Prática Notável – Austrália
Intervenção comportamental em casos de prisão provisória por violência doméstica
Serviço Penitenciário Nova Gales do Sul & Assistência Jurídica Nova Gales do Sul
Em 2016, o Governo de Nova Gales do Sul (NGS) emitiu várias prioridades aos órgãos do setor público para enfrentar problemas insolúveis, como pessoas em situação de rua, suicídio e reincidência. Uma das prioridades era reduzir em 5% a proporção de reincidência de agressores de violência doméstica em um ano.
Uma das estratégias que o Serviço Penitenciário de Nova Gales do Sul (CSNSW, por sua sigla em inglês) iniciou em resposta, foi a parceria com o Serviço de Assistência Jurídica de Nova Gales do Sul, visando estabelecer uma pequena intervenção para os detentos em prisão preventiva que foram acusados de crimes relacionados à violência doméstica.
Mais de 11 mil presos são mantidos sob custódia, em prisão provisória, em Nova Gales do Sul a cada ano, devido à recusa de pedidos de fiança ou incapacidade de cumprir as condições de fiança.
As restrições impostas a presos provisórios de todas as jurisdições da Austrália são semelhantes no que diz respeito à elegibilidade e à participação em programas de reabilitação.
Uma questão significativa na implementação de programas para este grupo de presos é o desconhecimento da duração do período em prisão provisória, agravada pela situação judicial e por exigências de comparecimento ao tribunal.
Galouzis e Corben (2016) constataram que a população de presos provisórios no CSNSW é numerosa e transitória, com 22% passando menos de uma semana sob custódia; 45% menos de um mês; e, 18% passando menos de 30 dias sob custódia antes de receber liberdade provisória sob fiança, sem ter sido condenado a uma pena privativa de liberdade.
Antes de 2016, os detentos de Nova Gales do Sul em prisão provisória recebiam serviços de apoio fundamentais, educação, formação profissional e programas de apoio para questões como abuso de substâncias.
No entanto, os programas de ressocialização específicos para um tipo de crime (criminogênicos) estavam disponíveis apenas para os presos condenados.
A principal restrição para a inclusão de presos em prisão provisória nesses programas é que todos os programas criminogênicos em Nova Gales do Sul contêm um componente de “mapeamento dos delitos” – e não podemos obrigar aqueles em prisão provisória a discutir detalhes da infração enquanto os processos judiciais estão em andamento.
Há também outras limitações em termos de acesso e recursos para os programas, as quais residem no fato de que a maioria dessas unidades de detenção e os funcionários que ali trabalham terem como prioridade problemas relacionados com os tribunais, crises imediatas e problemas de saúde mental.
Dada a alta rotatividade desta população prisional e o tempo limitado sob custódia, o CSNSW modificou nosso programa de 40 horas, existente para infratores presos por violência doméstica e familiar. O programa foi adaptado para a população de presos provisórios com base em evidências de breves intervenções.
A participação no programa completo (1) demonstrou um impacto positivo na redução da reincidência (Zhang et. al. 2019).
A intervenção de Violência Doméstica (VD) em prisão preventiva é estruturada em seis sessões, realizadas em centros penitenciários selecionados em toda Nova Gales do Sul.
São elegíveis para a intervenção, os homens acusados por crimes de violência doméstica (contra um membro da família ou parceira) e/ou quem esteja sujeito a uma ordem de restrição. O nível de risco de reincidência que é atribuído a essas pessoas não faz parte dos critérios na fase de prisão preventiva.
A intervenção tem como foco auxiliar os presos na compreensão de suas circunstâncias jurídicas específicas, relativas à violência doméstica, e oferecer-lhes conhecimentos e capacidades para relações mais saudáveis. Os objetivos são alcançados explorando os seguintes tópicos:
- Enfrentamento – gestão de emoções
- Mudança – identificação do abuso
- Cuidado – estilo de vida saudável
- Comunicação
- Escolhas – planejamento de ações
O programa de violência doméstica em prisão preventiva também oferece aos participantes a oportunidade de entender a importância de uma ordem de restrição e disponibiliza um fórum para tirar dúvidas relacionadas a essas ordens judiciais.
A experiência de nossos facilitadores – e dos profissionais da Assistência Jurídica –demonstrou que uma proporção muito baixa de participantes do programa conhece e entende as condições das ordens de restrição.
Muitos também não estão cientes da ampla variedade de comportamentos que constituem o abuso, incluindo abuso financeiro e digital. A sessão de intervenção que abrange esse tema é muitas vezes aquela em que os participantes mais participam e é muito eficaz quando compartilham suas histórias pessoais.
