As facções criminosas estão generalizadas nas penitenciárias dos Estados Unidos. De acordo com dados oficiais, milhares de presos estão atualmente afiliados a facções, com dezenas desses grupos nos Estados Unidos.
Embora sejam elevados, esses dados provavelmente subestimam a influência das facções modernas. Além de seus membros oficiais, os grupos também têm uma grande rede fora dos muros da prisão, como traficantes, contrabandistas e informantes. Praticamente desconhecidas até a década de 1960, as facções criminosas nas prisões são algumas das maiores organizações criminosas do país.
As facções têm um histórico conhecido de violência. Seus membros são alguns dos presos mais rebeldes das penitenciárias e os encarcerados são frequentemente recrutados para participar das facções precisamente por causa de sua agressividade.
Elas são responsáveis por uma grande parcela de casos de má conduta no sistema prisional e representam uma séria ameaça para novos presos e agentes penitenciários. Os confrontos entre facções nos presídios são frequentemente letais não só nos Estados Unidos, mas também em outros países como Brasil, México ou El Salvador.
No entanto, apesar de suas táticas, as facções não são tão indisciplinadas quanto parecem. Em uma série de artigos, David Skarbek observa que elas têm uma estrutura coesa, procedimentos organizacionais rígidos e códigos de conduta claros. Sua principal função é prover governança: eles operam semelhantes aos governos onde o Estado é incapaz ou não está disposto a impor contratos e manter a ordem.
As facções criminosas também se envolvem no comércio, uma parte importante da vida social dos presos. Dado que os presos não têm acesso a bens, como álcool, cigarros ou alimentos básicos, eles geralmente adquirem esses artigos por meio de comércio ilegal. As facções regulam em grande parte esses mercados, fornecem segurança para que as transações ocorram e resolvem eventuais conflitos entre as partes que comercializa.
Neste sentido, as facções não são irracionais. Essas organizações enfrentam problemas semelhantes aos de qualquer outro grande grupo, tais como, como fazer com que os indivíduos cumpram os contratos e como conter a violência entre os membros do grupo.
Enquanto a sociedade usa o código legal e o aparato do Estado para abordar essas questões, as facções utilizam o “sistema de responsabilidade comunitária” (CRS). O CRS garante que se um indivíduo não se comportar como esperado, como não pagar suas dívidas, todo o grupo é responsável pela falha. Assim, qualquer pessoa pode ser afetada pelos erros de outro membro do grupo. Nas prisões, as facções criminosas desempenham um papel semelhante.
Elas têm informações sobre o comportamento de seus membros e, como tal, são capazes de monitorar indivíduos e punir desertores. Isso aumenta o nível de confiança social entre as partes, permitindo assim que o comércio se expanda nas prisões. É mais barato para cada grupo punir indivíduos por mal comportamento do que perder os ganhos do comércio, portanto, todas as partes têm um incentivo para manter o sistema.
Outro fator que causou o aumento das quadrilhas prisionais foi o crescimento da população carcerária. Até a década de 1950, os presos cumpriam em grande parte o “código do preso”, um conjunto de regras não escritas de comportamentos socialmente aceitos pelos presos. Nas décadas seguintes, o vasto fluxo de presos não familiarizados com o código levou à sua erosão progressiva. À medida que o número de presos cresceu, e com as normas anteriores mais fracas, a demanda por proteção pessoal aumentou. As facções então intervieram para fornecer o que os presos precisavam: usando violência e concentrando poder, esses grupos fornecem segurança aos seus membros quando o código do preso não o fez.
Em resumo, as facções nas prisões são uma resposta racional, embora violenta, às demandas do encarceramento. Promovem a cooperação dentro do sistema prisional, por meio do “sistema de responsabilidade comunitária”, aplicam contratos e resolvem disputas, da mesma forma que as instituições jurídicas. A superlotação das prisões e o declínio do código dos presos aumentaram a demanda por proteção privada e as facções são atualmente o modo predominante de organização social nas prisões.
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Danilo Freire é pesquisador de pós-doutorado associado ao projeto de Teoria Política da Brown University, em Rhode Island, nos Estados Unidos da América. Seus interesses de pesquisa são violência política, facções criminosas nas prisões e ciências sociais computacionais, com foco especial na América Latina. É doutor em Economia Política pelo King’s College London e mestre em Relações Internacionais pelo Instituto de Pós-Graduação de Genebra, na Suíça.
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