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Inteligência prisional: contribuições de tomadores de decisão da Bélgica, Canadá e Argentina

Rudy Van De Voorde
Diretor Geral do Serviço Penitenciário Belga 

Rudy Voorde

Em nenhum outro momento da história do sistema prisional  um fenômeno como o radicalismo/extremismo criou a necessidade de a gestão das instituições de detenção compartilharem informações com tal velocidade, em tais quantidades e com tal impacto possível com atores fora do sistema prisional, e mais especificamente, com os serviços de inteligência e segurança.

O compartilhamento de informações sobre os presos entre esses serviços costumava ser principalmente um exercício na linha divisória entre “seria bom saber” e “é necessário saber”. Com esse fenômeno “novo”, entramos no domínio da “necessidade de compartilhamento” a uma velocidade sem precedentes.

As críticas externas (da sociedade em geral, da mídia, dos políticos, etc.) sobre “falha dos Serviços de Justiça e Segurança” geralmente são intercaladas com alegações de que esses serviços não compartilham informações suficientes. Muitas das recomendações apresentadas em um relatório do Comitê de Pesquisa Parlamentar da Bélgica sobre os ataques ao aeroporto nacional do país e a uma estação de metrô na capital, focaram neste compartilhamento de informações. E, por mais óbvio que isso possa parecer, está de fato longe de acontecer.

Considerando que uma das principais missões do sistema penitenciário é preparar os detentos para o seu retorno à sociedade, a relação entre a (equipe da) organização prisional e os reclusos é, em certa medida, uma relação de confiança, embora o serviço penitenciário seja parte de “um sistema” do qual os presos frequentemente se queixam. A questão é, portanto, como lidar com informações dos infratores e sobre eles, enquanto se continua a prepará-los para a reintegração, além de pesar isso com uma troca de informações que poderia colocar os presos em risco de tornar mais difícil seu retorno (precoce) a uma sociedade livre.

Em outras palavras, a prática penitenciária está enfrentando o mesmo dilema que os formuladores de políticas, que, por um lado, sentem a pressão de fazer todos os esforços para prevenir novos ataques terroristas, inclusive trocando informações, enquanto, por outro lado, sentem igualmente a pressão de querer manter o respeito pela privacidade dos cidadãos e, portanto, de proteger certas informações sobre suas vidas,  estejam eles detidos ou não.

Consequentemente, precisaremos (aprender a) lidar de forma inteligente com as informações sobre os presos. E sem fingir ter um mecanismo definitivo em mente (definitivo no sentido de um deus ex machina que finge regular o compartilhamento perfeito de informações), acho importante considerar potenciais armadilhas. Vamos explanar brevemente três delas.

A polícia, os serviços de inteligência e segurança e as prisões têm um mandato histórico que está consagrado na lei, cada um com seus próprios objetivos, e faríamos bem em manter esses objetivos.

Sobre essa questão: não é porque o sistema prisional tem informações úteis, no contexto de investigações policiais ou trabalhos de inteligência sobre comportamento radical/extremista, que podem potencialmente escalar para crimes violentos – que o próprio sistema prisional se torne um serviço de inteligência ou de polícia. Estamos nos referindo ao potencial conflito de papéis que mencionamos anteriormente.

Não é porque estão sendo coletadas informações sobre um preso com comportamento radical/extremista que todas são relevantes nesse contexto. É precisamente a quantidade de informações que se espera que sejam compartilhadas que nos obriga a desenvolver instrumentos e ferramentas sólidas para avaliar o verdadeiro valor e o impacto desses dados.

Pela mesma razão, é tão importante nos perguntarmos constantemente se o compartilhamento de informações permanece dentro dos limites legais aplicáveis. Afinal, para que não nos esqueçamos, a luta contra o radicalismo/extremismo é uma luta contra forças que buscam minar as doutrinas do nosso Estado democrático de direito. Ao conduzi-la de uma forma que abandona nossos princípios, estamos encorajando essas forças a continuar sua própria luta.

 


Warren Coons
Diretor Geral do Ramo de Segurança Preventiva e Inteligência, Serviço Penitenciário do Canadá 

Warren Coons

O Serviço Penitenciário do Canadá (CSC, por sua sigla em inglês) é o órgão do governo federal responsável pela administração de sentenças de um prazo de dois anos ou mais, conforme imposto pelo tribunal.

Para isso, o CSC gerencia instituições de diversos níveis de segurança e supervisiona os infratores sob liberdade condicional na comunidade. A missão do CSC é contribuir para a segurança pública, incentivando ativamente e auxiliando os infratores a se tornarem cidadãos cumpridores da lei, enquanto exercem um controle razoável, seguro e humano.

Isso é conseguido com o foco em três responsabilidades fundamentais: cuidado e custódia, intervenções correcionais e supervisão comunitária. O Programa de Inteligência do CSC contribui para todas as responsabilidades fundamentais.

Embora o Programa de Inteligência pareça mais próximo do cuidado e custódia dos infratores, pois identifica e auxilia na gestão de atividades ilegais e na prevenção de incidentes de segurança, ele, no entanto, apoia intervenções e supervisão.

