// Entrevista: Francisca Van Dunem
Ministra da Justiça de Portugal
Quais os principais desafios enfrentados no processo de reforma da Justiça Portuguesa, em geral, e da Justiça Penal, em particular e quais são as áreas prioritárias de intervenção?
FVD: Numa perspectiva cronológica, um dos principais desafios que foi necessário enfrentar situa-se na área da justiça econômica. É uma área complexa em que, devido à crise econômica que o país atravessou, os processos judiciais tomaram uma dimensão numérica a que os tribunais não tinham condições para responder adequadamente. Tivemos momentos de grande congestionamento dos tribunais nos segmentos das execuções e das insolvências.
Quando assumi este cargo, era urgente reduzir as pendências e melhorar o tempo de decisão dos processos, apontados pelas instâncias internacionais como responsáveis, em grande medida, pela debilidade do tecido econômico e pela menor atratividade de investimento. E, de fato, conseguimos isso e fizemos um trabalho louvável do qual resultou a redução das pendências em mais de 350 mil processos. Essa redução permitiu, óbvia e concomitantemente, melhorar o tempo de resposta dos tribunais.
Ao nível da justiça civil, embora as pendências tenham sido bastante reduzidas, deparamo-nos com problemas de uma complexidade cada vez maior, associados também a questões de natureza econômica e financeira. Os enormes processos contenciosos existentes, associado às graves dificuldades vividas no setor bancário e que levaram à intervenção do Estado, são de grande complexidade e requerem uma intervenção muito técnica em áreas em que os tribunais não têm suas próprias competências técnicas, dependendo muito de assessorias.
Em relação à justiça criminal, a nossa resposta é muito boa para crimes leves e menos graves: os tempos de resposta são bons, as taxas de esclarecimento do crime também e recorre-se muito aos chamados Institutos de Consenso e Oportunidade. O recurso a estes Institutos permite, por um lado, o consenso de respostas que favoreçam a reparação das vítimas e, por outro lado, a utilização de formas simplificadas. Em virtude da estrutura da criminalidade do país (cerca de 70% dos crimes são pequenos e médios) a utilização dessas fórmulas, sobretudo pelo Ministério Público, permitiu-nos obter resultados muito bons.
No que diz respeito ao crime grave e organizado, contra o patrimônio e contra as pessoas, os resultados também são bons, quer do ponto de vista das taxas de esclarecimento do crime, quer ao nível da celeridade do processo e da decisão de julgamento.
Diferentemente, no segmento do crime econômico-financeiro é onde encontramos as maiores dificuldades, associadas à complexidade técnica das matérias, o que leva a prazos maiores para resolução dos processos. Muitos são muito complexos, envolvem muitos agentes e a realidade em causa nem sempre é de fácil compreensão para um jurista. Desse modo, a a assessoria técnica é crítica no esclarecimento deste tipo de criminalidade.
Assim temos aqui, ainda, um desafio que precisamos continuar enfrentando, induzindo melhorias que permitam respostas mais céleres do sistema de justiça, não só nos recursos humanos, que temos reforçado, como em recursos tecnológicos, em que tem havido um grande investimento. Mas é importante revisar os métodos, que incluem as questões da conexão de processos e a das formas de consenso, que têm permitido a outros países decidir mais rapidamente processos desta natureza e complexidade.
Temos claramente um excesso na população prisional. Para tentar responder a esse e outros problemas procedemos a uma alteração legislativa (…) Mas também é verdade que aumentamos a capacidade do sistema
Na justiça penal identificamos também uma dificuldade associada ao sentencing: continuamos a ter 123 presos por 100 mil habitantes, uma taxa que não é compatível nem com a estrutura da criminalidade, nem com os níveis de segurança do país. Basta olhar para países como França ou Itália, que têm taxas de cerca de 102 e de 89 respetivamente. Há ainda muito o que a fazer a este respeito, o que vai implicar, seguramente, em uma sensibilização de magistrados e Conselhos Superiores para uma maior adequação das penas.
