Para além da reincidência: Redefinindo o sucesso na reabilitação

Entrevista

Fergus McNeill

Professor de Criminologia e Serviço Social, Universidade de Glasgow, Reino Unido

Os resultados da reabilitação são geralmente avaliados por meio das taxas de reincidência, mas esses números contam apenas parte da história. Nesta entrevista, falamos com o professor Fergus McNeill, cujo trabalho sobre desistência destaca que a mudança duradoura depende tanto das condições sociais quanto do esforço pessoal. Ele defende medidas mais amplas de progresso que reflitam não apenas a mudança de comportamento, mas também o grau em que as pessoas recebem apoio para se reintegrarem à sociedade. Ele reflete sobre as limitações das abordagens atuais, a necessidade de formas mais amplas de avaliar o progresso e como os sistemas podem mudar para formas de apoio mais equilibradas e construtivas 

Com base no que funciona para apoiar a desistência criminal a longo prazo, os sistemas penitenciários atuais estão focando nas abordagens corretas?  

FMcN: Na teoria da desistência, agora falamos de desistência primária, secundária e terciária, também chamada às vezes de desistência de ato, identidade e relacional. Essencialmente, esses conceitos destacam as importantes conexões entre comportamento, identidade e questões de pertencimento e posição social. Acredito que a desistência de longo prazo exige muita atenção a esses elementos finais: pertencimento, aceitação e integração social.  

Com base no estudo dos sistemas penitenciários ao longo dos últimos 30 a 40 anos, principalmente em países anglófonos do Ocidente, eu diria que as pressões sociais, políticas e fiscais incentivaram os serviços penitenciários a se tornarem mais focados no curto prazo, cada vez mais preocupados com a tarefa imediata de avaliar e gerenciar o risco de reincidência. Embora o interesse pela reabilitação tenha persistido, às vezes ele se restringiu a um foco muito específico e estreito na tentativa de identificar e atender às necessidades criminogênicas para provocar uma rápida mudança de comportamento.  

Em certo sentido, é difícil criticar essa abordagem. É necessário que os serviços penitenciários apoiem mudanças urgentes ou imediatas de comportamento. No entanto, a preocupação com o risco e o foco restrito nas necessidades criminogênicas também podem ser contraproducentes se desviarem a atenção da criação de condições sociais nas quais a desistência de longo prazo possa ser garantida.  

Precisamos que os serviços penitenciários e, de forma mais ampla, o governo e a sociedade civil em geral, reequilibrem seu foco, desviando parte da ênfase das preocupações de curto prazo e voltando-se mais para a procura da reintegração social em todas as suas facetas.

 

Em outras palavras, precisamos criar uma abordagem mais holística que possa promover, sustentar, apoiar e garantir a desistência a longo prazo.  

Em termos práticos, isso exige que os serviços penitenciários, o governo e a sociedade civil se envolvam não apenas com o indivíduo, que pode, de fato, ter problemas a resolver, mas também com suas famílias, suas comunidades, grupos religiosos, a mídia e a sociedade, a fim de cultivar condições nas quais a desistência possa ser enraizada e nutrida.  

Trata-se de um projeto de grande escala — que não cabe apenas aos sistemas penitenciários —, mas no qual os serviços penitenciários devem desempenhar um papel de liderança. 

Ao estabelecer indicadores de sucesso, quais resultados concretos, além da reincidência, os líderes da justiça podem monitorar para ter uma visão mais completa da reabilitação 

FMcN: Existem vários indicadores desse tipo de progresso que podemos examinar. Por exemplo, devemos considerar se as pessoas estão se movendo em direção a um emprego mais estável e bem remunerado. Também devemos perguntar se elas estão se desenvolvendo em termos de educação, habilidades, conhecimento e competência geral em vários domínios, ou se estão em uma situação de moradia mais segura e estável, com acesso a abrigo e necessidades materiais básicas. A saúde é outro indicador importante. E aqui me refiro à saúde e ao bem-estar no sentido mais amplo possível. As pessoas que estamos apoiando estão se movendo em direção a uma saúde melhor, tanto física quanto mental, e a vidas mais satisfatórias e socialmente gratificantes?  

Juntos, essas conquistas nas principais áreas proporcionam o que os pesquisadores da desistência geralmente chamam de “apego à conformidade”: um motivo para obedecer às regras da sociedade. Quanto mais gratificante e significativa for uma vida sem crimes, maior será a probabilidade de as pessoas manterem e se comprometerem com ela ao longo do tempo.   

Além disso, eu destacaria dois outros fatores. Um diz respeito à posição legal dos indivíduos à medida que eles avançam durante e após a punição. Muitas pessoas que se envolvem em processos de justiça criminal sofrem uma forma de cidadania restrita ou condicional, na qual elas têm efetivamente menos direitos e prerrogativas legais do que outras. Devemos monitorar se as pessoas estão aptas a superar a punição e alcançar uma posição de cidadania igualitária, no sentido legal, como parte de sua reintegração.  

O segundo ator diz respeito ao envolvimento político e à participação cívica. É importante considerar até que ponto as pessoas estão engajadas cívica e politicamente. Ter voz em uma comunidade política está associado a ter uma participação nela, o que está intimamente ligado a viver bem, no seu interesse e no interesse dos outros.  

