Entrevista
Peter van der Sande
Presidente da Associação Internacional de Serviços Prisionais e de Correção (ICPA)
Como é ser o Presidente da única comunidade global para profissionais do sistema penitenciário?
PS: É ótimo, muito interessante e tenho o privilégio de trabalhar com membros muito dedicados e comprometidos do Conselho, que, apesar de terem trabalhos muito ocupados, fazem muito trabalho voluntário. O mesmo se aplica aos funcionários e membros da ICPA. É incrível que nesta área eu sempre conheci muitas pessoas muito autodidatas.
Ter se tornado presidente da ICPA no final de 2011 foi uma boa transição do meu trabalho anterior. Fui chefe do Serviço Penitenciário Holandês por quase 12 anos, e meu interesse pela cooperação transnacional começou no início dessa carreira quando visitei países do leste europeu com alguns dos meus governadores e eles me mostraram como eles estavam ajudando os sistemas nesses países a melhorar.
Naquele momento eu reconheci que compartilhar conhecimento e práticas poderia realmente fazer a diferença e, para minha equipe, também foi um enriquecimento. Eu costumava dizer à minha equipe que temos a sorte de viver em um país onde tínhamos um sistema prisional bem desenvolvido e que é realmente um dever moral para nós ajudar países que não têm tantos recursos. Essas visitas me entusiasmaram com o trabalho internacional, por isso fiquei muito feliz por ter sido eleito presidente da ICPA.
Qual é a missão central da ICPA?
PS: Nosso principal objetivo é promover políticas e normas para práticas penitenciárias humanas e eficazes, auxiliando no seu desenvolvimento e implementação.
Apoiamos os sistemas penitenciários e seus profissionais a melhorar o profissionalismo e objetivamos fornecer uma plataforma inclusiva e segura para a troca de conhecimento, melhores práticas, tecnologia e inovações.
Além disso, promovemos e compartilhamos práticas penitenciárias éticas e eficazes para melhorar a segurança pública e promover comunidades mais saudáveis em todo o mundo. Acreditamos que o encarceramento deve ser utilizado como último recurso, portanto, apoiamos o desenvolvimento de alternativas penais e sanções na comunidade. Acreditamos na integridade, profissionalismo e no compartilhamento de conhecimento. Por fim, acreditamos fortemente na capacidade de mudança positiva e na dignidade dos indivíduos. É nosso dever proteger seus direitos.
Quais são os principais desafios neste momento?
PS: O mundo está mudando em um ritmo dramático; há mudanças tecnológicas – que, por si só, é um grande motor da mudança – e há também mudanças culturais e crises financeiras globais. No entanto, no próximo ano é o 20º aniversário da ICPA e enfrentamos o futuro com uma abordagem positiva.
Temos uma base sólida que consiste em uma equipe forte e uma riqueza de conhecimentos, de modo que o ICPA continuará a existir para promover as melhores práticas nos sistemas penitenciários em um mundo onde enfrentaremos desafios e pressões maiores do que nunca. É importante que o ICPA garanta a permanência justa, inclusiva e aberta para que possamos estar unidos e juntos para ser a voz que representa as organizações penitenciárias profissionais.
Acreditamos que o encarceramento deve ser utilizado como último recurso. Acreditamos na integridade, profissionalismo e no compartilhamento de conhecimento
Qual é a sua abordagem para defender o avanço dos serviços penitenciários profissionais e humanos a nível mundial?
PS: Eu estou sempre tentando mostrar que há outras maneiras de fazer as coisas, especialmente quando se trata de lidar com presos. Sempre que estou em outro país ou conferência, tento mostrar que prender pessoas por uma questão de punição não funciona e que é realmente importante preparar as pessoas para uma nova vida na sociedade.
Esta não é apenas uma questão para os países em desenvolvimento, precisamos conscientizar a sociedade civil até mesmo nos países ocidentais. Ainda há ceticismo público direcionado às pessoas que cumpriram uma sentença de prisão, e infelizmente a mídia muitas vezes tende a reforçar a lógica de vingança ou punição adicional além apenas da perda de liberdade, relatando as novas infraestruturas prisionais e o tratamento “suave” dos presos, em tom de crítica – isso pode resultar em pressão política desnecessária, ter um impacto negativo na forma como as prisões funcionam e na reintegração bem-sucedida de egressos do sistema prisional.
Além disso, acredito que, além da relação agentes-detento – que é fundamental para a qualidade da prisão – as prisões profissionais e humanas começam quando a sociedade aceita que as pessoas que cumpriram uma sentença merecem ter uma segunda chance e que a sociedade é responsável por ajudá-las.
