Audiência de custódia garante direitos humanos e combate prisão provisória excessiva no Brasil

Entrevista

Luís Geraldo Lanfredi

Juiz Auxiliar da Presidência do Conselho Nacional de Justiça e Coordenador do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas, Brasil 

Em 2015 o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), por meio de seu Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF/CNJ), coordenou a implantação nacional das audiências de custódia em parceria com tribunais locais. 

O procedimento garante a apresentação de pessoas que foram presas à autoridade judiciária em 24 horas – ou no menor prazo possível em casos excepcionais –, buscando aplicação da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San Jose da Costa Rica, de 1969) internalizada no Brasil com o Decreto 678/1992. 

Com funcionamento regulamentado pelo CNJ no final de 2015, a audiência de custódia tem como objetivo avaliar a legalidade da prisão e a eventual possibilidade de que a pessoa responda ao processo em liberdade, nos casos previstos em lei, com ou sem aplicação de medidas cautelares. 

Além disso, a audiência de custódia é o momento no qual a autoridade judicial pode verificar se houve tortura ou maus-tratos no ato da prisão, para o que, a propósito, a realização de audiências presenciais adquire fundamental importância. 

A qualificação, consolidação e expansão das audiências de custódia – inclusive com o fortalecimento da atuação do Estado no campo da assistência social e das alternativas penais – seguem como temas prioritários trabalhados pelo CNJ. 

Desde 2019, essas políticas são trabalhadas dentro de um portfólio de iniciativas coordenadas pelo CNJ para incidência no campo penal e socioeducativo, em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento e apoio do Ministério da Justiça e Segurança Pública, hoje o programa “Fazendo Justiça”. 

As ações sobre audiência de custódia também são desenvolvidas com auxílio do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime.

Qual foi o cenário que motivou a implantação das audiências de custódia e quais os resultados obtidos, na prática, até ao momento?

LL: Nos últimos 30 anos, o Brasil observou uma escalada preocupante no número de pessoas presas, de 90 mil em 1990 para cerca de 750 mil atualmente, com duplicação na taxa de encarceramento – hoje superior a 300 por 100 mil habitantes. 

Nesse contexto, um dos fatores que chamava, e ainda chama, atenção é a grande proporção de presos provisórios, que chegou ao patamar de quase 41% do total da população carcerária em 2014. 

Esse percentual era justificado, em parte, pela baixa aplicação de medidas cautelares previstas em lei, assim como pela crescente quantidade de processos criminais que acabavam congestionando a capacidade do Judiciário para decisões céleres. 

O país tinha centenas de milhares de pessoas presas sem condenação, muitas delas sem nenhum contato com o Poder Judiciário até ali, contrariando o princípio constitucional da presunção de inocência até o trânsito em julgado.

O país tinha centenas de milhares de pessoas presas sem condenação, muitas delas sem nenhum contato com o Poder Judiciário até ali, contrariando o princípio constitucional da presunção de inocência até o trânsito em julgado. E, estudos apontavam que 37% das pessoas, submetidas a prisão provisória, não seriam condenadas a ficarem presas posteriormente. 

Esse cenário contrariava outros dois importantes dispositivos constitucionais: o que prevê que a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária, e aquele que dispõe que ninguém será mantido preso quando a lei prever liberdade provisória, com ou sem fiança (respectivamente, incisos LXV e LXVI do art. 5º da Constituição Federal de 1988). 

Adicionalmente, mais de 20 anos depois de internalizar a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, o país não havia dado concretude ao direito de toda pessoa a ser apresentada rapidamente à presença de um juiz(a) para que este(a) avalie as condições da prisão e a necessidade ou não de sua manutenção. 

Por fim, em 2015, o Supremo Tribunal Federal decretou que as prisões brasileiras representavam um estado de coisas inconstitucional, de forma similar ao que ocorreu anteriormente na Colômbia. A decisão foi motivada, em grande parte, pelas péssimas condições de cumprimento de pena, em um cenário de superlotação superior a 160%. 

Essa soma de fatores demandava uma resposta coordenada nacionalmente para qualificar o controle da porta de entrada do sistema prisional, e assim surgiram as audiências de custódia.  

