Serviços penitenciários suecos: desafios crescentes em uma era de mudança

Entrevista

Martin Holmgren

Diretor-Geral, Serviço Penitenciário Sueco

“Nossa visão é que passar um tempo no sistema penitenciário trará mudanças, não simplesmente fornecerá uma custódia segura. Queremos incentivar os apenados a viver uma vida melhor após cumprirem sua sentença”. Nesta entrevista, falamos sobre ressocialização de infratores no Serviço Penitenciário Sueco. O Diretor-geral Holmgren lidera o órgão há dois anos e compartilha os desafios e oportunidades diante da superlotação das prisões, da digitalização e da pandemia. Ele destaca especialmente a importância da formação e desenvolvimento dos agentes penitenciários e a abordagem prática da organização sobre o tema. 

Como o Sistema Penitenciário Sueco apoia os infratores na direção de uma reintegração bem-sucedida?

MH: Nosso objetivo é executar um serviço de execução de penas (privativas e não-privativas de liberdade) humano e eficaz com um forte foco na ressocialização.

Para isso, investigamos os riscos, necessidades e responsabilidade de cada indivíduo e fazemos um plano abrangente para o tempo de cumprimento da sentença.

Temos usado o modelo RNR (Risco-Necessidade-Responsividade) em todo o Serviço Penitenciário desde 2013.
Baseamos todo o nosso sistema de investigações e intervenções neste modelo, tanto no sistema prisional quanto no de penas e medidas comunitárias.

Temos usado o modelo RNR (Risco-Necessidade-Responsividade) em todo o Serviço Penitenciário desde 2013. Baseamos todo o nosso sistema de investigações e intervenções neste modelo, tanto no sistema prisional quanto no de penas e medidas comunitárias.

O departamento de pesquisa e avaliação do nosso Serviço, que atua com supervisão externa, analisou a implementação desse modelo e constatou que ele proporcionou níveis aceitáveis de previsão e efeito de tratamento.

As diferentes ferramentas e intervenções que utilizamos estão sujeitas a avaliação contínua, assim como o sistema como um todo.

Uma vez que os presos podem ser liberados em liberdade condicional após dois terços da pena de prisão, atividades de reintegração social e monitoramento na sociedade também estão incluídos no plano.

Os beneficiários do nosso serviço de reintegração social são orientados e apoiados para minimizar os riscos de reincidência. Oferecemos programas de tratamento baseados em evidências, e também educação, formação profissional e outras atividades estruturadas.

Um ambiente seguro para funcionários e detentos também é crucial; a mudança só pode acontecer quando todos se sentem seguros. Nosso objetivo geral é reduzir a reincidência e trazer contribuições significativas para uma sociedade mais protegida e segura.

A prisão preventiva de Kronoberg em Estocolmo é a maior do gênero da Suécia, com uma capacidade para 321 detentos.

 JT: O sistema prisional sueco tem uma das melhores proporções de presos por funcionário da unidade prisional na UE (0,9), em comparação com a média europeia (1,7). Fonte: SPACE I, 2020 

O que pode nos dizer sobre o perfil dos agentes penitenciários e oficiais de liberdade condicional? E, qual a importância que a administração atribui à formação e desenvolvimento das equipes?

MH: Temos uma alta proporção de funcionários-detentos em comparação com muitos outros países. Também temos relativamente poucos incidentes de segurança e uma taxa de reincidência de cerca de 30% dentro de três anos após a liberação. Um serviço bem equipado e boas relações entre funcionários e detentos são uma parte importante disso.

Do nosso ponto de vista, um dos fatores mais importantes para um serviço penitenciário de sucesso é ter funcionários bem formados, com boas atitudes e um sólido compromisso com seu trabalho.

Priorizamos muito o recrutamento, formação e retenção dos agentes penitenciários. O Serviço Penitenciário está crescendo rapidamente, precisamos recrutar muitos novos colaboradores nos anos que virão e garantir um ambiente de trabalho seguro. Isso é desafiador devido à concorrência acirrada no mercado de trabalho sueco.

Estamos trabalhando com campanhas de recrutamento, incluindo um ônibus especial que viaja pelo país com uma exposição sobre os cenários prisional e de liberdade condicional. Essa iniciativa é uma boa maneira de encontrar potenciais funcionários e iniciar uma conversa.

Para se tornar um agente penitenciário, você precisa ter passado no ensino médio. Como oficial de condicional, você precisa de um diploma universitário. 

Para ser membro da equipe do Serviço Prisional Sueco, você precisa acreditar na capacidade de cada indivíduo de fazer mudanças positivas em suas vidas. E precisa desfrutar de trabalhar com pessoas em um ambiente estruturado e baseado em segurança. 

Oferecemos aos funcionários formação interna extensiva, focada em habilidades práticas e fatores de segurança e compreensão por trás do comportamento criminoso.  

Para profissionais que já fazem parte do Serviço Penitenciário, oferecemos formações presenciais e online para todos os aspectos práticos do trabalho. Também executamos um currículo de formação online para manter os níveis de competência da equipe, e fornecemos mais capacitação para a implementação de novas ferramentas e métodos.

Os funcionários que trabalham diretamente com detentos em cargos não gerenciais podem fazê-lo em diferentes funções, criando oportunidades de mobilidade vertical e horizontal. A mudança de função normalmente requer mais formação.      

