Entrevista
Ángela María Buitrago
Ministra da Justiça e do Direito, Colômbia
Desde que assumiu o cargo em julho de 2024, a Ministra Ángela María Buitrago está no comando do sistema de justiça da Colômbia. Com uma abordagem abrangente que equilibra coordenação institucional, direitos humanos e modernização, ela está liderando esforços para melhorar a acessibilidade legal, repensar o encarceramento e expandir iniciativas de justiça restaurativa. Nesta conversa, ela compartilha sua perspetiva, as prioridades do Ministério e a transformação contínua do cenário de justiça da Colômbia.
Quais considera serem os pilares fundamentais da sua administração?
AMB: O Ministério da Justiça da Colômbia tem várias responsabilidades, abrangendo diversas áreas importantes. Nosso trabalho gira em torno de quatro pilares principais.
A primeira é a questão do acesso à justiça, a coordenação com todas as instituições de justiça, a articulação e a determinação de políticas públicas para propostas legislativas.
O Ministério também precisa gerenciar um segundo aspecto que é muito importante, que é a política de drogas. Nesse contexto, também precisamos gerar políticas públicas e, desse ponto de vista, determinar os projetos e programas a serem executados.
Por outro lado, temos um papel contínuo na Justiça Transicional¹. Neste contexto, estamos trabalhando dentro da Jurisdição Especial para a Paz, onde o Ministério tem obrigações específicas sob a estrutura legal que governa este processo.
Além disso, o Ministério supervisiona o sistema prisional e penitenciário. O desafio que assumi como Ministra é garantir que nenhuma dessas áreas é negligenciada.
Você poderia compartilhar como está estabelecendo novos padrões para humanizar e modernizar a infraestrutura do sistema penitenciário da Colômbia?
AMB: Temos 127 centros penitenciários em todo o país, aos quais comumente nos referimos como “ERON” (Establecimientos de Reclusión de Orden Nacional).
Quando olhamos para a estrutura das instalações de detenção, sejam ERONs ou prisões, essas instalações são, em muitas partes, muito antigas e, portanto, não têm as condições adequadas para uma abordagem restaurativa, baseada na proteção e na dignidade. Isso significa que, quando muitos desses centros foram construídos, a abordagem era eminentemente punitivista; La Modelo foi construída há mais de 100 anos.
Hoje, nossa abordagem exige que adaptemos os espaços, redefinamos as prioridades e desenvolvamos novas construções, sempre garantindo que a dignidade humana esteja no centro desses esforços. Essa mudança é vista em La Picota, uma unidade penitenciária mais recente e construída como uma instalação de alta segurança.
Em La Picota, que inclui seções de alta e média segurança, estamos nos concentrando na adaptação das estruturas para atender às necessidades específicas do sistema prisional. Essas necessidades se concentram na reabilitação, na preparação para a libertação e no desenvolvimento de habilidades e competências individuais para que, ao término do cumprimento da pena, possam se reintegrar à sociedade de forma digna e sustentável.
Isso deu origem ao que chamamos de processos “Zasca” ou “Renacer”, que buscam ensinar a muitas das pessoas condenadas uma arte, profissão ou ofício enquanto estão em privação de liberdade. Estamos trabalhando para expandir essas iniciativas para todas as penitenciárias, especialmente na área de produção de vestuário.
Por exemplo, pessoas condenadas agora produzem uniformes dentro de centros penitenciários. Aqueles que participam não só recebem reduções de pena — com cada três dias de trabalho contabilizando um dia de remição da pena — mas também podem aprender um ofício e receber compensação financeira de indústrias que empregam essa força de trabalho.
Também estamos desenvolvendo projetos de produção agrícola. Calarcá é um excelente exemplo disso, em colaboração com a Confederação do Café da região do Quindío. Aqui, as pessoas privadas de liberdade aprendem todo o processo de produção do café — desde o plantio, a colheita e a torrefação até a preparação e venda do café em estabelecimentos públicos. Os lucros gerados vão para os próprios trabalhadores e, em parte, para as necessidades operacionais da unidade penitenciária.