Além de permitir o contato célere da pessoa presa com a autoridade judicial, as audiências de custódia passaram a fornecer mais elementos para que juízas e juízes, com a participação da defesa e do Ministério Público, analisassem o contexto de cada prisão efetuada, deliberando quando a prisão preventiva era ou não necessária. 

Além disso, a audiência de custódia também permite ao juiz verificar eventuais indícios de tortura, no momento da detenção, conduzindo, nesse caso, à adoção das providências pertinentes. Antes, essa análise acontecia por meio de documentos. 

Rapidamente, a proposta foi implantada em todas as capitais e, em sete anos, realizaram-se um milhão de audiências de custódia. Importante destacar que, durante o pico da pandemia de Covid-19, as audiências foram em grande parte suspensas, em função do risco epidemiológico, ensejando o controle da prisão em flagrante por meio da análise documental dos respectivos autos, fotografias e laudos periciais. 

Lançamento do Projeto de Audiências de Acusação no Tribunal de Justiça de São Paulo. Fevereiro de 2015. Foto: Antônio Carreta/TJSP © Conselho Nacional de Justiça, Brasil

Desde 2014, temos observado uma queda significativa no percentual de presos provisórios, atualmente em 27,24% do total, uma redução de quase 13% no comparativo com 2014. Houve redução na taxa de conversão em prisões preventivas em diversas unidades da federação – hoje está em 59,8% na média nacional –, aliviando a superlotação carcerária e impedindo gastos públicos com a criação ou manutenção de novas vagas na ordem de mais de R$ 20 bilhões. 

Houve, ainda, aumento nos encaminhamentos para proteção social – entre 2019 e 2020, esse número cresceu 17%, por exemplo – e qualificação de fluxos e procedimentos em conexão com campos de alternativas penais. Isso ocorreu notadamente após o início da parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento e apoio do Ministério da Justiça e Segurança Pública em 2019, hoje materializada no programa “Fazendo Justiça”.  

Foram instalados, ainda, Serviços de Atendimento à Pessoa Custodiada em vinte e uma capitais, nos quais equipes multidisciplinares atuam antes e depois das audiências de custódia para qualificar a resposta do Judiciário, em articulação com outras políticas e atores institucionais. Todas essas ações são executadas com apoio do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime

No entanto, ao trazer uma maior atenção à porta de entrada do sistema prisional, somada a evidências do expressivo aumento no número de prisões nos últimos anos.

Audiência de custódia realizada no Tribunal de Justiça do Distrito Federal. Novembro de 2015. Foto: Luiz Silveira/Agência CNJ © Conselho Nacional de Justiça, Brasil

 JT: Com as audiências de custódia, o CNJ visou também combater uma “Cultura do encarceramento”

Que cultura é esta e como é que o CNJ promove e apoia a mudança de mentalidade que o país precisa a esse nível?

LL: Importante destacar que a audiência de custódia não é uma ferramenta de incidência direta para redução do encarceramento. Inclusive, porque são as magistradas e os magistrados, dotados de sua independência funcional e no caso concreto, que seguem decidindo de acordo com a previsão legal.  

No entanto, ao trazer uma maior atenção à porta de entrada do sistema prisional, somada a evidências do expressivo aumento no número de prisões nos últimos anos, as audiências de custódia sem dúvida levantam questões de fundo importantes para se pensar o encarceramento no país. 

O Estado e a sociedade passaram a estar mais atentos a como se prende e a quem se prende, especialmente no caso das prisões em flagrante, que são a grande maioria dos casos levados para a custódia.

Adicionalmente, sabemos que o principal motivo de encarceramento no país hoje são crimes patrimoniais e tráfico de drogas, e que esses crimes encarceram classes sociais específicas, em sua maioria, notadamente homens jovens, negros, de baixa renda e de baixa escolaridade. 

Essa análise mais sistêmica sobre o contexto das prisões em flagrante é imperativa, porque o cárcere multiplica efeitos nocivos no campo social e econômico para as vidas dessas pessoas, de suas famílias, e porque não dizer, da própria sociedade. 

Atualmente, apenas a manutenção do sistema prisional brasileiro custa R$ 14,7 bilhões aos cofres públicos anualmente, sem contar no contingente de pessoas que acabam à margem da força produtiva do país. 