Muitos admitem que tiveram maus exemplos de como é um relacionamento saudável, seja amoroso ou familiar e que contar com facilitadores focados na modelagem de papéis pró-sociais é importante.
A presença nas intervenções é voluntária, e as pessoas podem participar de quantas sessões as circunstâncias permitirem.
É importante ressaltar que as intervenções não exigem que os participantes admitam a culpa ou se responsabilizem pelas acusações que os colocaram atualmente em prisão provisória.
Enquanto a violência doméstica é discutida, nenhum detalhe das acusações do indivíduo deve ser divulgado.
Um risco identificado para a estratégia foi que as pessoas em prisão provisória (ou nossos colegas responsáveis pela aplicação da lei) entenderiam sua participação no programa como uma admissão de culpa.
Este não foi o caso na esmagadora maioria, a aceitação da participação voluntária superou nossas expectativas. Desde o início, houve 5.685 indivíduos que participaram da intervenção.
Nos últimos 12 meses, mesmo com os impactos da COVID, 549 pessoas participaram de 1844 sessões. A intervenção conta com as habilidades dos facilitadores para trabalhar com qualquer resistência na sala com os grupos. Isso é feito delineando claramente os limites da confidencialidade e as regras do grupo, além de enfatizar qualidades de genuinidade e empatia.
Os facilitadores explicam que não precisamos entender os detalhes das acusações em si, mas que as habilidades que estão sendo discutidas no grupo – como a comunicação eficaz – são universais. Mesmo que um participante mantenha sua inocência, essas habilidades podem ajudá-los a viver uma vida mais feliz e produtiva.
Alguns facilitadores acham que a natureza voluntária da intervenção é um dos maiores benefícios. Adultos encarcerados têm sua autonomia retirada e são altamente controlados no ambiente prisional. É dito a eles quando podem se mover, dormir e comer, que este é o seu plano previsto para o seu caso e, geralmente, que estes são os programas que eles têm de fazer.
O programa de violência doméstica em prisão preventiva permite ao indivíduo escolher se participa da intervenção, não importa sua motivação.
As pessoas que participam da intervenção recebem uma carta que certifica sua participação no programa, que pode ser dada ao tribunal, e sua motivação para participar não precisa ser questionada.
Muitos dos que se voluntariam querem mostrar que estão sendo proativos. Sua motivação pode ser extrínseca, mas ao participar, eles estão expostos a estratégias para construir relações mais saudáveis, habilidades para se comunicar de forma mais eficaz e formas de lidar com os fatores de estresse que podem viver ao longo da vida.
Até o momento, não temos dados que descrevem o impacto da participação no Judiciário e quaisquer decisões para desviar as pessoas de uma pena privativa de liberdade.
No entanto, curiosamente, a intervenção e a disposição das pessoas em participar desta iniciativa são muito bem recebidas pelos tribunais. A avaliação dos benefícios da intervenção está sendo delimitada com nossos parceiros de pesquisa.
Os presos que participaram da intervenção frequentemente a aprovam e influenciam outros detentos em prisão preventiva a virem às sessões para obter a ajuda, se assim considerarem necessária.
Os formulários de feedback preenchidos pelos participantes demonstram gratidão pelo programa. É reconfortante saber que estamos removendo barreiras que impedem intervenção em etapas iniciais.
Se os participantes forem condenados a uma pena a ser cumprida na comunidade ou privativa de liberdade, a intervenção permite que eles tenham uma melhor compreensão e preparação para os programas em que deverão participar, a fim de reduzir o risco de reincidência.
Nota:
(1) Este programa, denominado EQUIPS Domestic & Family Violence, faz parte de um conjunto de cinco programas da EQUIPS os quais são exigidos a infratores de violência doméstica a fim de atender a todas as suas necessidades criminogênicas. EQUIPS corresponde as iniciais em inglês de Explore, Question, Understand, Investigate, Practice e Succeed (Explorar, Questionar, Entender, Investigar, Praticar e Ter Sucesso).
Danielle Matsuo
Danielle Matsuo é diretora da Área de Programas e Serviços para Infratores, do Serviço Penitenciário de Nova Gales do Sul. É responsável por mais de 700 funcionários, que oferecem programas e serviços para as pessoas sob custódia e cumprindo pena na comunidade. Nos primeiros 12 anos de seus 23 de carreira no CSNSW, trabalhou como psicóloga prisional. Está atualmente concluindo um doutorado sobre semelhanças e diferenças entre homens que cometeram crimes de homicídio. Em sua função anterior, Danielle foi responsável pelo desenvolvimento, implementação e monitoramento contínuo da integridade de todos os programas de mudança de comportamento do CSNSW.