Colocar os bois na frente da carroça: esta seria uma analogia adequada para a abordagem de algumas organizações para a transformação digital. Muitas vezes se inicia um processo de implementação de tecnologia – enquanto os bois (a estratégia de negócios) nem sequer foram colocados. A transformação digital deve ter um propósito, a digitalização não é um fim em si.
Deve-se começar com a missão de uma organização e sua estratégia, sua razão de ser, seus funcionários e percepções significativas a partir de investimentos cruciais em dados. Somente assim a empresa pode ter condições para iniciar sua jornada de transformação digital. Buscar oportunidades para inovar significa compreender todas as interações com serviços penitenciários e processos operacionais experimentados pelos infratores e outras partes interessadas. Este artigo compartilha algumas ideias sobre a jornada de transformação que o Serviço Penitenciário do Canadá (CSC, por sua sigla em inglês) empreendeu, e qual o papel a tecnologia digital desempenhará em seu percurso.
À medida que as experiências digitais do público em geral no setor privado evoluírem, também evoluirão suas expectativas nos serviços governamentais. O CSC pôde cumprir melhor suas expectativas adotando um modelo operacional com os valores dos cidadãos na sua essência.
A revolução digital oferece a oportunidade de mudar fundamentalmente a forma como a tecnologia pode apoiar o sistema penitenciário ao proporcionar soluções baseadas em plataformas. Soluções que exigirão uma reformulação de como os serviços e operações do sistema prisional são projetados e gerenciados. No Canadá, a administração prisional está cada vez mais complexa; há uma taxa crescente de problemas de saúde mental que afetam os infratores, além de uma população cada vez mais diversificada e envelhecida de infratores. Estas são apenas duas tendências que estão levando o CSC a considerar como pode desempenhar seus serviços de forma diferente para atender a uma população de infratores em mudança.
Quando conexões claras são feitas entre resultados penitenciários e tecnologia, esta pode permitir e inspirar a transformação. Por exemplo:
- Como a habilitação de tecnologia, como a computação pessoal, melhora as opções e resultados de programas de ressocialização de infratores? Isso pode melhorar a preparação para que os infratores deixem as instituições e sejam reintegrados à comunidade?
- Como melhorar a segurança institucional geral usando aprendizado de máquina, que antecipa situações violentas e movimentos dos contrabandos?
Para que a tecnologia da informação agregue valor aos seus parceiros operacionais, ela deve reconhecer que a prestação de serviços e os processos operacionais devem responder continuamente ao ambiente e às necessidades daqueles que utilizam ou são afetados por nossos serviços.
O CSC deve se transformar, mantendo em paralelo sua missão principal de melhorar os resultados dos infratores e manter a segurança pública. No século XXI, a transformação é digital e se uma organização não for digitalmente habilitada, ficará defasada na prestação de serviços e na excelência operacional: na realidade, não há opção fora da revolução digital.
O que é uma estratégia digital?
Uma estratégia digital é vista como uma lente para a estratégia de negócios. Refere-se à criação de resultados positivos para os negócios usando ativos e recursos digitais. Normalmente, uma estratégia digital se concentra no SMAC : as tecnologias sociais, móveis, analíticas e em nuvem, mas também pode incluir Internet das Coisas, aprendizagem automática, impressão 3D e a tecnologia blockchain, e como elas podem ser usadas para criar ou melhorar os recursos de negócios existentes. A estratégia de negócios é necessária para definir quais recursos digitais são requeridos; fundamentalmente o gerenciamento de informações em TI não é mais a função ‘automação’, é o driver para o engajamento contínuo estratégico com o parceiro, trazendo proativamente as oportunidades aos parceiros operacionais sobre como tecnologias e plataformas emergentes podem transformar a forma como prestamos serviços.
No CSC, ter uma compreensão das necessidades dos parceiros operacionais significa dialogar com todos os setores responsáveis por todas as necessidades do infrator, desde as próprias operações até a política, serviços corporativos e funções legais. Significa conversar com os funcionários diretamente responsáveis pelos programas de ressocialização, pela segurança e pela prestação de serviços para entender como eles executam suas funções hoje e quais as oportunidades que eles veem a partir de evidências. Significa conversar com nossos parceiros sobre qual a melhor forma de compartilhar informações e conhecimentos no campo da segurança pública como um todo.
Podemos adotar uma abordagem metodológica para compreender a jornada de nossas partes interessadas através de nossas operações e serviços hoje; o que funciona, o que não funciona, e o que é ineficiente ou ineficaz. Seguindo esse caminho e utilizando dados de qualidade, como nossa base contínua para medir nossas melhorias, temos a oportunidade de criar resultados mensuráveis e que possam estar diretamente ligados à nossa missão de segurança pública e de melhorar os resultados para os infratores.
O CSC investiu em alguma habilitação digital onde a proposta de valor era clara. Foi introduzido um Aplicativo da Vítima que fornece informações em tempo real às vítimas sobre a sentença e a data de soltura de seu agressor. Este é um grande exemplo de como o digital pode criar uma conexão necessária e segura para as partes interessadas.
No entanto, para que o digital seja verdadeiramente poderoso, não deve se resumir em um investimento singular, nem em uma adição ou complemento para as operações existentes. Para aproveitar totalmente uma estratégia digital, o CSC deve analisar todas as suas operações, programas e serviços para ver o quão diferente eles podem ser realizados e como os resultados de processos e atividades habilitados digitalmente pode criar novas perspectivas e gerar maior valor e resultados.
