// Entrevista: Francesco Basentini
Diretor-Geral do Departamento Penitenciário, Itália
JT: Há cinco anos, a Itália começou a trilhar o caminho de uma reforma penitenciária quando o então presidente da República enviou uma mensagem às Câmaras de que a questão prisional seria considerada um “tema quente a ser abordado em pouco tempo”. O Tribunal Europeu de Direitos Humanos condenou a Itália pelo “mau funcionamento crônico de seu sistema penitenciário” em uma sentença datada de 8 de janeiro de 2013 – a decisão de Torreggiani. Em 2018, a reforma prisional foi cancelada após a mudança de governo e apenas a reforma da Justiça Juvenil entrou em vigor.
A reforma prisional é algo que está nos planos do novo governo?
FB: Não há planos de reforma até o momento. Certamente precisamos mudar, mas as reformas devem deixar uma marca, em vez de ser uma união de ideias confusas. Acima de tudo, precisamos melhorar os resultados do sistema penitenciário, em vez de falar sobre reformas em geral.
Há meses venho viajando pelas nossas prisões,, com reuniões específicas com todos os superintendentes, comandantes da Polícia Prisional, educadores, cooperativas de trabalho e diretores de institutos, com o objetivo de identificar as necessidades de eficiência no âmbito administrativo.
Meu objetivo é aumentar os resultados que não requerem intervenções legislativas ou, em todo caso, níveis mínimos de decisões políticas. Isso é algo completamente novo que nunca foi feito antes.
JT: Os dados mais recentes do SPACE I mostraram que a Itália está acima da média da União Europeia (UE) no que diz respeito à taxa de suicídio por 10.000 presos – a taxa da UE é de 5,5, enquanto a da Itália é de 7,4.
Como o Sr. comentaria sobre esses dados preocupantes?
FB: Eu concordo parcialmente com os números, mesmo que haja países europeus onde as taxas são muito mais elevadas. Mesmo os países do norte da Europa, que oferecem qualidade de vida e indicadores de civilização extraordinários, nem sempre são modelos a serem seguidos quando se trata do número de suicídios na prisão.
Há um problema sério na Itália que está relacionado, sobretudo, com a trajetória não só de vida, mas também com a saúde de muitos dos presos. A Administração Penitenciária não lida com cuidados de saúde, especialmente cuidados psiquiátricos. Há muitos problemas com adaptação e angústia existencial nas prisões, mas, infelizmente, essas questões são supervisionadas pelo órgão regional que tem competência no campo da saúde e é algo em que, obviamente, não podemos intervir tanto quanto gostaríamos.
O Sr. poderia nos falar sobre a situação atual do monitoramento dinâmico nas prisões italianas?
FB: Um esquema dinâmico de vigilância está sendo implementado em cada Instituto Penitenciário, de acordo com os métodos que o diretor penitenciário decidiu utilizar, criando assim uma série de sistemas autogerenciados. Digamos que havia um desejo de recorrer a soluções que provavelmente era pouco sofisticadas a fim de respeitar a decisão de Torreggiani [1].
O número total de metros quadrados disponíveis nas prisões dividido pelo número de detentos, dá uma razão numérica que atende perfeitamente o que foi imposto pela decisão de Torreggiani.
O monitoramento dinâmico não se trata apenas de áreas espaciais e números, mas também muitas outras coisas, como nosso compromisso com os presos em relação a como ocupamos seu tempo e a maneira como os ajudamos a dar sentido à vida, mesmo que estejam detidos. Portanto, a decisão de Torreggiani é apenas uma pequena parte de todo o sistema. É por isso que pretendo fazer um manual para estabilizar a ideia de vigilância dinâmica.
A vigilância dinâmica é definida como um “regime aberto”, em que o confinamento em celas fechadas é limitado apenas à noite. Durante o dia, a partir das oito horas da manhã, todas as celas de todos os detentos de baixa e média segurança ficam abertas e os presos são livres para se mover e interagir em suas alas, onde apenas câmeras de CFTV monitoram suas atividades.
A polícia penal permanece fora dos portões das alas. Eles entram ali apenas para acompanhar os detentos em suas diferentes atividades ou para tarefas muito específicas. Este modelo de gestão deveria integrar um plano reforçado de atividades de ressocialização com objetivo de garantir aos presos mais atividades sociais e de reintegração.
