Jennifer Oades Parole Canada

Canadá: Quinze mil decisões por ano em favor da segurança pública 

// Entrevista: Jennifer Oades

Presidente do Conselho de Liberdade Condicional do Canadá

 

O que é o Conselho de Liberdade Condicional do Canadá?

JO: O Conselho de Liberdade Condicional do Canadá (PBC, segundo sua sigla em inglês, ou o Conselho) é uma organização do portfólio de serviços do Ministério de Segurança Pública e Proteção Civil. É um tribunal administrativo independente que, sob a Lei Penitenciária e de Liberdade Condicional, tem autoridade exclusiva e discricionaridade absoluta para conceder, negar, cancelar, rescindir ou revogar a atribuição de regime semiaberto ou regime aberto e autorizar ou aprovar permissão de saída e saídas temporárias.

O PBC também pode, por referência, encerrar ou revogar a progressão de pena em liberdade condicional. Além disso, é responsável por impor, modificar ou remover exigências de liberdade condicional sob: saídas temporárias, regime semiaberto, regime aberto, progressão de pena em liberdade condicional e liberdade condicional com supervisão de longo prazo. O PBC também pode ordenar, mediante encaminhamento do Serviço Penitenciário do Canadá (CSC, por sua sigla em inglês), que certos infratores sejam mantidos em privação de liberdade até o fim de sua sentença, o que chamamos de detenção.

Além disso, o PBC toma decisões a respeito de liberdade condicional para infratores em províncias e territórios que não têm seus próprios conselhos de liberdade condicional (apenas Ontário e Quebec têm seus próprios conselhos). Como parte do sistema de justiça criminal canadense, o PBC toma decisões independentes e de qualidade a respeito de liberdade condicional e cancelamento de antecedentes criminais, bem como recomendações para indulto, de forma aberta e responsável, respeitando os direitos e a dignidade tanto dos infratores quanto das vítimas, de acordo com suas responsabilidades e autoridades legais.

Além do mais, o PBC é responsável por tomar decisões para ordenar, recusar o pedido e revogar o cancelamento de antecedentes criminais (também referidos como indultos) nos termos da Lei de Registros Criminais e do Código Penal. Também faz recomendações para o exercício da clemência através da Prerrogativa Real da Misericórdia.

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Como funciona o PBC e como promove a reintegração social dos infratores?

JO: Nossa missão é contribuir para a segurança pública e fazemos isso tomando decisões de qualidade sobre o momento e as condições de libertação de um infrator. A grande maioria dos infratores está cumprindo sentenças fixas e, portanto, retornará às nossas comunidades em algum momento.

Pesquisas mostram que a melhor maneira de contribuir para a segurança pública é liberar gradualmente os infratores através de vários tipos de liberdade condicional – desde saídas temporárias passando pelo regime semiaberto até o regime aberto – nos quais estão sob supervisão para que o risco seja gerenciado e possam ter os mecanismos de apoio com intuito ajudá-los a se tornarem cidadãos cumpridores da lei e se reintegrarem com sucesso em suas comunidades.

A forma como a decisão de liberdade condicional é tomada é a seguinte: os infratores, em determinado momento de sua sentença são considerados aptos para obter liberdade condicional (seja em regime semiaberto ou aberto, dependendo de suas circunstâncias) – isso pode acontecer por uma revisão legislativa ou por um pedido. Algumas avaliações são realizadas por meio de uma resolução em papel, enquanto outras são feitas por meio de uma audiência. Neste último caso, a equipe de gerenciamento de casos do infrator, em particular, o oficial de liberdade condicional do CSC, que ocupa a parte penitenciária do sistema de justiça criminal, apresentará o caso ao Conselho.

A partir daí, o Conselho fará perguntas ao infrator sobre o plano de liberação, sobre o que o infrator aprendeu através dos diversos programas que participou, etc. Se houver vítimas que manifestarem interesse em participar da avaliação, elas podem fazê-lo; e podem também fornecer uma declaração por escrito ao Conselho para ser considerada.

