Entrevista
Ananda Chalegre
Diretora-geral da Polícia Penal do Paraná, Brasil
Em 2021, o Governo do Paraná transformou o Departamento Penitenciário Estadual em Departamento da Polícia Penal, ampliando os poderes operacionais da Polícia Penal, que passou a ser formalmente responsável pela gestão da população prisional – uma função que anteriormente envolvia outras forças de segurança pública, incluindo as polícias militar e civil. Essa reforma reflete uma mudança mais ampla em todo o Brasil, reconhecendo a Polícia Penal como um ramo oficial do sistema de segurança pública do país, conforme a emenda constitucional federal de 2019.
Ananda Chalegre, que lidera o Departamento da Polícia Penal do Paraná, explica como a instituição vem atuando para modernizar a gestão penitenciária, fortalecer a reintegração social por meio do trabalho e da educação, ampliar o uso de penas alternativas e incorporar pesquisa e tecnologia na prática cotidiana.
JT: Nos últimos anos, o sistema penitenciário do Paraná passou por uma série de mudanças estruturais e administrativas com a criação do Departamento de Polícia Penal do Estado de Paraná (PPPR).
Quais são, atualmente, as principais responsabilidades e prioridades da PPPR?
AC: Atualmente, as principais responsabilidades da Polícia Penal do Paraná envolvem a guarda, custódia, vigilância, escolta e tratamento penal de pessoas privadas de liberdade no sistema penitenciário estadual. Com a criação da Polícia Penal, essas atribuições passaram a ser exercidas com autonomia institucional, o que nos permite ampliar nossa capacidade de gestão e modernização.
As prioridades da PPPR estão centradas na valorização dos servidores, na melhoria das estruturas físicas das unidades, na ampliação de vagas, no fortalecimento da inteligência penitenciária, na qualificação dos processos de segurança e, sobretudo, na promoção de políticas efetivas de reintegração social dos apenados através do trabalho e educação.
JT: A criação da Polícia Penal foi uma mudança marcante no modelo de gestão penitenciária.
De que forma essa nova estrutura permitiu avanços concretos na abordagem da reintegração social das pessoas privadas de liberdade?
AC: A institucionalização da Polícia Penal como força de segurança trouxe um novo olhar para dentro do sistema penitenciário. Deixamos de ser apenas um setor operacional para nos tornarmos protagonistas da gestão prisional.
Esse avanço permitiu uma atuação mais integrada entre segurança e tratamento penal, com ações estruturadas voltadas à capacitação profissional, acesso à educação formal, à saúde e ao trabalho. A reintegração social deixou de ser apenas um objetivo previsto em lei para se tornar uma diretriz prática em nossas unidades, com ações coordenadas, unidades especializadas e programas contínuos.
Em todo o Paraná, 9.556 pessoas privadas de liberdade estudam – entre ensino fundamental, médio e superior. Os números vêm crescendo também em relação ao trabalho, hoje temos cerca de 14.000 pessoas privadas de liberdade inseridas em canteiros de trabalho dentro e fora das unidades penais.
JT: O modelo de Tratamento Penal do Paraná, com sistemas de classificação e as Unidades de Progressão, tem sido apontado como referência nacional.
Que avanços estes sistemas e estruturas trouxeram para a individualização do cumprimento de pena e a reinserção social?
AC: O modelo de Tratamento Penal adotado no Paraná, baseado em critérios técnicos e individualizados, nos permitiu organizar o sistema de forma mais racional e eficiente. A classificação prisional nos ajuda a compreender o perfil e as necessidades de cada custodiado, o que é essencial para a aplicação de políticas adequadas.
As Unidades de Progressão são um exemplo concreto dessa estratégia: nelas, o apenado assume maiores responsabilidades em troca de acesso a direitos como trabalho, estudo e convívio social regrado. Isso cria um ciclo positivo de corresponsabilidade e prepara efetivamente essas pessoas para o retorno à vida em sociedade. Para se ter uma ideia, a taxa de reincidência criminal em unidades de progressão tem uma média de 4%, em unidades de progressão feminina esse número cai para menos de 2%.
Outro ponto relevante acerca dessa classificação e tratamento da pena, é que essas unidades não aceitam custodiados vinculados a facções criminosas, o que acaba desestimulando a adesão ao crime organizado. Como esse perfil de apenado não tem acesso aos benefícios do tratamento penal progressivo, o envolvimento com facções deixa de ser vantajoso, contribuindo para o enfraquecimento dessa influência nociva e promovendo uma cultura institucional baseada na disciplina, no mérito e na reintegração social.
A taxa de reincidência criminal em unidades de progressão tem uma média de 4%, em unidades de progressão feminina esse número cai para menos de 2%.
JT: A participação laboral continua a ser uma das ferramentas de reintegração mais usadas no Paraná, com várias iniciativas abrangendo locais, públicos, e qualificações profissionais diferentes.
Que exemplos destacaria entre essas frentes laborais, e como elas se articulam entre si para alcançar os objetivos do Estado na qualificação profissional e reintegração no mercado de trabalho?
AC: Temos parcerias consolidadas com diversas prefeituras, órgãos públicos e empresas privadas, que viabilizam a ocupação produtiva de cerca de 14.000 pessoas privadas de liberdade. Destaco, por exemplo, o convênio com o Instituto Paranaense de Desenvolvimento Educacional – FUNDEPAR, através do Programa Mãos Amigas, que hoje atua com mais de 120 pessoas privadas de liberdade trabalhando em restauração e conservação de escolas públicas. Temos parceria com o Ceasa, onde pessoas em monitoração eletrônica trabalham na separação dos alimentos que seriam descartados e que, a partir disso, ganham outra destinação, como o encaminhamento às famílias em vulnerabilidade.
