Brasil: Espírito Santo avança na modernização do sistema de Justiça do Estado

Entrevista

Renato Casagrande

Governador, Espírito Santo, Brasil

Nesta entrevista, Renato Casagrande, o governador do Estado do Espírito Santo, Brasil, discute os desafios e os progressos realizados no sistema de justiça do estado.

O Governador nos fala sobre os planos do Estado para modernizar seu sistema de justiça através da implementação do programa Moderniza/ES, que visa melhorar a infraestrutura, metodologias e soluções tecnológicas para apoiar a reintegração dos detentos libertados.

Também exploramos os esforços do Estado para oferecer oportunidades de emprego e formação profissional para detentos e indivíduos recém-libertados, com resultados promissores através de parcerias com indústrias e instituições locais.

Quais são os principais desafios do Estado na área da Justiça?

RC: Os principais desafios do Estado não são muito diferentes dos desafios do nosso país em geral. No Espírito Santo nós ainda temos um número de detentos acima do número de vagas disponível.

No entanto, nesses últimos quatro anos conseguimos estabilizar o número da população carcerária, que nos anos anteriores, de 2015 até 2018, a população carcerária no Estado estava aumentando em 1.500 pessoas por ano.  

Essa estabilização foi alcançada por meio de um trabalho conjunto do governo do Estado com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), envolvendo o poder judiciário, o Ministério Público (MP), e a Defensoria.

Nós fizemos isso priorizando as audiências de custódia, as varas de execuções penais, transformando os processos físicos em processos eletrônicos, usando tornozeleira eletrônica, e outros mecanismos para qualificar o sistema prisional.   

Se continuássemos com o ritmo de acréscimo de 1.500 pessoas por ano na população carcerária, isso levaria à necessidade de um número incomportável de unidades prisionais no Estado.

A estabilidade alcançada nos últimos anos e a redução do número de homicídios no Estado demonstrou que qualificar a prisão produz efeitos positivos.

As políticas de encarceramento e “tolerância zero” não são sustentáveis na prestação do serviço público.

No entanto, nós ainda temos uma população carcerária maior do que o número de vagas, então este é um desafio que enfrentamos.  

Outros desafios significativos estão relacionados com a ressocialização dos detentos, a começar pela diminuição do número de pessoas que voltam ao mundo do crime depois de saírem do sistema prisional.

Outras questões estão ligadas aos investimentos que precisamos fazer na infraestrutura e na tecnologia nas nossas unidades prisionais, assim como em melhorar a prestação de serviço.  

 JT: O Espírito Santo vai contar com o apoio do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) para implementar um programa de modernização de infraestrutura, de metodologias de avaliação e apoio a reinserção dos egressos, e da tecnologia no sistema de Justiça do Estado, o Moderniza/ES. Este programa tem o objetivo de contribuir para a reinserção social e diminuir a reincidência criminal.

Qual será o papel deste projeto com o BID na superação dos desafios de modernização do sistema de justiça de Espírito Santo?

RC: O programa Moderniza/ES vai permitir a construção de mais duas unidades prisionais no Estado do Espírito Santo, além de reforçar um investimento forte em tecnologia.

Esse foco no investimento tecnológico já tem vindo a ser feito, com a implementação de novas redes de fibra ótica, um novo sistema de vigilância através de uma rede de TV interna, por exemplo. Mas temos ainda sistemas de gestão de unidades prisionais que precisam ser aperfeiçoados, a fim de permitir uma automação maior e um controle mais eficiente à distância.  

Para alcançar esses objetivos, o programa conquistou financiamento junto ao BID, estando agora na fase de aprovações finais. Este financiamento vai permitir uma aceleração na ampliação do número de vagas, e na aquisição de novos sistemas e softwares de gestão mais eficientes, assim como a compra de equipamentos de hardware para as nossas unidades prisionais. Essa nova infraestrutura tecnológica vai permitir uma gestão mais adequada do sistema penitenciário.  

Além disso, com esse progresso na automatização da gestão, vamos conseguir disponibilizar profissionais apoiar mais a componente de ressocialização da população carcerária.

Com esse progresso na automatização da gestão, vamos conseguir disponibilizar profissionais apoiar mais a componente de ressocialização da população carcerária.

 JT: Além da tecnologia, o projeto Moderniza/ES visa também apoiar a implementação de alternativas penais ao encarceramento e promover a ressocialização.

Quais são as mudanças necessárias para alcançar este objetivo?

RC: Nós vamos organizar e fortalecer o nosso Escritório Social, um espaço de atendimento em que um grupo de profissionais encaminha pessoas no sistema semiaberto, ou quando são libertadas, para oportunidades de emprego, e as acompanha por um tempo, após a saída do sistema prisional. Além disso, vamos melhorar a infraestrutura necessária para ampliar a nossa oferta educacional e profissional.

Atualmente já temos um índice de educação e profissionalização dos maiores do Brasil. Cerca de 40% da nossa população carcerária estuda, e 40% trabalha ou está em cursos de formação profissional. Estes indicadores são, para nós, fundamentais.

O programa Moderniza/ES vai permitir a construção de infraestrutura necessária para atrair mais empresas para dentro do sistema prisional e criar mais oportunidades para esta população.

