// Entrevista: Gemma Tuccillo
Chefe do Departamento de Justiça Juvenil e Comunitária, Ministério da Justiça, Itália
JT: Em 2015, a Direção Geral de Execução de Sentenças na Comunidade e Liberdade Condicional foi desintegrada do Departamento de Administração Penitenciária para ser acoplada ao Departamento de Justiça Juvenil.
Qual foi a lógica subjacente a esse tipo de organização e quais desafios e oportunidades ela oferece?
GT: De fato, esta recente reforma está alinhada com a nova estratégia política em questões de segurança que –ao contrário da perspectiva anterior, que visava apenas o fortalecimento dos instrumentos de sanção repressiva – está se adaptando às diretrizes elaboradas pelas recomendações do Conselho da Europa sobre sanções e medidas comunitárias. Deste novo ponto de vista, surge uma abordagem diferente e mais complexa para o tratamento de adultos em liberdade condicional. Apesar da peculiaridade do tratamento de menores em liberdade condicional em relação aos adultos, há uma lógica comum que sustenta o mundo juvenil e adulto: a ênfase na ressocialização e na reintegração do infrator na comunidade.
Portanto, os objetivos do Departamento incluem: trabalhar para o aumento das sanções e medidas comunitárias; assegurar que a longa e eficaz experiência do setor juvenil na execução de sanções e medidas comunitárias possa “influenciar” o setor adulto; e adaptar o sistema italiano às diretrizes do Conselho da Europa, em particular à Recomendação CM/Rec (2010)1 do Comitê de Ministros aos Estados-Membros sobre as Regras de Liberdade Condicional do Conselho da Europa.
Houve uma mudança de uma função de subordinação em relação ao setor prisional para um compartilhamento da missão do setor juvenil (...)
Qual é o escopo da atividade do Departamento?
GT: Até o momento, as filiais locais da Direção Geral para a Execução de Sanções e Medidas Comunitárias são: 11 escritórios interdistritos, 17 escritórios distritais, 43 escritórios locais e 12 seções independentes.
Houve uma mudança da função de subordinação em relação ao setor penitenciário para o compartilhamento da missão do setor juvenil: desenvolver medidas alternativas na comunidade e sanções para que a prisão seja apenas residual e destinada aos delitos mais graves.
Graças à introdução da “suspensão de processos, com liberdade condicional” para adultos (já existente há cerca de 30 anos no contexto juvenil), a execução de penas e medidas alternativas está se tornando a principal resposta ao crime. Atualmente, dos 60.002 presos, as pessoas sob sanções e medidas comunitárias somam 54.682.
Pessoas acusadas de crimes cuja punição prevista na lei não exceda quatro anos podem pedir, mesmo antes do julgamento, que a pena seja comutada para o serviço comunitário, juntamente com atividades voluntárias. As alternativas penais são mais “justas” e “seguras”, portanto, mais consistentes com o objetivo sancionador, que é o de evitar a reincidência.
Além disso, o uso de alternativas penais possibilita responder a delitos mesmo que sejam ofensas menores. Medidas alternativas à detenção (liberdade condicional, designação ao serviço de liberdade condicional, prisão domiciliar) podem ser impostas no lugar da pena privativa de liberdade ou depois de ter cumprido uma parte dela na prisão.
Cumprir uma sentença fora da prisão, que não é um prêmio, mas uma pena em si, pode ser realizada dentro da comunidade, com o apoio de outros órgãos públicos e privados.
A aprovação da nova lei penitenciária juvenil introduziu novas medidas comunitárias para menores.
JT: Lemos que tanto a Justiça Juvenil quanto a Comunitária na Itália seguem o princípio da intervenção mínima (Fontes: European Probation Confederation, “Probation in Europe – Italy”, Março 2016 e Scalia Vincenzo (2005) Uma lição de tolerância? Justiça Juvenil na Itália. Justiça Juvenil. (33-43).
Poderia explicar em que consiste este princípio e os resultados práticos que ele produz?
GT: O sistema jurídico italiano, através do processo penal juvenil (Decreto Presidencial 448/88) que entrou em vigor em 1989, visa a ressocialização dos menores que entram em contato com o sistema de justiça.
O procedimento penal juvenil prioriza a função educativa, reduzindo ao mínimo a natureza aflitiva das medidas penais e reconhecendo o menor como detentor de direitos. Além disso, há mais princípios nos processos penais juvenis, a saber: o da menor infração, que visa favorecer a saída rápida dos menores do sistema de justiça, sem interromper seus processos educacionais; o de “adequação/idoneidade”, no qual os processos penais de menores devem ser compatíveis com sua personalidade e necessidades educativas; o princípio da detenção residual; o princípio da não estigmatização e o direito dos jovens de serem constantemente informados sobre o significado de qualquer atividade processual, bem como de quaisquer decisões judiciais.
Esses princípios são efetivamente aplicados com a introdução de medidas destinadas exclusivamente a menores, incluindo medidas não privativas de liberdade prévias ao julgamento: prescrições, prisão domiciliar e ressocialização na comunidade. Assim, evitam o impacto sobre o menor na fase pré-julgamento e permitem a implementação de uma medida comunitária durante a qual o menor é confiado aos serviços de justiça juvenil.
Além das medidas não privativas de liberdade, há outras duas inovações que mudaram completamente a forma como o sistema de justiça aborda os delitos de adolescentes, que são a ” Dispensa de Fatos Juridicamente Irrelevantes”, e a “Suspensão do Processo Criminal com liberdade condicional”. A primeira prevê que durante as investigações prévias ao julgamento, o Ministério Público deve pedir ao Juiz que não apresente um processo por fatos juridicamente irrelevantes quando este prejudicaria as necessidades educacionais do menor se for levado a diante. Esta ação segue princípio da menor infração, supracitado.