Ao contribuir para um ambiente seguro, o programa apoia o estabelecimento de condições de vida propícias ao sucesso de infratores ativamente engajados em sua ressocialização. O pessoal da inteligência também apoia a supervisão dos infratores.

Por fim, através da coleta, análise e compartilhamento de informações com tomadores de decisão e parceiros de aplicação da lei, o programa apoia todas as operações do CSC.

O programa de inteligência do CSC utiliza práticas comerciais existentes. Se apoia em uma rigorosa estrutura de governança, aproveita pessoas e análises e usa uma metodologia sólida. Com isso em vigor, seja através da inteligência operacional ou tática, existe a base para que a inteligência seja proativa, preditiva e preventiva.

Duas das prioridades de inteligência do CSC são a interdição de drogas e o gerenciamento de grupos de ameaças à segurança (STGs, por sua sigla em inglês). A interdição de drogas é uma prioridade, pois as drogas e os entorpecentes representam um risco de segurança para todos dentro da instituição.

Além disso, um ambiente livre de drogas é essencial para que os infratores participem de intervenções correcionais, apoiando assim a reintegração bem-sucedida. Um objetivo na interdição de drogas é utilizar a análise de dados para prever incidentes com drogas e implantar pessoal para preveni-los proativamente.

Os STGs são uma prioridade, pois representam uma séria ameaça à segurança das operações do CSC e comprometem a proteção da sociedade. Dentro do CSC, existem mais de 100 STGs e aproximadamente 10% da população infratora tem afiliação a um desses grupos.

O grande número de STGs e sua fluidez em relação à adesão, hierarquia, rivalidades e/ou alianças, juntamente com uma propensão para cometer atos de violência demonstra a necessidade de inteligência para se concentrar em mitigar a ameaça que esses grupos representam.

Tradicionalmente, os profissionais de inteligência têm focado na gestão dos STGs, entendendo que dinâmicas de grupo e afiliações podem representar uma ameaça à segurança da instituição.

Mais recentemente, o CSC complementou essa abordagem ao avançar para entender completamente os associados individuais e suas dinâmicas. Ao realizar análises profundas aos indivíduos que exibem um alto nível de influência dentro das instituições em todo o país, é possível identificar suas vulnerabilidades e minimizar a ameaça que representam às nossas instituições e comunidades.

Seja por meio de uma abordagem do tipo básico ou com enfoque individualizado, por ser proativo na coleta e análise da inteligência operacional, é possível compreender e prever melhor comportamentos e incidentes, a fim de desenvolver estratégias para prevenir ou minimizar o flagelo de drogas e grupos de ameaças à segurança em nossas instituições, aumentando assim a segurança e a proteção.


Sam Erry
Vice-Ministro dos Serviços Penitenciários, Ministério da Procuradoria Geral, Província de Ontário, Canadá

Sam Erry

Criação do Programa de Inteligência correcional de Ontário:

Como todos sabemos, detentos e infratores marginalizados são vulneráveis a serem preparados e iniciados em gangues e organizações radicais que apoiam a atividade criminosa e o terrorismo.

Os Serviços Penitenciários de Ontário, parte do Ministério da Procuradoria Geral, têm cerca de 7.500 presos sob custódia e mais de 40.000 infratores sob supervisão da comunidade.

O ministério está desenvolvendo um quadro robusto para reunir e analisar informações coletadas da linha de frente, a fim de desenvolver inteligência acionável que pode ser utilizada pelos serviços penitenciários e parceiros do setor de justiça com interesse da segurança pública.

O ministério está focando principalmente em aumentar a conscientização sobre a inteligência disponível e ajudar os funcionários a entender o papel estratégico que desempenham para melhorar a segurança nos serviços penitenciários provinciais e nas comunidades em Ontário.

A iniciativa, conhecida como Programa de Inteligência Penitenciária de Ontário, está evoluindo através de uma abordagem por fases, começando pelo desenvolvimento da coleta de informações com a equipe de linha de frente e a gestão de nível superior.

Um componente fundamental para o desenvolvimento de um programa de sucesso serão os mais de 8.000 funcionários da linha de frente coletando informações disponíveis para eles através de suas interações diárias com detentos e infratores. Essas informações da linha de frente são compiladas, verificadas e analisadas, antes de serem divulgadas como inteligência acionável dentro dos Serviços Penitenciários e para parceiros do setor de justiça.

Em março de 2019, Ontário introduziu o Marco de Inteligência Penitenciária (Corrections Intelligence Framework), adaptado do modelo de controle baseado em inteligência usado pelos serviços policiais no Canadá, Reino Unido e Estados Unidos.

O marco baseia-se no ciclo de inteligência, no processo em que as informações são coletadas, analisadas e disseminadas aos principais parceiros para ajudar a informar decisões táticas, operacionais e estratégicas, ao mesmo tempo em que apoiam prioridades de segurança pública e mitigação ou redução de crimes.