A mentalidade da comunidade desempenha um papel importante no sucesso do sistema penitenciário e na sua capacidade de reintegração dos infratores. Na verdade, um dos meus desejos para a conferência da ICPA de 2019 seria que seu tema se concentrasse no envolvimento da sociedade civil.
Uma parte substancial da nossa população prisional pode não representar um risco para a sociedade e, portanto, devemos procurar alternativas para a prisão e para a diminuição das penas de prisão, especialmente para delitos menores. A superlotação das prisões é um problema real que muitas vezes é causado por altas taxas de prisão provisória e um grande número de sentenças curtas de prisão.
Todos sabem que as penas curtas de prisão podem resultar em enormes danos colaterais para os infratores, famílias e comunidade, além disso, a pesquisa apoia a premissa de que muitos infratores de baixo risco são mais propensos a reincidir se forem encarcerados.
Tento destacar isso sempre que posso e peço aos formuladores de políticas que considerem o uso de sanções alternativas. No interesse de diminuir o encarceramento, deve haver mais alternativas à detenção e maior inovação em tecnologias e abordagens que tornem essas opções mais viáveis para a condenação.
Devemos permanecer conscientes do papel positivo que as prisões desempenham em manter nossas sociedades mais seguras, na proteção de nossas comunidades e no cuidado, tratamento, educação e ressocialização adequados daqueles que precisam ser presos, mas a prisão deve ser sempre usada como último recurso.
Prender pessoas por uma questão de punição não funciona
Como é a relação da ICPA com organizações como as Nações Unidas na promoção de boas práticas penitenciárias e padrões mínimos?
PS: É uma relação muito próxima e forte. O ICPA possui um Estatuto Consultivo Especial com o ECOSOC – Conselho Econômico e Social da ONU – e temos representantes nas reuniões de sua Comissão de Crimes.
Além disso, estivemos ativos no comitê de especialistas da ONU na discussão e desenvolvimento das regras de Mandela atualizadas e das de Bangkok. Desenvolvemos listas de verificação para ambas as regras, para que as nações ou instituições individuais possam usá-las para ver se estão em conformidade com essas regras ou se precisam tomar medidas para melhorar seu cumprimento.
Desenvolvemos um conjunto de planos de formação para os agentes penitenciários e cada um desses planos é comparado com os padrões e normas da ONU. Na verdade, todos os nossos objetivos estão alinhados com as Nações Unidas na promoção de boas práticas e padrões mínimos.
O ICPA continua a ser consultado pelos funcionários da ONU à medida que novas iniciativas relacionadas ao sistema penitenciário estão sendo consideradas e, reciprocamente, trabalhamos para promover os esforços da ONU e apoiar seus Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.
E como é a relação da ICPA com organizações parceiras, como a Confederação Europeia de Liberdade Condicional e a EuroPris (Organização Europeia dos Serviços Prisionais e Correcionais?
PS: Fico feliz em poder dizer que trabalhamos em estreita colaboração com a EuroPris e a CEP. Em 2017, organizamos o 1º Simpósio Internacional de Pesquisa Penitenciária, juntamente com a EuroPris.
Foi uma iniciativa muito positiva – com a presença de mais de 120 delegados de 36 países provenientes de organizações acadêmicas, públicas, privadas e sem fins lucrativos – por isso estamos trabalhando novamente em parceria com a EuroPris para organizar a 2ª edição do Simpósio, que será realizado em Praga, de 8 a 10 de maio de 2018.
Anteriormente, também trabalhamos em parceria com a EuroPris e a CEP na organização das populares conferências de Tecnologia no Sistema Penitenciário. A última conferência (2017) atraiu mais de 200 delegados de 37 países e o objetivo foi desafiar o setor privado a desenvolver soluções digitais inovadoras para o sistema penitenciário. A terceira edição desta conferência está sendo planejada para 2019; novamente, será o resultado de um esforço tripartite e prova do valor agregado do trabalho em conjunto.
Além das organizações supracitadas, o ICPA saúda os esforços colaborativos e, ao longo dos anos, desenvolveu fortes parcerias com muitas outras, incluindo CICV (Comitê Internacional da Cruz Vermelha), ACA (American Correctional Association), APPA (American Probation and Parole Association), IACFP (International Association for Correctional and Forensic Psychology), ACSA (African Corretional Services Association), ICCA (International Community Corrections Association), ASCA (Association of State Correctional Administrators), para citar alguns. Os desafios no setor prisional são vastos e complexos, portanto, a junção de nossos recursos e esforços por meio de parcerias é vital para efetivar a mudança.