As decisões finais do Conselho levam em consideração todas as informações relevantes e persuasivas – de quais foram as razões do juiz para a sentença, se os programas foram concluídos com sucesso, se houve avaliações de risco psicológico ou psiquiátrico, o que a comunidade pensa sobre o retorno desse infrator, se há mecanismos de apoio disponíveis ao apenado e qualquer contribuição da vítima. O Conselho também pode impor condições à libertação de um infrator.

Existem todos os tipos de condições especiais que podem ser impostas à liberação condicional, como continuar com seu aconselhamento psicológico ou abordar questões de abuso de substâncias.

Em última análise, a proteção da sociedade é a nossa maior consideração, incluindo a questão de se a libertação do infrator contribuiria para a proteção da sociedade ao facilitar sua reintegração à comunidade como cidadão cumpridor da lei. Penso que todos reconhecemos que o caso de alguém que sai da prisão no final de sua sentença, livre e sem supervisão, não traz realmente nenhum benefício para a segurança pública, nem proporciona os apoios necessários para integrar alguém na sociedade.

Audiência de liberdade condicional 

Quem são os membros do Conselho e quais são suas qualificações e formações?

JOQualquer cidadão canadense pode se candidatar para se tornar um membro do Conselho. Não temos muitos membros jovens e isso pode ser porque as nomeações são apenas por um período determinado de tempo. Então a maioria dos membros do Conselho estão mais no final de sua carreira ou já aposentados.

Temos membros do Conselho que trabalharam no sistema penitenciário e pessoas que trabalharam no sistema de justiça criminal, como policiais e advogados. Há também assistentes sociais, psicólogos e pessoas que trabalharam no sistema educacional.

Em última análise, o Conselho é composto por canadenses que refletem a diversidade das comunidades canadenses. Nós proporcionamos formações extensivas aos nossos membros do Conselho, não apenas em nossa lei, mas também sobre  avaliação de risco, populações vulneráveis, saúde mental, infratores indígenas, mulheres infratoras, entre outros. A formação também inclui observar audiências. Pode levar de quatro a seis meses de formação para que os membros do Conselho estejam prontos e confiantes para tomar os vários tipos de decisões exigidas por lei.

Até que ponto o PBC coopera com o serviço penitenciário e com as organizações comunitárias?

JOTrabalhamos em parceria com muitas organizações: obviamente o Serviço Penitenciário do Canadá (CSC) é nosso maior parceiro, é com quem trabalhamos mais estreitamente. Embora existam dois outros conselhos de liberdade condicional no país – o de Ontário e Quebec – para todas as outras províncias e territórios, o PBC é o responsável pela tomada de decisões relacionadas aos infratores provinciais (aqueles que cumprem pena de menos de dois anos).

Temos reuniões regulares com o CSC sobre diversas questões de interesse mútuo e temos colaborado em questões como a criação de um “Portal das Vítimas” – um portal online e seguro que permite às vítimas registradas acessar serviços e informações a que têm direito, nos termos da lei.

Também trabalhamos em estreita colaboração com a Real Polícia Montada canadense – nossa autoridade federal de policiamento – porque o Conselho também é responsável por indultos e cancelamento de antecedentes criminais e há muitas organizações não governamentais, como a Sociedade John Howard, a Sociedade Elizabeth Fry, a Sociedade de St. Leonard, o Exército da Salvação, grupos de vítimas e grupos indígenas, para citar apenas alguns.

Quando tomamos decisões sobre os infratores, queremos saber para onde eles “vão”, quais programas estão sendo oferecidos na comunidade e que tipo de apoio eles têm. É importante que trabalhemos com essas organizações, tanto a nível nacional quanto local, para ouvir suas preocupações e garantir que nossas portas estejam abertas para oportunidades de melhoria contínua na nossa tomada de decisão.