Nos últimos anos, a população carcerária na Suécia tem aumentado. Nos últimos 4-5 anos, o aumento foi de mais de 1000 indivíduos. Fonte: SPACE I, Relatórios 2015-2020

Como o Serviço Penitenciário Sueco lidou com essa evolução, e que desafios isso implica? 

MH: O aumento da população carcerária coincidiu com tendências políticas que caminham para o aumento geral dos níveis de encarceramento.

Esses fatores associados criaram desafios consideráveis para o nosso Serviço. Tentamos manter o nível de qualidade em nosso trabalho sob uma pressão crescente.

O número de presos começou a aumentar no final de 2016 e, desde então, aumentou acentuadamente. No momento, sofremos com a superlotação nos centros de detenção e nas prisões.

No que diz respeito ao futuro, nossas previsões estatísticas e avaliação geral indicam que essa situação continuará por vários anos. 

Por isso, estamos expandindo nossas instalações prisionais atuais, em todo o país, e planejamos construir várias novas prisões em breve.  

A superlotação nos levou a colocar dois presos em celas de uma pessoa só. Uma taxa de ocupação que excede 100% coloca muita pressão sobre nossos funcionários e detentos. Hoje, as situações operacionais e de segurança permanecem estáveis, mas desafiadoras.

Aprendemos muito durante a pandemia. Encontramos novas maneiras de fazer as coisas quando nos vimos obrigados a ir para o digital.

Quais foram os principais desafios e oportunidades que a crise pandêmica colocou para sua organização? E até que ponto as mudanças implementadas permanecerão no futuro? 

MH: A pandemia da COVID-19 tem sido um grande desafio para os sistemas prisionais em todo o mundo. Um vírus que se espalha dentro das prisões, especialmente em uma situação de superlotação, é alarmante.

Nossa estratégia inicial foi formar uma equipe de gestão de crises, composta por especialistas de vários departamentos do Serviço Penitenciário: segurança, RH, logística, jurídico, também da área de alocação de presos e das comunicações. O objetivo era liderar e coordenar medidas e facilitar a rápida tomada de decisões. 

O cancelamento temporário de visitas e licenças e a mudança para reuniões virtuais, no âmbito da reintegração social/liberdade condicional, foram algumas das medidas adotadas.  

Aprendemos muito durante a pandemia. Encontramos novas maneiras de fazer as coisas quando nos vimos obrigados a ir para o digital. Um exemplo é que fornecemos tablets para chamadas de vídeo entre os detentos e seus filhos.

Oferecemos acesso a tablets a todos os presos com crianças menores, desde que passassem por uma aprovação de segurança. A equipe supervisiona todas as chamadas. Os detentos agradeceram muito por essa medida e ela permanecerá no futuro. A prevalência de reuniões digitais tem aumentado significativamente dentro do sistema penitenciário, o que tem sido uma mudança bem-vinda. 

Visitas e telefonemas com advogados não foram limitados durante a pandemia; os presos podem entrar em contato com seus advogados a qualquer momento.

Oferecemos a possibilidade de audiências judiciais digitais, onde o preso participa através de vídeo chamada realizada dentro da unidade onde estão detidos preventivamente. Mas audiências digitais eram possíveis antes da pandemia também.

O uso da tecnologia de realidade virtual (RV) no tratamento é um campo novo e promissor. Permite cenários e situações ilimitados para fins de treinamento. Neste momento, estamos testando técnicas RV para programas de tratamento.

Interior de uma cela prisional na Suécia

Qual é a situação em relação ao uso de tecnologias em seu serviço (tanto do ponto de vista operacional, quanto possivelmente no contexto de monitoramento de infratores e apoio ao seu processo de ressocialização)?

MH: Medidas e requisitos de segurança podem ser um obstáculo para a digitalização dentro dos ambientes prisionais e de liberdade condicional, o que é um desafio.

O Serviço Penitenciário Sueco possui um sistema integrado de administração de informações sobre o apenado (sistema de gerenciamento de infratores). 

Esse sistema permite o planejamento coeso e a execução de planos de tratamento individual em todas as etapas de contato com o sistema, em centros de detenção, prisões e no serviço de reintegração social/liberdade condicional. Essa plataforma de gestão também integra o monitoramento eletrônico dos detentos. 

O uso da tecnologia de realidade virtual (RV) no tratamento é um campo novo e promissor. Permite cenários e situações ilimitados para fins de treinamento. Neste momento, estamos testando técnicas RV para programas de tratamento.  

Estamos executando dois estudos com foco em RV no tratamento de infratores violentos, em parte em colaboração com a Clínica Växsjö para Medicina Forense. Também realizaremos um estudo sobre o uso de RV na formação de pessoal.

As soluções técnicas e digitais definitivamente desempenharão um papel cada vez mais importante no futuro do Serviço Penitenciário Sueco. Essa é uma área com espaço para melhorias, pois precisamos acompanhar a digitalização na sociedade. 

Martin Holmgren

Diretor-Geral, Serviço Penitenciário Sueco

Martin Holmgren é diretor-geral do Serviço Penitenciário Sueco desde março de 2020. Liderou a Administração Nacional de Tribunais suecos entre 2014 e 2020. Antes foi diretor-geral para assuntos administrativos e jurídicos do Ministério dos Assuntos Internos da Suécia. Além disso, já havia servido como Juiz e Juiz Presidente nos tribunais distritais de Estocolmo e Nacka.  

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