A Polícia Penal como pilar da estratégia prisional do Rio de Janeiro

Entrevista

Maria Rosa Nebel

Secretária de Administração Penitenciária, Rio de de Janeiro, Brasil

Nesta entrevista, temos o privilégio de conversar com Maria Rosa Nebel, a primeira mulher a comandar a Secretaria de Administração Penitenciária do Rio de Janeiro. Policial Penal com 29 anos de carreira, a Secretária nos conta por que acredita que essa categoria profissional deve assumir um papel de liderança na administração penitenciária.
 
Em nossa conversa, também discutimos os desafios e avanços do sistema penitenciário do Rio de Janeiro sob sua administração, destacando as políticas prioritárias para melhorar o sistema, valorizar os servidores públicos e garantir a reintegração social das pessoas privadas de liberdade.

Qual é a sua análise sobre o estado atual do sistema penitenciário no estado do Rio de Janeiro e que políticas e estratégias considera prioritárias para o melhorar?

MRN: A Secretaria de Administração Penitenciária do Rio de Janeiro (SEAP-RJ) é uma das mais antigas secretarias dedicadas aos assuntos prisionais do Brasil, estando prestes a completar 21 anos. A SEAP-RJ foi pioneira em várias iniciativas, como o fato de ter sido a primeira secretaria a estabelecer um sistema de inteligência, que evoluiu ao longo dos anos, culminando na criação de uma subsecretaria de inteligência. Além disso, introduziu a primeira ouvidoria prisional, o primeiro Grupo de Intervenção Tática (GIT) e a primeira Corregedoria do Sistema Prisional do Brasil, que também se tornou uma subsecretaria.  

Então, nós temos uma história e estrutura organizacional rica. Esse arcabouço regimental consolidado torna o Rio de Janeiro um exemplo a ser seguido, com vários outros Estados buscando aprender com sua experiência. 

Em termos de desafios, o nosso panorama não difere dos demais estados. Atualmente, contamos com um efetivo de 42.000 indivíduos privados de liberdade, distribuídos por 46 unidades prisionais e quatro hospitais. Temos de gerir diversos perfis de pessoas privadas de liberdade, muitos com ligações a diferentes facções de crime organizado. 

Estamos empenhados em tornar o sistema mais humanizado, buscando transformar a vida dos privados de liberdade. Para isso temos uma subsecretaria dedicada à ressocialização através do estudo, trabalho e profissionalização.

Um dos principais desafios é a valorização profissional dos nossos servidores, promovendo um ambiente de trabalho adequado, e fornecendo as ferramentas necessárias para seu trabalho diário.

O trabalho do Policial Penal não é um trabalho fácil, pois que tem de assumir uma vasta gama de funções no processo de reintegração dos indivíduos na sociedade.

Sem prejuízo para as demais forças de segurança, mas depois destas cumprirem o seu papel de investigar, de elucidar o crime, e de levar o condenado até o cárcere, dali em diante, aquele individuo vai ficar uma média de cinco a oito anos preso. Durante esse período, o Policial Penal está responsável pela sua qualificação, saúde e bem-estar.  

É necessário reconhecer a enorme relevância destes profissionais dentro do contexto do Estado, enfatizando a sua importância para a sociedade, os detentos e suas famílias. Além disso, é vital lembrar que os policiais penais, muitos dos quais dedicam anos de serviço em regime de plantão, vivencia ele próprio a rotina prisional durante décadas a fio. 

Temos procurado a valorização dos servidores por meio de qualificações e cursos. Estamos também próximos do lançamento de um novo concurso para refrescar e aumentar o nosso efetivo de policiais penais, uma medida à qual o governo tem demonstrado grande sensibilidade.

A valorização do servidor é parte essencial de um tripé que guia nossas ações, juntamente com a modernização e a transparência.

No aspecto da modernização, estabelecemos parcerias significativas. Desde o início da nossa gestão, há um ano e 11 meses, temos direcionado nossos recursos para trabalhar em conjunto com a Secretaria Nacional de Política Penitenciária (SENAPPEN), e com o apoio do FUNPEN, o Fundo Penitenciário Nacional. Como resultado, realizamos diversas aquisições, como capacetes, viaturas, e 583 novos computadores.  