A segunda representa uma forte inovação no sistema jurídico italiano. A superação bem-sucedida do período de liberdade condicional, que dura no máximo três anos e pode ser concedido por qualquer delito, implica na extinção do delito, bem como na a extinção da pena. Os resultados obtidos durante esses anos de aplicação do Decreto Presidencial 448/88 são muito animadores.
O número de medidas de liberdade condicional tem tido uma tendência de crescimento constante e os resultados desejados podem ser considerados como alcançados, incluindo o principal de detenção residual, tanto na fase de pré-julgamento quanto na de execução da pena. Além disso, recentemente (no final de 2018), a aprovação da nova lei penitenciária juvenil introduziu novas medidas alternativas na comunidade para menores, além das já existentes, o que dificultará o uso de medidas que privam os jovens de sua liberdade.
Até que ponto seu Departamento aproveita os desenvolvimentos tecnológicos para alcançar maior eficiência?
GT: De fato, desde 2010 o Departamento utiliza o SISM – Sistema de Informação dos Serviços de Justiça Juvenil – para o gerenciamento de informações relacionadas a menores. Esse sistema permite a divulgação de informações relativas aos arquivos do menor entre a Administração Central, os serviços sociais da Justiça Juvenil e o poder Judiciário. Este sistema consistem em um único banco de dados ou compilado de arquivos, que pode ser acessado mediante autorização. Isso possibilita o acesso e gestão de informações sobre menores e jovens adultos atendidos pelos serviços juvenis e agiliza a troca de informações entre os diversos profissionais que atuam nos serviços juvenis e nos tribunais.
Além disso, através desse sistema de informações, podemos obter dados que são processados anonimamente por meio de um aplicativo específico de inteligência empresarial para análise estatística e a construção de “painéis de informação estatística do sistema CIS” – painéis de informação estatística interativos – disponíveis para a Administração Central e todos os serviços juvenis.
JT: Atualmente, o fenômeno da radicalização violenta é uma questão urgente, pois não ocorre somente nas prisões, mas também no contexto das penas e medidas alternativas.
Qual é a abordagem do seu Departamento para o fenômeno da radicalização e do extremismo violento?
GT: A Administração está constantemente atenta à questão da radicalização e do extremismo violento. Além disso, cooperamos com o Departamento de Administração Penitenciária, através da implementação do projeto europeu RASMORAD P&P sobre a prevenção da radicalização violenta nos ambientes prisionais e no âmbito da liberdade condicional.
As atividades de prevenção da radicalização e do extremismo violento nos serviços prisionais e de liberdade condicional são realizadas em cooperação direta com o Comitê de Análise Estratégica Contra o Terrorismo, em nível nacional, como um fórum permanente entre a polícia judiciária e os serviços de inteligência e como instrumento de avaliação de informações sobre a ameaça terrorista nacional e internacional.
Meu Departamento também emitiu orientações voltadas para o destaque das tarefas de prevenção e, em 2017, forneceu diretrizes operacionais sobre o tema. Os serviços descentralizados são chamados a colaborar na observação daqueles potencialmente em risco, fornecendo constante atualização e utilizando indicações dadas em reuniões de formação institucional, como o projeto europeu TRAin Training – Transferência de abordagens de radicalização em formação, no âmbito do Programa da Justiça, que prevê a formação dos funcionários sobre o conhecimento e a aplicação de ferramentas de avaliação de riscos de radicalização.
JT: Por quase 27 anos a Sra. trabalhou em tribunais juvenis (como promotora, juíza e então presidente).
Como essa vasta experiência influencia seu trabalho atualmente?
GT: Estou no Judiciário há quase 35 anos e, de certa forma, a posição que ocupo atualmente completa o círculo.
Meu primeiro trabalho, quando eu era muito jovem, como juíza supervisora de adultos, concentrou minha atenção no delicado e complexo mundo da execução das sentenças. A mudança para a justiça juvenil, atuando nas áreas de desvio criminal juvenil e no setor civil – na área dos direitos em diversos aspectos negados às crianças – representou um desafio fascinante e maior que me levou a refletir, também à luz de nossa Constituição, sobre o mais profundo significado das sentenças.
Também trabalhei como promotora pública juvenil, juíza juvenil e presidi um tribunal juvenil, o que me permitiu entrar em contato com todos os contextos locais e me possibilitou conhecer suas peculiaridades.
Meu compromisso atual não se limita ao perfil processual, mas à identificação das soluções mais adequadas para garantir a eficácia da sanção, a proteção da sociedade e a recuperação/ressocialização concreta do infrator, inclusive através da disseminação das melhores práticas e do envolvimento da comunidade nos programas de inclusão de infratores.
Estou cada vez mais convencida de que somente através de projetos integrados, sob medida e amplamente compartilhados, é possível desenvolver processos de ressocialização bem-sucedidos e reduzir a reincidência.
//
Gemma Tuccilo é chefe do Departamento de Justiça Juvenil e Comunitária do Ministério da Justiça italiano. Ela é magistrada há quase 35 anos e quase toda a sua carreira foi ligada à justiça juvenil. Entre 2010 e 2015 foi presidente do tribunal juvenil de Potenza e, em Nápoles, ocupou os cargos de Juíza (1997-2010) e subprocuradora da República (1988-1997). É graduada em Direito pela Universidade Federico II, de Nápoles.