Outra iniciativa importante é o modelo “Colônia Agrícola”. Essas unidades de baixa segurança ensinam agricultura, administração de gado e habilidades de autossuficiência, com o objetivo de tornar as unidades penitenciárias autossustentáveis ao longo do tempo.
Este tipo de treinamento tem um impacto profundo. Temos histórias de sucesso muito boas de pessoas que nunca trabalharam na agricultura ou na pecuária antes, mas aprenderam esses ofícios enquanto estavam em privação de liberdade. Muitos agora são gratos, pois veem na agricultura uma nova chance de recomeço após a liberdade.
Nessas colônias agrícolas, aqueles sob custódia desfrutam de maiores liberdades em comparação às instituições de segurança máxima. No entanto, nossa visão é que todas as unidades penitenciárias devem eventualmente fornecer oportunidades de reabilitação como essas.
Claro, este ainda não é um sistema ideal. A superlotação continua sendo um problema significativo, mas fizemos progressos notáveis.
As taxas de superlotação caíram drasticamente — de 300% ou 400% em algumas unidades para uma média nacional entre 26% e 31%.
AMB: Agora temos a vantagem de ter alas onde não há superlotação. Na unidade penitenciária de El Pedregal, hoje não há superlotação de mulheres, estamos em uma faixa geral de superlotação entre 26% e 31%, comparando a períodos em que alcançávamos 300% ou 400%. Estamos trabalhando para manter esse índice dentro dessa faixa e reduzi-lo ainda mais por meio de três projetos que estamos implementando. Pretendemos entregar pelo menos dois deles este ano, e outro que nos daria mais ou menos entre 1.700 e 1.800 leitos a mais para essas unidades penitenciárias.
Considerando os problemas de superlotação na Colômbia, as medidas não privativas de liberdade e a justiça restaurativa estão sendo destacadas como soluções alternativas. O que pode nos dizer sobre o progresso e os planos nessa área?
AMB: Como parte da transição para uma abordagem mais restaurativa, foi criada a Lei de Utilidade Pública, voltada para mães chefes de família que se encontram em situação de vulnerabilidade ou em condições específicas. O objetivo dessa lei é permitir que essas mulheres cumpram a pena fora do sistema prisional, desempenhando funções em serviços sociais ou em empresas parceiras. Dessa forma, elas ganham oportunidades valiosas para demonstrar sua capacidade de seguir no caminho da legalidade.
Essa medida leva em conta como essas mulheres acabam no sistema prisional. Elas são frequentemente usadas por grupos de tráfico de drogas, que exploram sua vulnerabilidade e as envolvem em delitos relacionados a drogas ou outros crimes relacionados. Muitas dessas mulheres acabam percebendo que têm outras opções.
Essa questão é particularmente importante porque também observamos uma mudança no papel das mulheres na sociedade. Hoje, as mulheres geralmente são as principais provedoras de seus lares. Sob essa perspectiva, também reconhecemos a importância da justiça restaurativa, especialmente quando se trata de crianças e adolescentes no sistema judiciário.
Isso nos leva ao SREPA (Sistema de Responsabilidade Penal para Adolescentes), que adota uma abordagem fundamentalmente diferente em relação ao crime e à punição. Ele reconhece que os jovens precisam de uma perspectiva restaurativa, em vez de uma abordagem estritamente punitiva.
Nesse contexto, há vários mecanismos em vigor. Além da Lei de Utilidade Pública, há outras disposições legais que não se concentram apenas em alternativas à prisão, mas também abordam casos em que os indivíduos já cumpriram uma parte significativa de sua sentença e podem se qualificar para a liberdade condicional.
Em última análise, estamos trabalhando para neutralizar os efeitos negativos do punitivismo excessivo. O direito penal não deve ser a principal ferramenta de controle social, mas sim o último recurso.