Estamos discutindo planos para este ano, incluindo a aplicação de cerca de 60 milhões de reais em uma unidade prisional de segurança máxima no Rio de Janeiro. 

Essa colaboração e integração com os órgãos federais são fundamentais para atender às demandas e necessidades do sistema prisional nacional, e tem marcado uma presença sem precedentes de nossa gestão.

Em relação à transparência, referimo-nos a fortalecer nossos sistemas de controle, como a Controladoria Geral do Estado, a ouvidoria e a corregedoria, garantindo que todos os contratos sejam licitados, algo inédito na história da nossa pasta. Isso reflete nosso compromisso com um planejamento rigoroso, a única forma de gerir efetivamente uma pasta desta dimensão. 

Como Policial Penal, qual é a sua perspetiva sobre a importância de incluir os profissionais desta especialidade na gestão da Secretaria Penitenciária?

MRN: Na gestão atual, sob a liderança do governador do Rio de Janeiro, nos foi dada a oportunidade de demonstrar, pela primeira vez, a capacidade dos policiais penais de administrar sua própria secretaria, reconhecendo sua experiência e competências únicas.  

A responsabilidade da Secretaria Penitenciária é imensa, mas ela é significativamente mais desafiadora para aqueles que não estão familiarizados com o sistema prisional.

A gestão atual, composta inteiramente por policiais penais, mostra que, para nós que vivemos e respiramos este ambiente diariamente, enfrentar esses desafios complexos é parte de nossa rotina.

Estou prestes a completar 30 anos de trabalho no sistema prisional do Rio de Janeiro, e posso afirmar que, apesar da complexidade de certos temas dentro deste universo de desafios, não há nenhum aspecto que nos seja desconhecido. Possuímos a habilidade de identificar as raízes dos problemas e, se não eliminá-los completamente, pelo menos minimizar seus impactos negativos.  

Conseguimos abordar cada questão com discernimento, compreensão e, mais importante, com um sentido de pertencimento que nos permite administrar eficazmente a secretaria e seus desafios.
 

Como a Secretaria Penitenciária está abordando a reintegração social, educação e formação profissional dos indivíduos privados de liberdade?

MRN: Acreditamos que o desafio central é considerar o sistema prisional como um todo, sempre visando à reintegração social do privado de liberdade, para que ele possa prover para si e sua família ao retornar à sociedade. Sem essa perspetiva de reforma íntima e educação, a experiência prisional não atinge seu potencial transformador, tanto para o indivíduo quanto para seus familiares. É imprescindível que o Estado forneça condições básicas para essa transformação, oferecendo oportunidades de educação, como o acesso ao ensino fundamental e médio, e de formação.

O público, muitas vezes descontextualizado sobre a realidade prisional, assume que um indivíduo encarcerado por cometer um crime deveria ficar permanentemente excluído da sociedade. É crucial entender que este é um período, e que, sem a devida atenção à reintegração social, a sociedade acaba recebendo de volta indivíduos sem nenhuma melhoria em seu comportamento ou mentalidade.
 
As nossas unidades prisionais dispõem de espaços dedicados à educação, mas é vital ampliar a oferta de cursos técnicos profissionalizantes, como camareiro, garçom, eletricista, marcenaria e computação. A participação nesses programas é opcional, mas para aqueles que optam por se envolver, o Estado deve estar pronto para apoiar quem busca se qualificar e trabalhar durante sua reclusão.

Atualmente, estamos nos focando em criar uma unidade penitenciária que vai englobar tanto a capacitação técnico-profissional quanto a educação básica dos indivíduos privados de liberdade. Esse projeto que está sendo implementado na unidade Esmeraldino Bandeira visa a atrair parcerias do setor empresarial e comercial interessadas em investir na mão de obra prisional.

Estas iniciativas procuram a integração da indústria dentro das próprias unidades prisionais, como vemos no exemplo do Rio Grande do Sul, onde a proximidade com fábricas facilita parcerias empresariais.

De momento, estamos promovendo workshops para empresários, destacando o custo-benefício da utilização da mão de obra prisional para todos os envolvidos: o empresário, o detento e a gestão prisional. Esta cooperação não apenas beneficia economicamente as empresas, mas também promove a autoestima e a reabilitação do detento, destacando a importância da educação, qualificação profissional e trabalho.

