Artigo
Margarida Damas e Sara Afonso
Radicalização e as dificuldades de adaptação pós-prisão
A necessidade de avaliar e intervir: Como apoiar e provocar mudanças?
Como resultado, o foco deve ser mudado da avaliação do risco de extremismo violento para a compreensão da propensão de engajamento em pensamentos radicais e comportamentos extremistas.
Ao usar a noção de vulnerabilidade em vez de risco, o foco é colocado em um processo aberto e fluido entre o indivíduo recém-libertado e seu ambiente, com diferentes possibilidades, mas sem um resultado certo, no qual o potencial de aderir ao pensamento radical e de se envolver em atividades extremistas deve ser visto como uma vulnerabilidade de reentrada. Ao fazer isso, qualquer noção de predisposição rígida ou inata é deixada de lado, atenuando as percepções frequentemente negativas associadas à noção de risco.
O que e como avaliar
Em um contexto tão complexo, é necessária mais atenção, pois todos os esforços de avaliação devem ser projetados para evitar que o indivíduo perca seu senso de autonomia, liberdade e agência, fazendo com que se sinta impotente e desanimado. Isso significa que o indivíduo vulnerável deve ser continuamente incluído no processo de avaliação, ajudando-o a se sentir ouvido e validado e, em última análise, aumentando sua capacidade de ação e reforçando seu compromisso voluntário de garantir um caminho de reintegração benéfico (Cherney, 2021).
Ao seguir essa abordagem abrangente, evita-se mais estigma e categorização socioestrutural, o que, por um lado, deixa mais espaço para o avaliador mobilizar a discrição profissional e, por outro, reconhece como os indivíduos anteriormente detidos são seres sociais complexos que não podem ser reduzidos a avaliações e pontuações lineares (EPEX, n.d.).
De fato, as preocupações simbólicas devem ser mantidas no centro da avaliação (Hanson, 2009), pois a linguagem usada para comunicar uma possível propensão a aderir a ideias radicais e comportamentos extremistas pode ter uma repercussão clara nos resultados da intervenção e da reintegração. A prática comum de categorizar o risco como baixo, moderado ou alto, sem fornecer orientações claras e específicas sobre como mitigá-lo, pode, em vez disso, prejudicar os esforços de intervenção (Hanson, 2009).
Dessa forma, ao trabalhar em um ambiente pós-liberação, no qual o foco deve ser a promoção da reintegração e o gerenciamento de qualquer desafio que surja, os procedimentos de avaliação devem auxiliar e inspirar medidas de apoio de acompanhamento, promovendo, assim, uma intervenção personalizada.
Portanto, em vez de confiar em uma pontuação geral e em um resultado centrado no risco, é importante identificar e sinalizar as dimensões específicas que exigem intervenção, avaliando sua relevância para o plano de gerenciamento de caso do indivíduo, personalizando o suporte fornecido de acordo com suas necessidades exclusivas.
A iniciativa R2COM: Desconstruindo o risco com ferramentas e conhecimentos fundamentados
Portanto, o projeto R2COM tem como objetivo promover e aprimorar o envolvimento de organizações não governamentais na prevenção e combate ao extremismo violento, principalmente no acompanhamento/prestação de cuidados posteriores a indivíduos recém-libertados. A iniciativa buscará isso aprimorando as competências dos profissionais das ONGs na área com programas e materiais de treinamento sustentáveis, personalizados e voltados para as necessidades.
Referências
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Margarida Damas
Margarida Damas ingressou na IPS_Innovative Prison Systems como consultora e pesquisadora em 2021, sendo designada para o Portfólio de Radicalização, Extremismo Violento e Crime Organizado, onde trabalha em vários projetos, principalmente focados na promoção da integração comunitária e do desenvolvimento social. Margarida é licenciada em Criminologia pela Universidade do Porto e mestre em Sociologia, com especialização em Direitos Humanos pela Universidade ISCTE, tendo um interesse especial de investigação no ajustamento pós-prisão e na integração social de grupos socialmente excluídos.
Sara Afonso
Sara Afonso é Diretora de Inclusão Comunitária e Desenvolvimento Social da IPS_Innovative Prison Systems, onde trabalha em projetos centrados na comunidade para a prevenção da radicalização, do extremismo e de fenômenos adjacentes. Sara é Bacharel em Criminologia pela Universidade do Porto e Mestre em Terrorismo, Crime Internacional e Segurança Global pela Coventry University, com foco nos tópicos de desvinculação e desradicalização, bem como na reintegração de ex-extremistas ou terroristas na comunidade.