Não há planos de reforma até o momento. Certamente precisamos mudar, mas as reformas devem deixar uma marca, em vez de ser uma união de ideias confusas.
JT: Embora a população carcerária tenha reduzido significativamente no período pós-Torreggiani, houve um aumento no decorrer de 2016 e, segundo o relatório da Comissão de Prevenção da Tortura (CPT) (2017)23, a superlotação persiste.
Até que ponto o aumento da população carcerária compromete o progresso que já havia sido alcançado ?
FB: Nossos dados se diferem dos dados da CPT. Nossos cálculos a médio prazo indicam que, entre 2011 e 2018, a população carcerária evoluiu de 66.897 (com capacidade de 45.700 vagas) para 59.275 (com capacidade de 50.622 vagas). Assim, o número de detentos diminuiu e a capacidade aumentou. Além disso, temos novas unidades sendo construídas.
Que desenvolvimentos tecnológicos estão ocorrendo no sistema prisional italiano?
FB: A tecnologia é uma excelente aliada do mundo prisional, mas também um de seus piores inimigos. Por exemplo, o uso de drones para atividades criminosas, como o repasse de mercadorias ilícitas dentro de instalações prisionais. A tecnologia pode nos ajudar a interceptar esses drones, no entanto, é particularmente caro fazer isso. Temos 190 prisões que utilizam tecnologias de interferência para combater drones.
Em relação a outras implementações tecnológicas, no norte da Itália, em particular nas prisões de Triveneto, um novo modelo de “prisão tecnológica” está sendo testado. Está entre as mais avançadas do mundo e é resultado de uma parceria público-privada.
Além disso, o novo Laboratório Experimental de Pádua (o ELPeF, por sua sigla em inglês), iniciou experimentos muito avançados (veja o caso aqui). Como os estudos e testes experimentais ainda não estão concluídos, não posso fornecer detalhes, dadas as implicações legais e políticas, bem como os aspectos de segurança.
Com o novo Decreto de Segurança que acaba de ser aprovado pelo Parlamento, toda esta estrutura tecnológica de transformação prisional já começou a tomar forma.
A partir dos desenvolvimentos em Pádua, posso assegurar que as instituições penitenciárias italianas, pelo menos as mais avançadas, tenham processos tecnológicos que mudarão o perfil do sistema penitenciário nos próximos anos. Os fundos europeus são o nosso desafio para este novo horizonte.
[Entre 2011 e 2018] (...) o número de presos diminuiu e a capacidade aumentou. Além disso, temos novas infraestruturas sendo construídas.
JT: O autor do ataque terrorista em Berlim, em dezembro de 2016, supostamente seguiu uma violenta ideologia radical enquanto estave preso na Itália (Fonte: The Washington Post, suspeito de ataque ao mercado de Berlim foi radicalizado em uma prisão italiana, 22 de dezembro de 2016).
Que tipo de estratégia e ações estão sendo implementadas para enfrentar a radicalização violenta nas prisões italianas?
FB: A Polícia Penitenciária e muitos outros são responsáveis pela observação e monitoramento dos presídios, o que resulta em um grande volume de informações de todos os tipos. Quando não são informações prioritárias ou que automaticamente não têm relevância criminal, mas que dizem respeito a sujeitos em risco de radicalização ou proselitismo islâmico extremista, elas são imediatamente comunicadas à Autoridade Judiciária, a outros órgãos competentes e a todos os outros órgãos de aplicação da lei.
O sucesso da Itália na prevenção da radicalização nas prisões é precisamente a troca de informações. A competência dos órgãos judiciais responsáveis e a competência administrativa da autoridade municipal, além da autoridade governamental de assuntos de expulsões, andam lado a lado, em vez de conflitantes.
Se houver a hipótese de um crime, é iniciada uma investigação ou processo criminal a partir das informações coletadas na atividade preventiva dos promotores e defensores públicos. Podem ser aplicadas medidas administrativas, quando não houver materialização do delito, mas a inteligência sugere que o sujeito está envolvido em possíveis atividades de proselitismo ou, em todo o caso, é um indivíduo em risco de radicalização. Neste último caso, as informações são passadas à autoridade administrativa ou governamental para ordens de expulsão.