 JT: Funcionando em conjunto com o monitoramento eletrônico de agressores, o “botão do pânico” foi implementado para apoiar a proteção das mulheres vítimas de agressão.

Em que consiste essa ferramenta, como ela está sendo utilizada e qual o seu impacto até ao momento? 

MRN: O “botão do pânico” é uma ferramenta implementada para fortalecer a proteção das mulheres vítimas de violência, funcionando em sinergia com o monitoramento eletrônico dos agressores, e proporcionando uma ação rápida e coordenada para a proteção das vítimas. Ao ser acionado pela vítima, que carrega o dispositivo em sua bolsa, um alerta é enviado ao sistema de monitoramento em tempo real. Isso aciona automaticamente a viatura policial mais próxima para atender ao chamado, garantindo uma resposta imediata sem qualquer intercorrência negativa reportada até o momento no Rio de Janeiro.

Esta é uma ferramenta complementar à monitoração eletrônica dos agressores através de tornozeleiras, sob vigilância contínua e a possibilidade de intervenção precoce, antes mesmo do botão ser acionado, caso se identifique uma proximidade perigosa entre agressor e vítima.  

Atualmente, o Rio de Janeiro tem cerca de 134 agressores sendo monitorados por tornozeleiras eletrônicas, em relação aos quais, 75 mulheres escolheram usar o botão do pânico. Tem-se evidenciado um aumento significativo na adesão ao sistema, que passou de pouco mais de 20 usuários no ano passado. 

Como a administração penitenciária está abordando a questão das comunicações ilícitas nas unidades prisionais? E, especificamente, que medidas e/ou tecnologias estão sendo utilizadas para evitar que membros de fações criminosas continuem suas atividades do cárcere?

MRN: A administração penitenciária está enfrentando o desafio das comunicações ilícitas dentro das unidades prisionais de forma muito direta e séria. Desde que assumimos a gestão, um dos principais problemas tem sido a entrada de aparelhos ilícitos, facilitada pela grande quantidade de pessoas que entram nas unidades diariamente, incluindo familiares, prestadores de serviço, profissionais da saúde, educadores e advogados, além dos arremessos de dispositivos para dentro das prisões.

Dentro do nosso sistema, que abrange cerca de 50 unidades prisionais, enfrentamos essa questão intensificando as revistas pelos policiais penais, que são incansáveis em seus esforços, e pelo trabalho de nossos cães farejadores. Somente no ano de 2023, conseguimos apreender 10.000 celulares dentro das unidades prisionais.

Realizamos também operações especiais em conjunto com a SENAPPEN, como a Operação Mute, que ocorre de forma integrada com outros Estados, e também operações estaduais específicas, como a Chamada Encerrada no Estado do Rio. Por exemplo, na última operação que realizamos no início de 2024, conseguimos retirar 99 aparelhos celulares num único dia em todas as unidades prisionais.

Atualmente, estamos em processo de pesquisa para a aquisição de bloqueadores de rede de telefonia celular. Esperamos que nos próximos seis meses possamos iniciar o bloqueio em dez das unidades prisionais mais sensíveis do Rio de Janeiro, marcando um avanço significativo no controle das comunicações ilícitas e na prevenção das atividades criminosas dentro do cárcere. 

Maria Rosa Nebel

Secretária de Administração Penitenciária, Rio de de Janeiro, Brasil

Maria Rosa Lo Duca Nebel é a primeira mulher do Brasil no comando de uma pasta do sistema penitenciário. Inspetora da Polícia Penal, servidora de carreira há 28 anos, é bacharel em Ciências Jurídicas e pós-graduada em Gestão de Projetos. Na sua trajetória, entre outras funções, Maria Rosa foi Diretora do Instituto Penal Cândido Mendes e Diretora de Produção e Comercialização da Fundação Santa Cabrini, organização responsável pela gestão do trabalho prisional do Estado do Rio de Janeiro. Foi na fundação que cimentou a sua visão que privilegia a educação, qualificação e trabalho como caminho para a ressocialização.

 

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