Outro aspecto que acabou em evidência com as audiências de custódia é o reforço de uma mensagem de não tolerância à tortura e aos maus-tratos praticados por forças do Estado no ato da prisão. 

Há ainda um longo caminho pela frente para qualificar formas de notificação e de apuração desses casos – são 45 mil reportados desde 2015, alcançando cerca de 6,5% do total de audiências realizadas –, mas o assunto segue definitivamente em pauta.

 

Enquanto responsável pela implementação das audiências de custódia, quais foram/são os maiores desafios na aplicação deste mecanismo?

LL: Um dos principais desafios, que persiste até hoje, é neutralizar a narrativa equivocada de que a audiência de custódia existe para soltar pessoas e para aumentar a impunidade.  

Em primeiro lugar, esse procedimento judiciário não alterou a legislação criminal – pelo contrário, existe para reforçar a aplicação da lei penal e da Constituição no caso concreto, no momento em que a prisão é realizada, pois abuso de autoridade também é um crime previsto no ordenamento brasileiro. Além disso, não existe se falar em impunidade se as pessoas em liberdade provisória ou com alguma medida cautelar seguem respondendo ao processo. 

No entanto, é possível entender o clamor social por mais prisões, uma vez que grande parte dos crimes no país, especialmente os mais violentos, não são solucionados. 

Há pesquisas que apontam, por exemplo, que menos de 50% dos homicídios são esclarecidos no Brasil e a grande maioria apenas quando houve prisão em flagrante, o que evidencia a necessidade de aprimoramento da investigação criminal. 

Para uma sociedade acostumada a entender o encarceramento como principal resposta para a insegurança e o medo, a manutenção de quaisquer prisões provisórias parece um atalho satisfatório, ainda que não se reflita sobre quem são essas pessoas que estão adentrando as prisões, por quais crimes e, sobretudo, como sairão de lá depois.  

No entanto, quando explicitamos a audiência de custódia em seu verdadeiro sentido – permitir que a pessoa presa tenha contato com um juiz ou juíza no menor prazo possível – poucos discordam de que este deveria ser um direito de todos e de todas. 

Inclusive por razões de segurança pública, para evitar que determinadas pessoas que efetivamente não precisariam adentrar o sistema prisional lá fiquem por mais tempo. 

Além disso, como qualquer iniciativa nacional em um país com as dimensões do Brasil e com envolvimento de diferentes instituições, houve desafios no campo da implantação. E ainda há desafios para interiorização e uniformização de procedimentos para uma resposta única, conforme prevê a Resolução CNJ 213/2015.  

Com o fim da condição de excepcionalidade da pandemia, estamos, por exemplo,  reforçando a importância da retomada da audiência presencial no lugar da videoconferência. O CNJ está sempre em diálogo com tribunais, magistrados e magistradas para trazer parâmetros capazes de apoiá-los em seu trabalho cotidiano.

Reunião nacional de consultores estatais sobre audiências de acusação, com representantes do CNJ, UNODC e UNDP. Janeiro de 2020. Foto: Luiz Silveira/Agência CNJ © Conselho Nacional de Justiça. Brasil

Um dos principais desafios, que persiste até hoje, é neutralizar a narrativa equivocada de que a audiência de custódia existe para soltar pessoas e para aumentar a impunidade.

 JT: Nos últimos anos houve um investimento considerável na promoção “da política de alternativas penais junto às unidades da federação, o que inclui a implantação e fortalecimento das Centrais Integradas de Alternativas Penais (CIAP), que constitui uma das apostas do Conselho Nacional de Justiça” (Fonte: www.cnj.jus.br/cnj-atua-para-fortalecer-centrais-de-alternativas-penais).

Como tem evoluído o sistema de alternativas penais no Brasil e com que resultados? E que trabalho há ainda por fazer com vista aos principais objetivos da política de alternativas penais, incluindo a redução do encarceramento no Brasil?

LL: As alternativas penais vêm ganhando corpo desde os anos 1990, de forma semelhante ao que ocorreu em outros países após a edição das Regras de Tóquio pelas Nações Unidas.  