O desenvolvimento do marco também incluiu a criação de uma infraestrutura dedicada para gerenciar o programa, a Unidade de Inteligência Penitenciária de Ontário.

Para fortalecer o programa, os Serviços Penitenciários de Ontário fizeram uma parceria com a Polícia Provincial de Ontário. A equipe policial está integrada diretamente à unidade de inteligência para trabalhar ao lado da equipe penitenciária.

Eles trazem um conhecimento especializado e prático para a equipe, elevando o perfil da inteligência dos Serviços Penitenciários dentro da comunidade de forma mais ampla e fomentando parcerias do setor de justiça.

O Programa de Inteligência Penitenciária de Ontário está no início de sua jornada para construir um robusto programa a fim de melhorar a segurança pública.

Auxiliada por avanços em tecnologia e fortes parcerias com o setor de justiça, Ontário prevê se tornar um líder de serviços penitenciários na alavancagem da inteligência para mitigar ameaças à segurança por meio do empoderamento dos funcionários.


Emiliano Blanco
Diretor-Geral do Serviço Penitenciário Federal, Argentina

Emiliano Blanco

A análise das informações é uma ferramenta fundamental para um sistema penitenciário moderno e seguro. A coleta e gravação de dados em um formato comum (que pode ser corretamente estruturado) é a chave para organizar fontes distintas com uma visão única. A análise dos dados pode, portanto, ser um instrumento proativo na determinação de riscos ou na avaliação de cenários futuros. A análise das informações prisionais tem um objetivo claro de prevenção.

Tem como objetivo fornecer “conhecimento” para antecipar eventos e permitir que as autoridades neutralizem ou dissuadir ameaças e conflitos associados a certos riscos. Também permite que as autoridades entendam, com previsão suficiente, como certas decisões podem permitir ou facilitar as ações das organizações criminosas. Dessa forma, a gestão pode identificar as implicações das decisões e implementar esquemas preventivos para evitar o fortalecimento voluntário do crime organizado dentro dos sistemas penitenciários.

A inteligência criminal, que também abrange a esfera da inteligência prisional, visa o combate ao fenômeno do crime organizado dentro do espaço penitenciário. Abrange todas as áreas relacionadas à análise da inteligência prisional, no âmbito das Regras Mínimas Padrão das Nações Unidas para o Tratamento de Presos (Regras de Nelson Mandela), especialmente o artigo 10º. De acordo com as regras mínimas para análise das informações penitenciárias, devem ser desenhadas normas para garantir informações e segurança tanto dos funcionários quanto dos presos.

Todos os grupos são responsáveis por seguir esses padrões. Assim, a análise objetiva dos dados permite a gestão e segurança (direta ou indireta) do sistema penitenciário e seus membros, dentro e fora da instituição, integrando-se proativamente com outros sistemas de segurança pública. 

Além disso, deve-se ter em mente também que uma alta presença de corrupção nas prisões gera o risco de autogoverno, como consequência de um sistema informal criado pela disseminação de práticas corruptas. Esse risco de autogoverno cresce exponencialmente quando associado à atividade criminosa organizada.

Dada a complexidade do fenômeno da corrupção, surge a necessidade de abordar essa questão tanto com uma abordagem punitiva quanto preventiva.

A primeira tem como objetivo investigar e sancionar os responsáveis pelos danos causados por um ato de corrupção. Esta última visa reduzir a possibilidade de corrupção, prevenindo a ocorrência de danos. Para ser eficaz, essa abordagem da corrupção requer análise de informações a fim de detectar possíveis riscos de corrupção e preveni-los. Dentro do Serviço Penitenciário Federal da Argentina, o Serviço de Prevenção à Corrupção desenvolve políticas preventivas e o Departamento de Assuntos Internos recebe denúncias de atos corruptos para investigar e implementar as sanções necessárias. Ambos recebem informações da Direção Principal de Análise de Informações.

Nesse sentido, todas as administrações penitenciárias devem ter um documento estrutural, relativo aos níveis de acesso à informação no contexto da segurança prisional, para fornecer aos estabelecimentos a orientação necessária com objetivo de manter altos padrões de segurança, evitar fugas e impedir que presos de alto risco realizem atividades ilegais com impacto, dentro ou fora da prisão.

Nesse sentido, o Serviço criou as Unidades de Análise Tática (UAT). Seu objetivo é permitir que os funcionários que coletam informações acessem os dados de forma mais dinâmica. A coleta de informações é realizada principalmente através da equipe prisional; eles representam a fonte primária, pois estão em contato direto com os presos e estão na linha de frente para lidar com os eventos à medida que eles surgem.

Esse é um dos benefícios da “segurança dinâmica”, onde os funcionários coletam informações sobre tudo o que acontece em seu local de trabalho, informando sobre qualquer evento incomum, bem como através de suas relações profissionais com os presos, baseadas na confiança mútua e no respeito, com o objetivo final de alcançar um estabelecimento seguro onde a incerteza é substituída por ações mais próximas à certeza.

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