A digitalização tem sido uma das principais vertentes da modernização do sistema judicial colombiano, com medidas como o gerenciamento eletrônico de casos e audiências virtuais ganhando terreno. Como esses avanços tecnológicos, entre outros, melhoraram a eficiência judicial e o acesso à justiça?
AMB: A digitalização está se consolidando no setor de justiça como uma tendência global, o que significa não apenas reconhecer as vantagens da tecnologia e da inteligência artificial, mas também desenvolver mecanismos que nos permitam melhorar os procedimentos judiciais, o acesso à justiça e a resolução de casos de forma mais eficaz.
Essa é uma transformação ampla e de longo alcance. Atualmente, o Ministério da Justiça está trabalhando em um grande projeto em colaboração com o Conselho Superior da Magistratura para implementar o sistema de arquivamento digital de processos. Essa iniciativa se concentra na interoperabilidade entre as instituições governamentais, garantindo que os indivíduos tenham acesso simples, fácil e conveniente a uma única plataforma onde possam visualizar seus arquivos de processos e acompanhar os procedimentos legais em tempo real.
Como parte dessa transformação digital, não estamos apenas aprimorando a experiência do usuário, tornando-a mais personalizada e prática, mas também expandindo as maneiras pelas quais a justiça se torna acessível ao público.
Para isso, temos uma série de aplicativos de software e ferramentas digitais projetadas para usuários em geral. Um dos principais aplicativos permite a fácil denúncia online, possibilitando que as pessoas apresentem queixas – por exemplo, em casos de violência doméstica – e recebam assistência imediata.
Dada a rápida evolução das leis e regulamentações, é essencial fornecer uma maneira clara e acessível para que os profissionais determinem quais leis estão em vigor e quais não estão.
Além de criar recursos digitais para treinamento profissional, um componente fundamental dessa estratégia é o SUIN-Juriscol, uma plataforma dedicada à publicação, atualização e esclarecimento de normas jurídicas. A SUIN-Juriscol funciona como uma ferramenta de política pública que garante a transformação digital do conhecimento jurídico em todo o país. A plataforma tem sido amplamente utilizada, com 12.000 a 14.000 pessoas acessando-a nos horários de pico para consultar informações jurídicas.
Temos acordos com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) para garantir o financiamento de projetos de transformação digital no setor judiciário da Colômbia. Olhando para o futuro, o projeto JustiFácil visa modernizar o sistema de serviços judiciais, garantindo que o acesso à justiça seja mais simples, mais rápido e mais fácil de usar para todos os cidadãos. Continuamos comprometidos com essa transformação digital, trabalhando diariamente para expandir seu alcance e impacto.
¹ Justiça Transicional se refere aos mecanismos legais e institucionais usados para tratar de violações de direitos humanos cometidas durante períodos de conflito ou repressão. Na Colômbia, esse processo tem sido fundamental para a implementação do Acordo de Paz de 2016, principalmente por meio da Jurisdição Especial para a Paz (JEP), que busca investigar e processar crimes do conflito armado e, ao mesmo tempo, garantir os direitos das vítimas à verdade, à justiça e à reparação.
Ángela María Buitrago
Ministra da Justiça e do Direito, Colômbia
Ángela María Buitrago é Ministra da Justiça e do Direito desde julho de 2024. Advogada e doutora em Direito e Sociologia do Direito, ela tem especialização em Direito Penal, Política e Criminologia. Com mais de 30 anos como professora na Universidad Externado de Colombia, ela também foi vice-procuradora perante a Suprema Corte, liderando a implementação do sistema acusatório e casos de corrupção e parapolítica. Trabalhou com a CIDH e a ONU em investigações de violações de direitos humanos no México e na Nicarágua. É instrutora de funcionários judiciais na América Latina e membro honorário de institutos de direito processual na Colômbia e na Ibero-América.
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