Houve aportes no campo teórico, no campo normativo – especialmente a partir da lei que criou os juizados especiais criminais em 1995 – e enquanto campo de interesse e prática em política pública, mas ainda de forma difusa e pouco estruturada no país. 

Essa situação persiste ainda hoje, pois não temos, por exemplo, números atualizados de pessoas em cumprimento de alternativas penais. Nos anos 2010, o fortalecimento de uma política nacional de alternativas penais passou a ser discutido e financiado pelo Executivo Federal, enquanto o CNJ consolidava a discussão no campo da justiça restaurativa. 

É fato que houve um aumento na aplicação de penas alternativas nesse trajeto – mas as evidências apontam que esse fenômeno não está resultando na redução da população carcerária, que só aumentou na última década.  

Em 2019, além de aprovar normativa que definiu a política institucional do Poder Judiciário para a promoção da aplicação de alternativas penais com enfoque restaurativo, o CNJ passou a trabalhar o tema enquanto um dos eixos estruturantes da parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento e o Ministério da Justiça e Segurança Pública, conectando as alternativas penais com o fortalecimento das próprias audiências de custódia e da ferramenta de monitoração eletrônica, por exemplo. 

Além de incentivar a operação e a qualificação de varas especializadas em alternativas penais, o CNJ trabalha por meio do programa “Fazendo Justiça” para fomentar a criação de Centrais Integradas de Alternativas Penais – já são cinco implantadas a partir da facilitação de convênios com o Executivo Federal e outras seis com previsão de lançamento. 

Entendemos ser fundamental a colaboração entre Judiciário e Executivo para resultados estruturantes nas alternativas ao encarceramento, constituindo um verdadeiro Sistema Nacional de Alternativas Penais.

Entre os desafios que persistem, estão a necessidade de investimento para implantação de centrais e varas e para qualificação de recursos humanos e estratégias para maior institucionalidade e estruturação da política, com fomento a normas estaduais e alinhamentos para maior uniformidade de funcionamento. 

Outro desafio, que, em verdade, decorre do primeiro, é garantir uma maior aplicação de alternativas enquanto responsabilizações que vão além da prisão como única resposta.  

Nossa expectativa é de que essa cultura seja fortalecida gradativamente, conforme a política se estruture no país. É esse ambiente que fomentamos, por exemplo, em iniciativas como o Fórum Nacional de Alternativas Penais, no qual reunimos mais de mil participantes em sua 3.ª edição no ano passado

O programa "Começar de Novo" do CNJ visa promover empregos e cursos de treinamento profissional para prisioneiros e ex-reclusos. Foto: Agência Luiz Silveira/CNJ © Conselho Nacional de Justiça, Brasil

 JT: O CNJ vem trabalhando em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e o Banco Interamericano para o Desenvolvimento (BID) para a definição e implementação de políticas e medidas que respondam a problemas estruturais do sistema prisional e socioeducativo do país. 

Que tipo de iniciativas a cooperação internacional tem apoiado e qual a sua importância para o panorama da Justiça penal no Brasil?

LL: Em andamento desde 2019, a parceria entre CNJ, PNUD Brasil e Ministério da Justiça e Segurança Pública incide em desafios múltiplos no campo da privação de liberdade, uma vez que os desarranjos que alcançam os ciclos penal e o socioeducativo são estruturais e estão interconectados. 

Para garantir a coerência e coordenação entre propósitos, foram pensadas incidências que vão desde a porta de entrada até a porta de saída, passando por atividades transversais que incluem criação ou melhorias de sistemas tecnológicos e cadastros. Atualmente, há 28 ações simultâneas em andamento. O programa passa por diversas fases e está em constante evolução. 

A participação do PNUD e de outros apoiadores do campo internacional vem se mostrando fundamental para que esse projeto saia do papel e se torne realidade em todo o país. As equipes técnicas apoiam o CNJ e os tribunais na construção de fluxos, ferramentas e serviços, além de facilitar o contato com outros atores institucionais relevantes. 

Temos um plano nacional bem definido que se desdobra em planos estaduais adaptados a cada unidade da federação, e profissionais de apoio nesses locais para contribuir com respostas de excelência. 

Essa foi uma forma inédita de o CNJ trabalhar com tribunais para indução de políticas judiciárias no campo penal e socioeducativo, e o sucesso desse formato de trabalho acabou nos inspirando a ampliar parcerias neste mesmo formato.