Temos claramente um excesso na população prisional. Para tentar responder a esse e outros problemas procedemos a uma alteração legislativa centrada nas penas curtas (até 2 anos de prisão). Até então os magistrados aplicavam a limitação de fim de semana e o regime semiaberto a crimes a que correspondesse pena de prisão até um ano. No caso da primeira, os condenados cumpriam a pena ao fim de semana e, portanto, tornava-se muito difícil encontrar, por esses períodos muito curtos, programas de tratamento e ressocialização. Por outro lado, o semiaberto foi um regime que, existindo na lei, raramente era aplicado.
Assim, foi necessário repensar esse modelo de encarceramento alternativo à prisão de curta duração contínua: passamos a utilizar, como regime de cumprimento das penas curtas de prisão, a prisão domiciliar com monitoramento eletrônico, ampliando assim a extensão da pena curta de prisão de referência de um para dois anos.
A lei entrou em vigor em novembro de 2017, teve muita adesão junto das magistraturas e, portanto, conseguimos, num período muito curto, um nível de aplicação muito significativo. A prisão domiciliar com monitoramento eletrônico já existia como medida alternativa, mas, se de janeiro a outubro de 2017 tínhamos tido 86 casos, nos seis meses subsequentes à aprovação da lei tivemos cerca de 500. Chegamos ao final do ano de 2018 com mais de 700 casos, o que também explica a redução da população prisional.
Agora, podemos dizer que, em termos de média estatística global, o sistema prisional não tem superlotação: temos capacidade de alojamento para 12934 reclusos e existem no sistema 12749, a que corresponde a uma taxa de ocupação na ordem dos 98%. Mas também é verdade que aumentamos a capacidade do sistema em 343 vagas.
Não é possível falar de justiça penal sem considerar a problemática das vítimas dos crimes. No que concerne às vítimas, temos em curso uma pequena reforma que visa reforçar os poderes da Comissão de Proteção das Vítimas de crimes violentos, permitindo que através dela venham a ser criadas e financiadas, em parceria com organizações não governamentais, respostas de apoio e proteção a alguns segmentos de vítimas de crime. Paralelamente, estamos criando condições para que se possam dotar os Departamentos de Investigação e Ação Penal com gabinetes de apoio às vítimas de violência de gênero.
Uma questão transversal a todo o sistema de justiça em Portugal é a necessidade de inovação. Constitui um grande desafio e tem sido uma das prioridades deste mandato. Temos na justiça organizações que remontam ao princípio do século passado, e precisamos de ter organizações do século XXI: seja em prisões, tribunais ou registros (embora, no século passado, esta área tenha passado por intervenções modernizadoras que os outros subsistemas não experimentaram).
Temos trabalhado para introduzir inovação, não apenas na componente tecnológica – com a introdução de automatismos facilitadores do trabalho e indutores de maior comodidade para os cidadãos – mas também ao nível dos processos de trabalho, revendo e introduzindo novas metodologias, racionalizando os circuitos e fluxos documentais. A modernização é uma das grandes marcas que queremos deixar.
Ao nível dos tribunais temos o projeto Tribunal+, integrado no programa Justiça Mais Próxima, o qual visa justamente a aproximação aos cidadãos. Este projeto é composto por um conjunto de componentes, começando com 120 medidas e neste momento tem 150, sendo que muitas delas (mais de 70) já estão concretizadas e, na prática, mudam a forma como se pratica a justiça em Portugal. Mais do que isso, melhoram os meios e mudam o modo como os profissionais de justiça a exercem e, como resultado, os cidadãos usufruem de um modelo mais amigável, mais focado neles e com mais capacidade de transmitir a informação e de a traduzir de forma simplificada.
O que está sendo feito para melhorar a intervenção do Estado ao nível de execução de penas e medidas e de reinserção social?
FVD: O Relatório intitulado “Olhar o Futuro para Guiar a Ação Presente” – um trabalho que fizemos e que incorpora a filosofia de ação do Governo na administração da execução de penas e medidas – integra um plano abrangendo o sistema prisional, o sistema de execução de penas na comunidade e o sistema tutelar educativo.