Estamos prestes a inaugurar uma nova unidade, adequada e adaptada para a produção de alimentos para a população carcerária dentro das próprias unidades. A empresa terceirizada para fazer essa produção de alimentos vai empregar mão de obra do sistema carcerário.

Com essas mudanças, as nossas estruturas estarão adaptadas para envolver a população carcerária em todos os serviços internos. Isso reduzirá a duração das penas dos internos e lhes dará dignidade, ao oferecer a oportunidade de ganhar algum dinheiro prestando um serviço nas nossas unidades.

 JT: O Estado tem investido na criação de oportunidades de trabalho e qualificação profissional para presos e egressos do sistema prisional, em parceria com instituições e indústria local. Recentemente o Governador participou de uma homenagem a 74 empresas e instituições parceiras com a entrega do Selo Social “Ressocialização pelo Trabalho”. (Fonte)

O que significa este tipo de distinção e quais tem sido os resultados dessa parceria na prática?

RC: Este envolvimento tem tido um resultado muito promissor, porque as empresas estão superando o preconceito em relação à contratação de egressos e de pessoas no sistema semiaberto.

Ao ver empresas reconhecidas na sociedade contratando população carcerária ou pessoas que estiveram no sistema prisional, isso gera confiança em outras empresas.  

Tanto as empresas que operam dentro das nossas unidades prisionais, quanto aquelas que estão fora delas tem acesso a mão de obra com menor custo, ao mesmo tempo, que estão abrindo portas e oportunidades para uma nova vida para essas pessoas.

Nós certificamos essas empresas para que elas possam também ter incentivos e sejam reconhecidas por desempenharem um papel importante de promoção da cidadania na sociedade. 

O Selo Social "Ressocialização pelo Trabalho" é atribuído a empresas e instituições parceiras que empregam presos e egressos. ©SEJUS Espírito Santo

Que outras medidas relacionadas com a colaboração com a indústria e a qualificação pelo trabalho destacaria?

RC: Por exemplo, temos o Fundo Rotativo do sistema prisional. Esta medida permite ao gestor da Secretaria de Justiça (SEJUS) ganhar autonomia financeira, uma vez que cada trabalhador no sistema prisional contribui com um terço da sua remuneração para a capitalização desse fundo.

Esse recurso já está a ser utilizado para melhorar as condições das nossas unidades prisionais sem necessidade da aprovação de um orçamento direto do Tesouro Estadual.  

O Fundo Rotativo permite um incentivo ao trabalho e à responsabilidade do detento. Este tem sido um instrumento pedagogicamente importante, porque cria uma mentalidade contributiva no detento, sabendo este que com seu trabalho está a apoiar a manutenção da unidade prisional. 

Nosso objetivo é expandir a responsabilidade dos agentes prisionais, indo além de seu papel de manter a segurança nas instalações e incentivá-los a serem colaboradores no processo de ressocialização dos detentos.

Mais de 2.500 detentos no sistema penitenciário estadual participaram do Exame Nacional de Ensino Médio de 2022 para indivíduos privados de liberdade. ©SEJUS Espírito Santo

Que importância assume o tema da formação e desenvolvimento dos policiais penais?

RC: Atualmente estamos reestruturando completamente a nossa escola penitenciária. Estamos agora discutindo isso com o corpo de policiais penais. 

Já aprovamos a emenda na Assembleia Legislativa, e estamos, neste momento, debatendo a regulamentação da carreira dos policiais penais.

O nosso objetivo é expandir a responsabilidade desses profissionais, indo para além do seu papel em manter a segurança das unidades prisionais, e incentivá-los a serem colaboradores no processo de ressocialização dos presos.   

A cadeia, além de fazer cumprir uma pena para quem cometeu um crime contra a sociedade, também tem que ter um importante papel de ressocialização. É fundamental que os servidores públicos estejam envolvidos neste processo, especialmente os policiais penais.  

O financiamento que receberemos do BID também será usado para qualificar e formar esses profissionais. A nossa escola penitenciária já está trabalhando arduamente para criar uma consciência profissional sobre a importância do papel do policial penal.  

Por mais que nosso intuito seja estabelecer políticas públicas adequadas de ressocialização, o envolvimento e comprometimento dos profissionais são fundamentais para as colocar em prática. Portanto estamos empenhados em garantir a qualificação e treinamento dos nossos profissionais.  

Renato Casagrande

Governador, Espírito Santo, Brazil

Renato Casagrande cumpre o segundo mandato consecutivo como Governador do Estado de Espírito Santo, (eleito em 2018 e novamente em 2022), cargo que já havia ocupado entre 2011 e 2014. Durante sua gestão, ele desenvolveu e operacionalizou várias iniciativas reconhecidas, incluindo o programa “Estado Presente” em matéria de segurança pública, incidindo na redução dos índices de crimes violentos. Antes de chegar ao governo, Casagrande foi senador da República, deputado federal, vice-governador e deputado estadual. Além disso exerceu cargos executivos tanto a nível estadual quanto municipal, no Espírito Santo. É formado em Engenharia Florestal e também em Direito. 

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