A oportunidade digital através do sistema penitenciário existe em todos as partes, desde o monitoramento até supervisão dos infratores enquanto estão presos, o que realmente não mudou desde 100 anos atrás, a supervisão da comunidade, em que as tornozeleiras são a extensão de uma solução habilitada para tecnologia.
Dados como base de uma estratégia digital
A avaliação do desempenho e dos resultados em relação aos objetivos só pode ser alcançada com uma abordagem abrangente de coleta, gerenciamento e análise de dados. Os dados se referem tanto sobre os resultados do infrator quanto sobre a operação e a prestação de serviços.
O CSC começou com o básico do gerenciamento de dados: sabemos que os temos, como eles são armazenados e como estão conectados? Os dados estão no centro da estratégia digital. As organizações precisam avaliar os dados, incluindo medição de desempenho e inteligência comercial para marcar seu ponto de partida e avaliar o progresso em relação a seus objetivos. Tudo isso é importante a fim de aproveitá-los para obter informações e, em última instância, tomar decisões comerciais fundamentadas.
A confiança e a segurança dos dados são essenciais para todas as organizações hoje, mas talvez seja maior no caso de departamentos de segurança pública, como o CSC. O termo confiança digital* (definição por Gartner, 2017), diz respeito a:
- Os infratores, por meio de consentimento informado, confiam que as informações sobre eles serão precisas, confidenciais e apenas disponíveis para aqueles com necessidade de saber ou onde permitido para interesse público;
- A capacidade de antecipar comportamentos e perfis individuais oferece benefícios claros. Essas técnicas podem ir longe demais quando se trata de direitos de infratores. O movimento de um criminoso deve ser restringido antes mesmo de cometer um crime? Como equilibrar os direitos do infrator com os do sistema penitenciário?;
- Os canadenses confiam que as decisões sobre os infratores e sua privacidade de dados estão sendo tomadas no melhor interesse da segurança pública, e;
- Que o governo tem confiança de que sua infraestrutura é robusta e protege o sistema prisional contra ameaças à segurança, permite a criptografia de dados quando necessário e evita vazamentos externos e internos.
Construir a confiança digital e, portanto, gerenciar o risco digital é um aspecto crítico da estratégia de investimento em dados do CSC.
Uma cultura e uma força de trabalho que apoiem o mundo digital
E as pessoas e a inovação? Mesmo com as últimas e maiores tecnologias, as transformações digitais fracassam sem a cultura e as pessoas certas trabalhando juntas para pensar de forma diferente sobre seus negócios. Deve-se reconhecer que a cultura do CSC requer uma gestão consciente para impulsionar a colaboração entre empresas e a identificação de oportunidades. A organização precisa se adaptar continuamente, responder a novos serviços e exigências operacionais emergentes e aceitar que a transformação através da inovação só é bem-sucedida através de uma jornada compartilhada. As organizações precisam pensar deliberadamente sobre a mudança e a necessidade de se posicionar para administrá-la de forma eficaz.
A função tecnológica do CSC está atualmente investindo em atividades críticas de gestão de talentos, como desenvolver competências fundamentais do futuro e entender as habilidades de sua força de trabalho hoje. A natureza de mudanças do profissional de TI é tal que, em vez de apenas focar no aprendizado de uma linguagem de programação, ou uma aplicação tecnológica, os profissionais serão desafiados a integrar várias habilidades digitais, entendendo o software como um serviço e o processo de automação de negócios. Esse serviço mais complexo e o papel orientado ao cliente realmente exigirão uma força de trabalho que desenvolveu e investiu na aprendizagem como uma competência central.
Conclusão
Apesar da mudança gradual para o governo digital e do investimento contínuo em infraestrutura, há barreiras aos sistemas prisionais habilitados digitalmente. Por exemplo, semelhante a muitos de seus colegas do departamento federal, os sistemas herdados do CSC são soluções tecnológicas projetadas em uma época diferente e não atendem mais às necessidades de um sistema prisional de dados sob demanda cada vez mais complexo. Além disso, embora os dados tenham um papel crucial na transformação digital de uma organização, as instituições precisam modernizar sua abordagem para aproveitá-los e assim obter ideias e melhorar a tomada de decisões.
Enquanto essas restrições podem ser superadas, para que a transformação digital alcance os benefícios esperados, o CSC precisa mudar sua mentalidade para investir em seu esforço de transformação empresarial; quais são as oportunidades possíves – como a tecnologia pode inspirar mudanças e transformação? Além disso, quais são os problemas a serem resolvidos para cumprir sua direção estratégica e missão? A articulação clara disso ajudará a fazer os investimentos certos em plataforma digital.
A jornada do CSC tem sido orgânica, pois líderes da organização repensaram a gestão do sistema prisional e como fazê-la de forma diferente para melhorar os resultados. Estamos focados em melhorar nossas bases de dados. Estamos avaliando os talentos e habilidades de nossos funcionários. Planejamos executar mudanças de modo incremental para aproveitar o aprendizado iterativo e sua aplicação para oportunidades digitais. O CSC está aprendendo à medida que aborda as oportunidades e investimentos necessários no admirável novo mundo digital.
//
Simon Bonk é o Diretor de Informações do Serviço Penitenciário do Canadá (CSC). Em sua função, é responsável pela relação com parceiros para identificar oportunidades onde a habilitação de serviços de tecnologia e gestão da informação possa enfrentar desafios de negócios. Bonk gerencia uma força de trabalho de aproximadamente 550 funcionários e empreiteiros. Também possui especialidade em gestão financeira de TI, o que ajuda a apontar como os investimentos em TI se alinham com a missão e as prioridades da organização.