Essas percepções me levam ao modelo de reabilitação e reintegração que venho desenvolvendo nos últimos 10 a 15 anos e, recentemente, em colaboração com meu colega Alejandro Rubio Arnal.   

Abordamos reintegração material, que está relacionada aos pontos sobre subsistência que mencionei; reintegração pessoal, associada à educação e ao desenvolvimento de capacidades, por exemplo; reabilitação e reintegração legal, como acabei de discutir; reconciliação moral; reintegração política; e, por fim, as questões de pertencimento, aceitação e importância em uma comunidade.  

Em última análise, acredito que precisamos expandir nossa imaginação sobre o que estamos tentando alcançar e o que estamos medindo, além da observação da mera ausência de conduta criminosa. Esse tipo de marcador de progresso em direção à integração social nos diria muito mais sobre o que nossos sistemas penitenciários estão realmente alcançando ou deixando de alcançar.  

Observando os seis domínios, você certas áreas em que o progresso foi mais forte? E outras que talvez precisem de mais atenção para equilibrar o modelo?

FMcN: O modelo que acabei de delinear baseia-se no princípio de que suas seis formas de reabilitação e reintegração são interdependentes. Se eu sugerir que devemos fazer mais em uma ou duas áreas e isso levar à negligência de três ou quatro outras, isso criará um desequilíbrio. Portanto, não quero escolher entre elas, exceto para corrigir o equilíbrio. E meu argumento seria que grande parte de nossa energia e trabalho científico nos últimos 50 anos, especialmente em relação a “o que funciona”, concentrou-se principalmente no domínio pessoal. Ou seja, analisamos o que precisa mudar dentro dos indivíduos que cometem delitos, a fim de ajudá-los a desenvolver as capacidades, habilidades e motivação para viver melhor e evitar novos delitos. Coloquei tudo isso no domínio pessoal, que é apenas uma das seis áreas.  

Esse tipo de reabilitação pessoal continua sendo extremamente importante, e eu não gostaria de despriorizá-lo nem de desencorajar os serviços penitenciários a continuar investindo em oportunidades de desenvolvimento pessoal. No entanto, as outras cinco áreas precisam de pelo menos a mesma atenção e acho que, em muitos sistemas, elas foram negligenciadas por um bom tempo, em parte porque não estão totalmente sob o controle dos serviços penitenciários.   Mas precisamos considerar a reabilitação como uma estrutura completa.

Idealmente, cada jurisdição deveria estar em condições de autoavaliar sua abordagem de reabilitação e reintegração em todos os seis domínios e desenvolver sua própria tabela de pontuação, identificando seus pontos fortes e as áreas em que há trabalho a ser feito.

 

Para isso, tenho o prazer de informar que, com meus colegas das Universidades de Oslo e Leiden, consegui recentemente um Advanced Grant do Conselho Europeu de Pesquisa para um projeto chamado ‘Rehabilitation and Reintegration in Europe‘ (RaRiE). Uma das vertentes desse projeto de cinco anos é dedicada a examinar e comparar a abordagem em três países envolvidos – Escócia, Países Baixos e Noruega – em relação às seis formas de reabilitação e reintegração.  

Nosso objetivo é entender o que o ideal de reabilitação significa em cada país, o que eles estão realmente fazendo na prática e como esses esforços estão sendo realizados com as pessoas mais diretamente envolvidas na reabilitação e reintegração. Esperamos extrair as melhores práticas dos três países e propor uma abordagem mais coerente e abrangente para a reabilitação.  

Também queremos desenvolver um conjunto de métricas que qualquer serviço e sistema possa usar para autoavaliar seus esforços de reabilitação. Esperamos que essa ferramenta permita que os formuladores de políticas examinem criticamente como os recursos são alocados atualmente e onde esses recursos podem ser redirecionados para produzir uma abordagem mais equilibrada e abrangente.  

Estamos entusiasmados para interagir com países e serviços que queiram se conectar conosco e aprender com o que estamos fazendo, e até mesmo considerar a possibilidade de replicar aspectos da nossa metodologia em seus próprios contextos. Esperamos que, mesmo com o avanço do projeto, possamos influenciar e melhorar os sistemas e as práticas por meio do que aprendermos.  

Fergus McNeill

Professor de Criminologia e Serviço Social, Universidade de Glasgow, Reino Unido

Fergus McNeill é professor de Criminologia e Serviço Social na Universidade de Glasgow, onde atua no Centro Escocês de Pesquisa em Crime e Justiça e coordena a disciplina de Criminologia. Antes de ingressar na academia, em 1998, trabalhou por dez anos em reabilitação residencial para dependentes químicos e como assistente social na justiça criminal. Sua pesquisa explora as instituições, culturas e práticas relacionadas à punição, reabilitação e suas alternativas. Amplamente publicado e reconhecido internacionalmente, seu trabalho examina de forma crítica como os sistemas de justiça criminal respondem à criminalidade e como essas respostas podem ser transformadas.

Publicidade

Curtir / Compatilhar

Alterar idioma

Explore mais

Cursos online: Corrections Learning Academy

Comunidade profissional: Corrections Direct

Recursos: Crime Solutions

Recursos Crime Reduction Toolkit

More stories
O papel da infraestrutura no sistema penitenciário catalão