Outro Projeto interessante é o Amigos da Cidade, onde mais de 750 custodiados trabalham nas prefeituras executando diversas atividades de conservação.
Além das parcerias com órgãos públicos, temos as ações com empresas privadas, com trabalhos em canteiros dentro das unidades na fabricação de móveis, costura, artefatos de concreto, produção de telas para alambrados, entre outros.
Essas frentes laborais não apenas reduzem a ociosidade, mas também geram renda e desenvolvem habilidades técnicas, alinhando o tempo de pena com o preparo real para a reinserção no mercado de trabalho.
Que outros programas ou iniciativas a PPPR tem implementado com foco na reabilitação social das pessoas em medidas alternativas à privação de liberdade?
AC: O tratamento para essas pessoas que não estão em unidades físicas da PPPR, está a cargo dos Complexos Sociais, estruturas especializadas da PPPR que abrigam tanto as Centrais Integradas de Alternativas Penais (CIAPs), quanto o Núcleo de Apoio aos Monitorados (NUPEM). Esses equipamentos são responsáveis pelo acompanhamento dessas pessoas, oferecendo atendimento psicossocial, orientações jurídicas e encaminhamentos para ações de capacitação profissional, educacional e serviços comunitários, além de monitoramento e acompanhamento individualizado.
Essa estrutura garante que a pena seja cumprida com seriedade, ao mesmo tempo em que contribui para reduzir a reincidência e promover a responsabilização consciente. A política de alternativas penais no Paraná contempla uma série de ações voltadas à reabilitação e à cidadania, como por exemplo, a aplicação da Justiça Restaurativa, os círculos reflexivos para promoção da responsabilização e mudança de comportamento, atividades educativas diversas, e projetos inovadores, como o de leitura como forma de prestação de serviço comunitário para pessoas que não têm condições de realizar o serviço em campo.
Além disso, há encaminhamentos regulares para acesso a direitos e serviços essenciais nas áreas da saúde, educação, segurança e assistência jurídica. Com esse conjunto articulado de medidas, a PPPR amplia a efetividade da execução penal em meio aberto, promovendo responsabilização social com dignidade, acompanhamento qualificado e foco na reinserção.
JT:A pesquisa científica tem vindo a ganhar relevância na Polícia Penal do Paraná, com profissionais a participar ativamente na avaliação de estudos e na construção de critérios técnicos. A integração em revistas especializadas, como a RBEP, reforça esta ligação entre conhecimento académico e prática institucional.
De que forma esta aproximação tem contribuído para consolidar uma gestão penitenciária orientada por evidências, tanto na formulação de políticas públicas como na aplicação quotidiana de práticas de reabilitação?
AC: Essa aproximação entre a prática institucional e a pesquisa acadêmica tem sido fundamental. Profissionais dentro e fora da PPPR têm atuado na produção de conhecimento, na publicação de artigos e na formulação de diretrizes técnicas baseadas em evidências, como no caso dos protocolos de atendimento nas Unidades de Progressão.
Isso fortalece uma cultura de gestão qualificada, orientada por dados e por uma análise contínua dos resultados. A construção de políticas públicas se torna mais precisa e o impacto das ações de reabilitação pode ser medido com maior rigor, ampliando a eficácia do sistema como um todo.
Profissionais da PPPR têm atuado na produção de conhecimento, na publicação de artigos e na formulação de diretrizes técnicas baseadas em evidências, como no caso dos protocolos de atendimento nas Unidades de Progressão.
Que papel tem tido a digitalização e a implementação de ferramentas tecnológicas na estratégia da Polícia Penal?
AC: A transformação digital é um pilar estratégico da gestão penitenciária no Paraná, contribuindo para tornar os processos mais eficientes, seguros e transparentes. Ferramentas tecnológicas como os sistemas de informação penitenciária permitem um melhor controle e gestão da população carcerária, além de apoiar a tomada de decisões baseada em dados.
A monitoração eletrônica é um exemplo de modernização, ela tem ampliado as possibilidades de cumprimento de penas e medidas alternativas, com segurança, rastreabilidade e eficiência. Também investimos no ensino à distância como forma de ampliar o acesso à educação para custodiados em todas as regiões do Estado, a exemplo disso, temos o Projeto Siris, uma iniciativa que visa oferecer educação básica e profissional aos internos, especialmente no ensino fundamental e médio, por meio de aulas transmitidas ao vivo para as celas.
Em relação aos próximos passos, há um compromisso contínuo com a ampliação da digitalização, com planos que incluem a integração de sistemas, uso de inteligência artificial para análise de dados, expansão do ensino digital, implementação de tecnologias de segurança avançadas e automação de processos administrativos. O objetivo é fortalecer a atuação da Polícia Penal e tornar o sistema penitenciário cada vez mais eficiente, humanizado e alinhado às melhores práticas tecnológicas.
Ananda Chalegre
Diretora-geral da Polícia Penal do Paraná, Brasil
Ananda Chalegre é a atual Diretora-geral da Polícia Penal do Paraná, no Brasil. Pós-graduada em Inteligência e Segurança Pública, Chalegre é policial penal há 18 anos. Ela já atuou como diretora de diferentes unidades, como a Penitenciária Central do Estado – Unidade de Progressão, Casa de Custódia de Curitiba, Patronato e Escritório Social.
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