Por um lado, temos a compreensão de que a fusão da componente penitenciária com a de reinserção social acabou, de alguma forma, por subalternizar esta última e por, eventualmente, alterar o ecossistema no interior do sistema de execução das penas, onde pesa mais a dimensão da segurança do que a vertente da reinserção social dos cidadãos condenados a uma pena privativa da liberdade. E, portanto, a nossa intenção é não permitir que se perca de vista a finalidade e a lógica de intervenção dos serviços encarregados da execução da pena: a reinserção social.
A segurança do meio prisional é uma componente importante, mas, para além do reforço dos meios humanos envolvidos na vigilância dos reclusos, a segurança pode até ser facilitada, racionalizada e melhorada mediante a introdução de novas e melhores tecnologias de vigilância, que permitem atenuar as necessidades de intervenção humana nas tarefas securitárias, ao passo que, a reinserção social, ainda que utilizemos instrumentos tecnológicos, passa muito pelo contato humano e individual da equipe técnica, que é a única capaz de criar uma interlocução e motivar as mudanças comportamentais das pessoas que estão no interior do sistema. São os técnicos que desenvolvem nelas, através de acompanhamento, a vontade de cumprirem planos de reinserção e de encontrarem formas de, uma vez em liberdade, viverem vidas dignas e recompensadoras.
Mas, não obstante, temos ainda, no meio prisional, o desafio da infraestrutura: não podemos focar na reinserção, na forma como pretendemos executar os programas ressocializadores, se as pessoas viverem em condições sub-humanas. Assim, a partir do levantamento das condições de toda a infraestrutura prisional, definiu-se um modelo de ação, um plano para 10 anos (2017-2027).
A maior parte dos estabelecimentos são antigos, não tiveram grandes investimentos de manutenção, a qual, em alguns casos, é difícil e muito onerosa. Existem também questões relacionadas com a localização dos estabelecimentos: por exemplo, em Lisboa, na área metropolitana, temos de equilibrar a resposta carcerária, incluindo nela capacidade da Linha de Sintra (três estabelecimentos) que irá ser reforçada e da margem sul de Lisboa que precisa ser redimensionada com a construção de um estabelecimento prisional de média dimensão. Nos distritos como Braga, Aveiro e Faro é imprescindível termos novas unidades, maiores e mais adequadas.
Neste momento, o sistema tem menos presos em prisão preventiva, o que é uma vantagem (passamos de 30% para 16%) e facilita a organização da vida nas unidades prisionais, mas estas devem oferecer melhores condições do ponto de vista estrutural. Assim, da análise feita no Relatório, conclui-se que oito unidades prisionais deveriam ser encerradas e que deveriam ser construídos cinco novas.
A execução do plano resultou em uma redução significativa da população na unidade prisional de Lisboa – EPL – uma das mais questionadas e que padece de problemas graves, sobretudo nos andares inferiores (denominados “os baixos”). A EPL tinha uma população de mais de mil reclusos e neste momento acolhe cerca de 800; adicionalmente, conseguimos liberar a área “dos baixos”, a qual tinha sido apontada pelo Comitê do Conselho da Europa para a Prevenção da Tortura como um espaço com condições de habitabilidade muito deficientes.
A lógica é fechar esta unidade – ao mesmo tempo que avançamos com a construção de módulos em algumas unidades na área de Lisboa, como Tires, Sintra e Linhó, aumentando a capacidade de acolhimento e facilitando o processo de desocupação da EPL. A EPL é uma das nossas prioridades. Constitui também como prioridade a zona sul do Tejo, nomeadamente Setúbal, cuja unidade prisional se encontra em péssimas condições.
Do ponto de vista da construção, começamos por Ponta Delgada (Açores) e pela unidade da margem sul. Neste momento, já teve início a primeira fase do processo de construção em Ponta Delgada e, na margem sul do Tejo, já foram definidos a localização e o modelo de negócio, estando em curso a elaboração do projeto base. Paralelamente, aumentamos a capacidade de alojamento em algumas outras unidades e melhoramos as condições de contato com as famílias em várias delas.