Quais conquistas o Sr. gostaria de destacar?
PS: Nenhuma conquista teria sido possível sem os membros do Conselho, funcionários e membros! Quando comecei minha presidência, tinha três objetivos principais. O primeiro foi tornar o ICPA financeiramente mais forte e fizemos grandes avanços nessa direção. O segundo foi estabelecer filiais regionais porque é importante focar em questões regionais levando em conta problemas específicos, cultura, legislação, etc. Agora temos três filiais regionais (América do Norte, América Latina e África) e estamos tentando estabelecer uma na Ásia.
O terceiro objetivo é contínuo e tem a ver com tornar o ICPA mais visível – queremos mostrar ao mundo que somos líderes no avanço dos sistemas penitenciários profissionais a nível internacional; incentivamos o apoio e as contribuições de especialistas em todo o mundo, queremos crescer e nutrir nossa comunidade e expandir nosso alcance.
Além disso, estou muito orgulhoso do crescimento de nossa conferência anual. A última (outubro de 2017, em Londres) atraiu mais de 700 delegados de 80 países. Isso significa que a vontade de reformar os sistemas penitenciários está claramente presente e que os participantes veem nosso evento como aquele em que podem aprender e, em seguida, transferir esse conhecimento para seus sistemas.
Os Prêmios Anuais de Excelência Penitenciária também são uma grande conquista, pois acreditamos ser crucial reconhecer as realizações nessa área – Pedro das Neves, fundador e diretor da JUSTICE TRENDS recebeu um prêmio durante nossa Conferência de 2017. Nosso Programa de Prêmios está se tornando bem reconhecido e ano após ano o número de boas nomeações está aumentando.
Devo também mencionar nossas ‘Redes temáticas’, que consistem em grupos de membros e especialistas que participam ativamente de atividades/discussões para apoiar o trabalho da ICPA. Por último, mas não menos importante, destaco nossa revista “Advancing Corrections “, a qual é uma publicação revisada por pares que proporciona um fórum internacional para a divulgação de novas pesquisas, políticas e práticas relacionadas ao avanço nos sistemas prisionais em todo o mundo e está em sua 4ª edição.
O ICPA continuará existindo para promover as melhores práticas em um mundo onde enfrentaremos desafios maiores do que nunca.
O que o Sr. comenta sobre a evolução da ICPA e como a vê no futuro?
PS: A ICPA tem uma base forte e um futuro promissor. Estamos crescendo e constantemente fazendo mais e mais; agora temos uma rede de milhares de profissionais penitenciários e uma série de iniciativas e eventos para atendê-los.
Há dois anos, apresentamos nossas metas estratégicas para os anos seguintes e identificamos três prioridades fundamentais, incluindo “realizar conferências de nível mundial”, “facilitar a formação de liderança transformadora” – que foi iniciado na África – e “facilitar a implementação e o desenvolvimento de intervenções baseadas em evidências”.
Estabelecemos essa visão global para orientar nosso caminho para o futuro. Espero que a ICPA continue sendo reconhecida internacionalmente por inspirar organizações, voluntários, grupos e indivíduos a avançar nos princípios e práticas dos serviços penitenciários profissionais baseados em evidências; e para capacitar profissionais, funcionários de prestação de serviços, formuladores de políticas, academia e fornecedores do setor privado para serem criativos, valorizar todas as ideias e aceitar e aprender com os erros.
A ICPA funciona como uma plataforma global que permite a inovação de abordagens, ideias e soluções voltadas para o desenvolvimento, implementação e monitoramento de serviços penitenciários profissionais orientados para os profissionais da área.
Estamos planejando nossa conferência de 20 anos, que acontecerá nos dias 21 e 26 de outubro de 2018, em Montreal, Canadá. Esta será uma grande oportunidade para moldar o futuro da Associação pelos próximos 20 anos.
Peter van der Sande
Presidente da Associação Internacional de Serviços Prisionais e de Correção (ICPA)
Peter van der Sande é presidente da ICPA desde 2011. Antes de ser eleito presidente, foi diretor-geral da Organização de Instituições de Custódia da Holanda por doze anos, gerenciando prisões, instituições penitenciárias para menores infratores e centros psiquiátricos forenses. Antes, trabalhou em vários cargos de gestão no governo dos Países Baixos por mais de duas décadas.