// Entrevista: Nela Kuburovic
Ministra da Justiça da República da Sérvia
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JT: Soubemos que o Ministério da Justiça da Sérvia está desenvolvendo um Plano de Ação e uma Estratégia Nacional de Reforma Judicial.
Pode nos dizer mais sobre esses documentos e como eles resultarão em mudanças no sistema penitenciário sérvio?
NK: Em 2013, a República da Sérvia adotou uma Estratégia Nacional de Reforma Judicial para 2013-2018 e um plano de ação correspondente. Esses documentos estratégicos forneceram uma base para a elaboração de um Plano de Ação – chamado Capítulo 23 – abrangendo três grandes áreas: judiciário, anticorrupção e direitos básicos. A qualidade da implementação das atividades e medidas desse capítulo impactará o progresso da Sérvia no processo de negociação, pois a abertura do Capítulo 23 inicia as negociações com a União Europeia (UE) e é o que as encerrará. A reforma do sistema de sanções penais também faz parte da reforma judicial. Em todos os países, as prisões são o terceiro aro na cadeia de proteção da sociedade. Consideramos que as prisões são tão importantes quanto a polícia ou o exército.
O trecho da Estratégia Nacional de Reforma Judicial para 2013-2018 que se refere ao estabelecimento de um sistema eficiente e sustentável de execução de decisões judiciais, sublinha certas prioridades da reforma do sistema de execução de sanções penais.
Essas prioridades incluem o desenvolvimento de infraestrutura ou o aumento e a melhoria das condições de alojamento para as pessoas condenadas e detidas, o respeito aos direitos humanos, a assistência adequada à saúde, a proteção de grupos vulneráveis, a segurança, condições humanas, o desenvolvimento adicional e a aplicação mais ampla de sanções alternativas, melhorando a eficiência do tratamento, a formação e a contratação dos condenados, incluindo a introdução de um novo e mais avançado programa de formação de funcionários.
Essas áreas foram definidas detalhadamente por meio da Estratégia de Desenvolvimento do Sistema de Sanções Penais até 2020, que foi elaborada com o apoio da Missão OSCE para a Sérvia, e adotada pelo Governo sérvio no final de 2013.
Em consonância com esses documentos estratégicos, as atividades prioritárias para a aplicação de sanções penais representam um novo desenvolvimento do sistema de proteção da sociedade contra a criminalidade. Isso só pode ser alcançado através de uma melhoria contínua das condições sob as quais as sanções são afetadas, e da aplicação do tratamento moderno sobre os condenados por sua reintegração bem-sucedida à sociedade e a redução da taxa de reincidência.
No campo da Justiça, em geral, e no que diz respeito à justiça criminal, em particular, a Sérvia está em conformidade suficiente para integrar a União Europeia em um futuro previsível?
NK: O capítulo 23 é o mais complexo e mais difícil do processo de negociação com a UE. O que separa a Sérvia de outros países que finalizaram suas negociações ou ainda as estão conduzindo é a sua maneira totalmente diferente de valorizar o progresso.
A Comissão Europeia avaliará nosso progresso utilizando parâmetros específicos, como o número de casos civis encerrados, decisões finais em casos de crime organizado e corrupção, a duração média dos processos judiciais, etc. Em outras palavras, não será suficiente simplesmente adotar a legislação, mas insistir nos resultados da implementação da legislação.
Embora possa ser um caminho mais difícil, garantirá qualidade e segurança, porque o sistema judiciário sérvio terá sido reformado de uma forma que permitirá que seus cidadãos se beneficiem positivamente. A Sérvia escolheu o caminho da integração europeia sem hesitação. No entanto, a principal razão do Governo para a realização das reformas é o bem-estar dos cidadãos.
Com todas as atividades conduzidas até agora no campo do judiciário e combate ao crime organizado e à corrupção – por sinal, em consonância com o Plano de Ação do Capítulo 23 – posso dizer com confiança que a Sérvia está no caminho certo para implementar as reformas. Até mesmo nossos parceiros europeus confirmaram isso, através de seu apoio aberto em conferências, em relatórios oficiais e em vários projetos sobre o desenvolvimento do sistema judicial que está sendo implementado na Sérvia e financiado pela UE.
No entanto, a Sérvia fará tudo ao seu alcance para cumprir todas as condições para a adesão à UE, mas deve-se ter em mente um fato: a Sérvia, que atende a essas condições, também depende da UE.