JT: Algumas tendências como o fato de que a grande maioria das ordens de liberdade condicional foram concluídas com sucesso e que, na última década, a taxa de condenação violenta para infratores sob supervisão diminuiu, estão entre os indicadores positivos do desempenho da PBC. (Fonte: 2016  Corrections and Conditional Release Statistical Overview).

Quais são os resultados do trabalho da PBC dos quais a Sra. mais se orgulha?

JOAinda sou relativamente nova aqui, então não tenho certeza de todas as coisas das quais me orgulho. [Risos]. Sei que há algumas coisas que vou esquecer, mas deixe-me mencionar algumas. Em primeiro lugar, nossos resultados em termos de taxas de sucesso de liberdade condicional são bastante impressionantes: no ano passado, 99% dos casos de regime semiaberto e 98% dos de regime aberto foram concluídos com sucesso, sem reincidência. Entretanto , alguns desses infratores poderiam ter sido suspensos por um período de tempo e depois libertados novamente – mas sem reincidir.

Em segundo lugar, o Conselho toma mais de 15.000 decisões de libertação por ano. Atualmente, o Conselho de Liberdade Condicional do Canadá tem uma escassez de membros, por isso sua dedicação e profissionalismo devem ser reconhecidos. Estamos trabalhando para aumentar nosso número de membros à sua quantidade normal, de aproximadamente noventa.

Em terceiro lugar, temos alguns resultados surpreendentes, dado que somos uma pequena organização de 485 pessoas. A equipe do Conselho presta excelente apoio aos conselheiros na preparação dos casos e nas audiências, e também às vítimas, ajudando-as a acessar os serviços e informações que somos legalmente obrigados a fornecer. No ano passado tivemos mais de 32 mil contatos com vítimas, um aumento de 10% em relação ao ano anterior.

As vítimas podem prestar declarações ao Conselho; que consiste em fornecer uma declaração por escrito e apresentá-la (lê-la) em audiências. No ano passado, houve 244 apresentações de depoimentos de vítimas em 149 audiências. Atualmente, há 8.300 vítimas registradas a quem fornecemos informações contínuas sobre a próxima avaliação de um infrator

Nossas taxas de sucesso são bastante impressionantes: no ano passado, 99% dos casos de regime semiaberto e 98% dos de regime aberto foram concluídos com sucesso, sem reincidência.

Existem indicadores que precisam de melhorias e/ou desafios que a Sra. gostaria de ver resolvidos? Como está lidando com eles?

JOHá sempre melhorias a serem feitas. Eu só gostaria de falar sobre duas delas. A primeira diz respeito aos infratores indígenas. Este país tem um passado vergonhoso em termos do que aconteceu com os povos indígenas e das tendências resultantes dentro do sistema de justiça criminal.

Há uma representação desproporcional dos indígenas na prisão: embora representem menos de 5% da população canadense, eles correspondem a 20% da população encarcerada. Para as mulheres isso é pior: cerca de 40% das mulheres encarceradas são indígenas. Esta é uma questão muito desafiadora.

Em todo o governo, houve enormes esforços para abordar uma série de questões que afetam os povos indígenas e  alguns progressos foram alcançados no sistema de justiça criminal. Por exemplo, o PBC introduziu audiências assistidas por anciãos (líderes das comunidades indígenas), o que proporciona um ambiente e abordagem culturalmente apropriados. Além disso, temos audiências assistidas pela comunidade, que são realizadas na comunidade e seguem o formato das audiências assistidas por lideranças indígenas

 

Audiência assistida por anciãos indígenas

Garantimos que os membros do Conselho sejam capacitados para assegurar que a história social aborígine seja levada em consideração em nossa tomada de decisão e na forma como entrevistamos os infratores indígenas. Recentemente, temos capacitado os membros do Conselho sobre o transtorno do espectro alcoólico fetal (FASD, segundo sua sigla em inglês). Precisamos adotar uma abordagem de entrevista diferente ao tratar um criminoso que tem FASD e precisamos entender quais apoios da comunidade estão disponíveis para eles.  