Até que ponto a legislação antiterrorismo atual apoia o sistema prisional?
FB: O problema da radicalização violenta está avançando cada vez mais. Certas estruturas e institutos regulatórios foram criados adequadamente em “um clima de emergência total”. Quando as leis são desenvolvidas no campo da emergência, há um risco inevitável de se adotar uma redação particularmente generalizada , como é o caso da legislação vigente. A abordagem de cada país europeu é remover o cidadão em risco de seu território, mas não proteger a comunidade europeia como um todo.
JT: As pessoas que estão sob o radar da observação da radicalização não são transferidas para seus países de residência ou para outro país na Europa, e em particular, as informações não são transcritas nos certificados de transferência exigidos pelas Decesiões-Quadro Europeias.
Essa é uma boa política?
FB: Considero uma prática totalmente incorreta. A abordagem adotada por todos os órgãos da UE em geral, bem como por cada país em termos de investigação e combate à radicalização, é totalmente improdutiva. Não há modelo para a circulação e troca de informações e, sobretudo, não há modelo de raciocínio, reflexão e avaliação e, por último, mas não menos importante, não há modelo de decisão final que deva ser comum. Na prática, torna-se simplesmente a lógica de mover o risco de um ataque radicalizado para longe da própria fronteira. A Europa não está unida em termos de radicalização.
JT: A Itália é um dos poucos países europeus a ter uma Polícia Prisional com as funções de uma força policial.
Isso é uma vantagem ou deve seguir o exemplo de outros países?
FB: O papel da Polícia Prisional (PolPen) é estratégico devido a existência de atividade criminosa nos presídios, especialmente no que diz respeito às drogas, tráfico internacional, crimes econômicos, etc. Na verdade, a dinâmica do crime organizado nas prisões está muito mais viva do que acreditamos. De fato, deveríamos estabelecer observatórios de pesquisa sérios nas prisões, que deveriam ser de responsabilidade exclusiva da PolPen.
A PolPen é uma autoridade de tratamento que observa, protege e supervisiona. Creio que sua experiência e profissionalismo devem ser devidamente valorizados na Europa. Algumas propostas foram formalizadas para a criação de setores da Polícia Judiciária no Ministério Público. Precisamos da oportunidade de lidar com as atividades de investigação relacionadas a crimes ocorridos dentro dos presídios.
Colocar a PolPen sob o controle de outra força policial deve ser categoricamente descartado. Talvez unir todas as forças policiais seria um ato de maturidade que é impossível na Itália. Atualmente, somos também o único país com quatro forças policiais. O modelo italiano de forças policiais altamente especializadas com habilidades diferenciadas, é a carta na manga na luta contra o terrorismo e o crime organizado.
A PolPen é um dos nossos pontos fortes e é um modelo a ser exportado para a Europa. Não é por acaso que, a partir de 2019, um grupo de 20 pesquisadores selecionados trabalhará em conjunto com a Procuradoria Nacional contra a máfia e o terrorismo nas investigações mais intensas, integrando as ações dos Carabinieri, a Polícia Estadual e da Guardia di Finanza (Polícia Financeira). Isso nunca aconteceu antes.
[1] Torreggiani e outros contra Itália 43517/09 (ECHR, 08 janeiro 2013): o Tribunal Europeu de Direitos Humanos condenou a Itália por violar o artigo 3º da Convenção Europeia sobre Direitos Humanos devido às condições carcerárias vivenciadas por sete detentos. Eles foram forçados a compartilhar celas medindo nove metros quadrados com outros dois detentos, deixando-os com três metros quadrados de espaço de convivência cada um. A ECHR obrigou o Estado a implementar as medidas necessárias para preservar os direitos dos requerentes e de outras pessoas na mesma situação.
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Francesco Basentini, formado em Direito, foi nomeado diretor do Departamento Penitenciário Italiano em junho de 2018. Anteriormente, foi promotor adjunto na corte de Potenza, com funções contra a máfia e o terrorismo – esteve envolvido em casos famosos de corrupção no setor petrolífero. Seu cargo possui as mesmas responsabilidades previstas para o Chefe de Polícia, o Comandante Geral da Guardia di Finanza e o Comandante Geral dos Carabinieri e lhe dá direito a um lugar no Comitê Nacional de Ordem e Segurança.