A Sérvia escolheu o caminho da integração europeia sem hesitação, mas a principal razão para a realização das reformas é o bem-estar dos cidadãos
JT: A Sérvia tem uma alta taxa de população carcerária, o sistema está funcionando acima de sua capacidade física – cerca de 109% de ocupação – e vem testemunhando um aumento da população carcerária ao longo dos anos, desde o ano 2000. (Fonte: PrisonStudies.org).
Quais são seus comentários sobre esses fatos?
NK: Há cerca de 10.600 condenados e detidos em prisões sérvias, embora sua capacidade mal exceda os 9.800 lugares. À primeira vista, pode-se concluir que as prisões sérvias estão superlotadas, no entanto, ao considerar tudo o que foi feito para desenvolver a capacidade de infraestrutura nos últimos anos, percebe-se que a situação hoje é drasticamente melhor do que era há pouco mais de cinco anos.
No último relatório do Conselho da Europa, a Sérvia foi elogiada pelo seu progresso no aumento das capacidades de alojamento nas penitenciárias. Hoje podemos alegar com razão que não estamos mais “na lista proibida” porque as condições nas prisões sérvias são significativamente melhores do que em alguns países da União Europeia. Nossos dados corroboram essa afirmação: em 2011, a Sérvia tinha uma média de 157,6 pessoas por 100 vagas disponíveis, atualmente, a proporção é de 106,4 por 100.
O Ministério da Justiça tem dedicado esforços para fortalecer as capacidades das instituições prisionais para que as condições de vida dos condenados sejam melhoradas de acordo com as normas da UE e também as condições de trabalho dos empregados. Nos últimos quatro anos, quase todas as prisões da Sérvia foram submetidas a obras de reconstrução ou reforma. Atenção especial foi dada às grandes instalações e ao hospital da prisão.
Atualmente, estão sendo realizadas obras de reforma na ala existente da Penitenciária Feminina de Požarevac e outra nova ala está sendo construída. Da mesma forma, esperamos que a construção de novas instalações para mais três prisões comece em breve e já estamos implementando dois grandes projetos de investimento.
A construção de uma nova prisão em Pančevo com capacidade para 500 pessoas deve ser concluída no início de 2018, e a de uma nova prisão em Kragujevac, que abrigará 400 condenados, começará em 2018.
Em maio de 2017, o governo sérvio adotou uma estratégia para reduzir a superlotação prisional até 2020 devido ao fato de que o aumento significativo das capacidades não foi suficiente para corresponder ao número total de condenados.
Quando todos os projetos planejados de construção e reforma forem concluídos, a Sérvia será um bom exemplo das condições de habitação prisional para outros países, não apenas para a região, mas também de toda a Europa.
Ao mesmo tempo, também temos feito grandes esforços na reintegração social dos condenados. Seguindo as recomendações do Comitê para a Prevenção da Tortura, temos registramos um aumento na porcentagem de detentos envolvidos em ocupações laborais, em aulas ou formação profissional dentro dos presídios.
O que é particularmente relevante é que seus diplomas de graduação não revelam que foram obtidos durante o cumprimento de sua sentença. Dessa forma, diminuímos a chance de serem estigmatizados após sua libertação e permitimos que encontrem um emprego mais facilmente.
Ministra Kuburovic e sua delegação durante uma visita às penitenciárias de Pozarevac, Sérvia
Qual é a situação atual das relações entre a Sérvia e a União Europeia em termos de Justiça, em geral, e em matéria penal, em particular? E como o país pode se beneficiar da cooperação com os Estados da União Europeia?
NK: Estamos recebendo apoio significativo na implementação de nossa reforma judicial de parceiros e instituições internacionais, como a União Europeia, o Banco Mundial, a OSCE (Organização para Segurança e Cooperação na Europa, segundo sua sigla em inglês), etc através de financiamento de diferentes projetos, doações, assistência jurídica.
A União Europeia é um dos maiores e mais importantes parceiros que tem prestado assistência de várias formas, não apenas ao Ministério da Justiça, mas também a todos os outros órgãos e instituições judiciais, para ajudá-los a alcançar seus objetivos.
Um dos projetos mais importantes para o sistema judiciário e para a sociedade em geral é o Projeto IPA 2013 – Prevenção e Combate à Corrupção. O combate à corrupção e ao crime organizado é uma das principais prioridades do Governo sérvio. Há um subcapítulo inteiro do Capítulo 23 dedicado a este assunto.
