrabalho rapidamente.
No auge da pandemia, restringimos o acesso às nossas prisões para funcionários não essenciais, impactando a execução de programas, a educação e a formação profissional.
Implementamos a supervisão virtual e os arranjos de relatórios virtuais para penas alternativas, para isso utilizamos telefones celulares e dispositivos para chamadas de vídeo.
Felizmente, acho que o que nos tem destacado aqui no ambiente prisional e na comunidade é o quão bem os infratores responderam à pandemia e às mudanças na supervisão.
Cancelamos todas as visitas presenciais às nossas prisões por vários meses. Isso nos levou a iniciar visitas virtuais para os presos da noite para o dia, o que é uma iniciativa fantástica, que devíamos ter adotado há muito tempo.
Se há uma coisa positiva que podemos tirar da COVID-19 é o impacto das visitas virtuais: estamos fazendo milhares de visitas virtuais agora, e mesmo quase voltando ao normal com visitas presenciais, continuamos a oferecer visitas virtuais aos presos e suas famílias.
Para muitos presos, a primeira vez, em muito tempos, que viram seus entes queridos foi na visita virtual.
Felizmente, já tínhamos um alto nível de audiências virtuais em nossos tribunais no estado da Austrália do Sul, especialmente em nosso tribunais de primeira instância.
O vírus não teve um impacto maciço nisso. E, nos últimos anos, temos trabalhado com advogados para tentar melhorar o uso de reuniões virtuais entre eles e os infratores também, mas tivemos que aumentar esse sistema ainda mais durante a pandemia.
Fizemos um bom trabalho em telemedicina, porque 60% dos nossos presos vivem em zonas rurais, e a pandemia exigiu que a telemedicina aumentasse.
Alguns serviços de ressocialização pararam por algum tempo, mas depois introduzimos vídeo e telefone para mantê-los funcionando. Temos realizado os programas de ressocialização mais próximo do normal desde julho do ano passado.
Uma das coisas que percebemos após o cancelamento de visitas presenciais é que isso inibiu o contrabando e substâncias ilícitas em nossas instalações.
E uma das iniciativas dos nossos serviços de ressocialização foi redirecionar os funcionários, que normalmente estariam na penitenciária trabalhando com os programas de ressocialização, para realizar serviços telefônicos de consultas sobre drogas e álcool (intervenções curtas).
Dessa forma, os presos puderam usar os telefones da unidade para ligar. Isso está integrado em nosso modo de trabalho agora. Temos uma linha telefônica para os presos usarem se estiverem com sintomas de abstinência.
Além disso, eles podem usar esta linha direta para obter alguma ajuda no seu processo de reabilitação. Esse serviço tem sido muito benéfico para nossos presos de prisão preventiva em particular.
Além disso, em resposta ao COVID-19, generalizamos os testes a todas as novas admissões na prisão, e tentamos manter os presos em um local de chegada por 14 dias antes de transferi-los para outra instalação.
Colocamos uma série de contingências em vigor, e em abril de 2021 tivemos os programas de vacinação implementados em nosso sistema penitenciário.
Nota:
(1) Departamento de Serviços Penitenciários da Austrália do Sul. (2018). Plano Estratégico 2018-22 (em Inglês).
David Brown
Chefe Executivo do Departamento de Serviços Penitenciários, Austrália do Sul
David Brown começou sua carreira como agente penitenciário em Queensland. Ingressou no Departamento de Serviços Penitenciários da Austrália do Sul como Diretor Executivo de Serviços de Custódia em 2009 e foi nomeado Chefe Executivo em setembro de 2012. Antes de ingressar no Departamento, trabalhou para uma empresa multinacional, em segurança, cuidados e justiça, onde foi responsável por liderar os serviços de detenção de imigração em toda a Austrália. É membro do Conselho de Administradores de Serviços Penitenciários da Austrália e da Nova Zelândia.