Eu também acabei de criar um novo Comitê Indígena do Presidente que vou presidir. Convidei vários indígenas de algumas de nossas organizações parceiras e também de fora do sistema de justiça criminal com intuito de tentar me informar de coisas que eu não sei e “apertar os parafusos” para melhorar ainda mais nossa resposta aos infratores indígenas. Eu serei toda ouvidos, neste período que segue.

A outra área que acredito que podemos fazer melhorias é a das mulheres infratoras, o grupo que mais cresce entre a população carcerária. Elas têm necessidades únicas, seu caminho para o crime é diferente. Pesquisas indicam que devemos fazer as coisas de forma diferente quando se trata de audiências – outras jurisdições já estão fazendo audiências de forma bem diferente para as mulheres em relação a dos homens, e eu apoio isso.

Cerca de 90% das mulheres sofreram traumas de alguma forma, seja abuso sexual, físico ou psicológico, portanto precisamos ter mais conhecimento sobre traumas e questões de gênero em termos de como conduzimos audiências de liberdade condicional para esse público. Portanto, vamos olhar para isso e ver o que mais precisamos fazer.

Outras jurisdições já estão fazendo audiências de forma bem diferente para as mulheres em relação a dos homens, e eu apoio isso.

JT: Este ano marca o 20º aniversário do ICPA, uma Associação que a Sra. viu nascer e da qual foi a primeira Diretora Executiva.

O que a Sra. sente por estar envolvida na fundação de uma organização internacional e como essa experiência te ajuda no presente?

JO: Não acredito que 20 anos se passaram! Fui convidada para ser a primeira diretora executiva por um pequeno grupo de pessoas que realmente queriam fazer a diferença. Eu estava tão animada para fazer parte disso. Começamos do zero e não sabíamos realmente o que estávamos fazendo, mas o fizemos e o colocamos em prática.

Eu estive lá nos primeiros cinco anos e a vi crescer, mas na verdade foram os diretores executivos e os membros do conselho que vieram depois de mim que fizeram da ICPA uma das associações penitenciárias mais influentes do mundo. Estou incrivelmente orgulhosa e honrada por ter participado do processo. Não tenho palavras para descrever como esses cinco anos influenciaram a minha compreensão do sistema penitenciário.

A maioria de nós que trabalha no campo criminal/penitenciário/de liberdade condicional tem desafios comuns. Reunir-se e discutir esses desafios e o que as pessoas estão fazendo sobre eles é muito útil. Você não tem que reinventar a roda, porque outras pessoas estão passando ou passaram pelos mesmos desafios.

Através da ICPA, construí uma rede maravilhosa e muito útil. Eu ainda hoje posso pegar o telefone e entrar em contato com a minha rede quando tiver uma pergunta sobre um problema.

E agora que estou aqui, como presidente do PBC, é muito bom saber que essas redes ainda estão vivas e que as pessoas ainda estão querendo ajudar umas às outras. Aprender sobre diferentes sistemas e diferentes abordagens tem sido tão enriquecedor e tem me ajudado a me informar em todo o meu trabalho.

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Jennifer Oades foi nomeada presidente do Conselho de Liberdade Condicional do Canadá em janeiro de 2018. Iniciou sua carreira no Serviço Penitenciário do Canadá (CSC) em 1991, onde ocupou vários cargos, inclusive na área de alternativas penais. Oades liderou a criação da ICPA, em 1998, onde atuou como Diretora Executiva por cinco anos. Ao retornar ao CSC, continuou seu trabalho dentro dos serviços de políticas e intergovernamentais e atuou como Diretora Geral da divisão de Política Estratégica e Relações Intergovernamentais, da divisão de Aprendizagem e Desenvolvimento e como Vice-Comissária para mulheres. Aposentou-se do CSC em 2014. É formada em Antropologia e Estudos Nativos pela Universidade de Trent.


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