Em consonância com a implementação das medidas e das atividades definidas nesse subcapítulo, no final de 2016, a Sérvia aprovou uma nova lei sobre a organização e competências das autoridades governamentais no combate ao crime organizado, terrorismo e corrupção. Além disso, também aprovamos alterações ao nosso Código Penal que introduziu sete novos tipos de crimes comerciais e financeiros.
Novas soluções legislativas trazem novidades para a forma como os tribunais e promotores são organizados e conduzidos. Depois de 1º de março de 2018, equipes especiais – uma “força-tarefa” – serão formadas em quatro promotorias do Ministério Público, que abordarão exclusivamente casos de corrupção.
Uma vez que a lei prevê uma reorganização completa do judiciário e capacitação dos órgãos judiciais, foi alocado um período de transição entre sua adoção e a data de execução, para que o sistema se prepare para uma transição efetiva. Isso envolve principalmente a formação de juízes, promotores e policiais. Esta preparação para o início da aplicação da nova lei e o estabelecimento de novas infrações penais em nosso Código Penal só será possível devido ao projeto IPA 13 da UE.
Em termos do sistema de aplicação de sanções penais, também começamos a implementar um novo e grande projeto geminado da UE há alguns meses. O projeto é chamado de “Melhoria da Capacidade do Sistema Prisional” e realmente nos ajudará a implementar atividades definidas pelo Plano de Ação do Capítulo 23. Como parte do projeto, haverá cursos de capacitação sobre a aplicação de programas especializados de tratamento de pessoas condenadas e categorias vulneráveis de condenados (menores, deficientes mentais, viciados, mulheres, pessoas com necessidades especiais, idosos).
Para reduzir a probabilidade de reincidência, será dada uma atenção especial à educação e à capacitação para o emprego, para o aprimoramento das habilidades profissionais das detentas, a fim de que possamos aumentar suas oportunidades de emprego após o cumprimento de suas penas.
Além disso, a segurança das prisões e a equipe médica também receberão formação. Ao final deste projeto, o Centro de Formação da Administração para a Execução de Sanções Penais continuará oferecendo formação a todos os funcionários das unidades prisionais, em consonância com uma metodologia avançada de trabalho e novos programas de formação.
Ademais, o desenvolvimento e o fortalecimento de um sistema alternativo de sanções penais têm sido apoiados pela UE através da aquisição de equipamentos de monitoramento eletrônico. Este projeto em particular avançou com sucesso nosso sistema de sanções alternativas, métodos de trabalho, e aumentou as capacidades do Serviço de Liberdade Condicional.
O sistema prisional é o terceiro aro na cadeia de proteção da sociedade, é tão importante quanto a polícia ou o exército
Como Ministra da Justiça, quais são as coisas que a Sr. decisivamente quer fazer durante o seu mandato?
NK: A Sérvia, sem dúvida, optou pelo caminho da adesão à União Europeia, e isso implica principalmente a harmonização do nosso quadro legal com o Acervo da UE, O corpo acumulado de leis e obrigações da UE de 1958 até hoje., com o Estado de Direito sendo uma de nossas prioridades.
A promoção do Estado de Direito no sentido amplo foi definida por meio das medidas do Plano de Ação do Capítulo 23. Eles incluem o fortalecimento da independência e eficiência judicial, a promoção dos direitos humanos e uma luta sistemática contra a corrupção e a criminalidade.
No entanto, pessoalmente, acho que uma das tarefas mais importantes do Ministério da Justiça é reduzir a duração dos processos judiciais e garantir a todos os cidadãos deste país o direito a um julgamento justo. Devemos recuperar a confiança dos cidadãos no Judiciário e isso, para mim, como Ministro da Justiça, representará um dos maiores desafios no próximo período.
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Nela Kuburović atua como Ministra da Justiça no Governo da Sérvia desde agosto de 2016. Antes desta nomeação, era vice-ministra da Justiça. É formada em Direito pela Universidade de Belgrado. EM 2006 trabalhou como juíza assistente na Primeira Corte de Belgrado e foi secretária no Ministério da Justiça entre 2008 e 2009. Em seguida, mudou-se para o Conselho Superior do Judiciário, como parte do Departamento de Legislação, e, a partir de 2013, como Chefe do Departamento do Estatuto dos Juízes no Escritório Administrativo do Conselho superior da Corte.