Juntamente com o PNUD e outras organizações parceiras, o CNJ promove o Programa Justiça 4.0 que visa impulsionar a transformação digital no setor da justiça. Foto: Romulo Serpa/ Ag.CNJ © Conselho Nacional de Justiça, Brasil

Que outros projetos e resultados da intervenção do CNJ no progresso da Justiça penal Brasileira o senhor destacaria? E, quais são os próximos desafios?

LL: Considerando que o CNJ é um órgão relativamente novo – foi criado em 2005, enquanto a lei que instituiu o DMF é de 2009 –, hoje trabalhamos para fortalecer projetos e intervenções que se mostraram relevantes durante essa trajetória.  

A atenção a pessoas egressas, por exemplo, é objeto de ação do CNJ desde 2008, com o programa “Começar de Novo”, que conectava esse público a oportunidades no mercado de trabalho. 

Hoje essa atuação é potencializada por meio dos Escritórios Sociais, metodologia criada pelo CNJ em 2016, que consiste de espaços geridos pelo Executivo e pelo Judiciário para atendimentos multisserviços com 36 unidades pactuadas em 22 estados brasileiros. 

Importante destacar que, além de projetos, o CNJ tem um importante papel regulamentador que vem contribuindo sobremaneira para institucionalizar e uniformizar práticas. 

Podemos citar como exemplo a aprovação recente de resolução sobre monitoração eletrônica, que, após longo debate com diferentes atores do sistema de justiça, resultou na conceituação e organização do tratamento judiciário neste campo. 

No campo socioeducativo, a normativa aprovada pelo CNJ em 2021 impulsionou a aplicabilidade da decisão do Supremo Tribunal Federal, de 2020, que proibiu superlotação em unidades socioeducativas (Habeas Corpus coletivo nº 143.988, de Relatoria do Ministro Edson Fachin). 

Mesmo com tantas ações em andamento, entendemos que as carências múltiplas para o fortalecimento de uma cultura respaldada na garantia de direitos podem originar novas oportunidades de incidência. 

Desde 2021, por exemplo, a Unidade de Monitoramento e Fiscalização de decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos do CNJ, que também atua junto ao DMF, tem dado especial atenção ao acompanhamento da situação de presídios que foram objeto de medidas expedidas pela Corte (decisões vinculantes no âmbito das tutelas de urgência) – complexo do Curado, em Pernambuco; complexo de Pedrinhas, no Maranhão; Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho, no Rio de Janeiro; e Unidade de Internação Socioeducativa no Espírito Santo. 

Também em 2021, a partir de um cenário de mobilização institucional e crescente debate público, o CNJ passou a trabalhar o tema do reconhecimento de pessoas no campo criminal por meio, por exemplo, do uso indiscriminado de álbuns fotográficos de suspeitos. 

Essa prática vinha se consolidando sem um debate mais aprofundado, interferindo no bom andamento de respostas do Estado no campo criminal, com especial consequência para a população negra que é a mais afetada nos reconhecimentos por engano, gerando ao mesmo tempo absurdas prisões de pessoas inocentes e a impunidade dos verdadeiros responsáveis.  

Em resumo, esperamos seguir trabalhando em diferentes frentes de ação que, de forma complementar, qualificam a resposta do Judiciário para avanços necessários no campo da privação de liberdade em todo o Brasil. 

Notas:

[1] APEC é o Serviço de Atendimento à Pessoa Custodiada”.

Luís Geraldo Lanfredi

Juiz Auxiliar da Presidência do Conselho Nacional de Justiça & Coordenador do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas, Brasil

Luís Lanfredi foi um dos juízes que atuaram para a implementação das audiências de custódia no Brasil, como auxiliar da Presidência do Conselho Nacional de Justiça. Ele coordena o Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas, unidade do CNJ responsável por subsidiar o Conselho na temática criminal, socioeducativa e prisional e, desde 2019, pelo acompanhamento do Programa “Fazendo Justiça”. O Dr Lanfredi é Juiz de Direito no Tribunal de Justiça de São Paulo e foi Vice-Presidente do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, do Ministério da Justiça, em 2013-2014.

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