Ao nível da reinserção temos reforçado os recursos humanos, tanto no que se refere a técnicos superiores, como a técnicos profissionais e temos introduzido novos e mais programas orientados para determinadas categorias de condenados (nomeadamente autores de crime de incêndio e de violência doméstica).
Uma questão transversal a todo o sistema de justiça em Portugal é a necessidade de inovação.
JT: No relatório publicado em fevereiro 2018, como resultado da última visita, o Comitê para a Prevenção da tortura (CPT) do Conselho da Europa, exortou Portugal a resolver casos de maus-tratos por parte de guardas prisionais a reclusos; más condições de habitabilidade em alguns estabelecimentos; escassas oportunidades de trabalho e educação para os reclusos; e cuidados de saúde insuficientes ou inadequados. Adicionalmente, o relatório detalha que a situação na prisão de segurança máxima, de Monsanto, nada havia mudado desde a visita do CPT em 2013, com a grande maioria dos reclusos confinados às suas celas durante até 22 horas por dia.
Que melhorias foram implementadas nas dimensões identificadas pelo CPT?
FVD: As recomendações do CPT foram e estão sendo acatadas. O CPT se refere a situações associadas a violência exercida sobre reclusos. Nesse sentido, temos feito um grande esforço de formação em direitos humanos. Reforçamos, no plano preventivo, a componente de formação em matéria de direitos humanos relativamente ao último curso de ingresso para o corpo da guarda prisional. Em articulação com a Secretaria de Estado da Igualdade, foram realizadas ações de sensibilização em matéria de migrações, interculturalidade e não discriminação, envolvendo, no ano passado, 342 membros do corpo da guarda prisional e técnicos de reinserção social. Prosseguiremos com estas iniciativas formativas e de sensibilização.
Complementarmente, temos reprimido essas situações: havendo notícia de uma agressão ou de violação dos direitos do recluso, obviamente é instaurada uma averiguação da qual podem resultar consequências disciplinares para os responsáveis pelo ato.
As más condições de habitabilidade estão identificadas e temos agido em relação a elas não só nos termos que já me referi antes – que dão execução ao plano – como também através da realização de obras em vários estabelecimentos prisionais.
No que se refere às atividades formativas tem sido feito um importante esforço de diversificação, do qual refiro, a título de exemplo, a formação de sapadores florestais, iniciada no ano passado.
A oferta formativa contempla um conjunto variado de valências. Em relação ao trabalho prisional, buscamos abranger o mais amplo universo possível de reclusos. Nos estabelecimentos prisionais nacionais produz-se, com trabalho prisional, desde produtos agrícolas a tapetes de Arraiolos, passando por mobiliário de design moderno e funcional, até componentes para equipamentos eletrônicos. Mas temos ainda espaço para melhorias, tanto na formação como no trabalho.
A saúde foi uma área em que investimos muito e tivemos muito apoio do Ministério da Saúde. Para além de termos criado condições para o exercício da telemedicina nos estabelecimentos prisionais, procedeu-se à desmaterialização dos processos clínicos – o médico no hospital ou no estabelecimento prisional consegue ter acesso ao processo clínico de cada recluso, o que facilita o conhecimento do histórico e do acompanhamento terapêutico deles. Igualmente, já se emitem receitas médicas sem papel. Os médicos já têm acesso à Prescrição Eletrônica Médica (PEM) nos estabelecimentos prisionais de todo o país.
Adicionalmente, estabelecemos com o Ministério da Saúde um conjunto de protocolos que definem procedimentos de referenciação (todos os reclusos com doenças infecciosas têm um hospital de referência) e preferencialmente os médicos deslocam-se ao estabelecimento prisional para fazer as consultas, sendo também feitas nas unidades prisionais colheitas para análise e alguns exames de diagnóstico. Essa medida atinge uma parte importante da população prisional e sobretudo os mais fragilizados e mais necessitadas de apoio na sua saúde.
Melhoramos a sustentabilidade do ponto de vista dos recursos humanos da saúde. O modelo de contratação externa de serviços em que o sistema assentava veio a revelar-se deficiente. Portanto, a nossa estratégia consistiu em obter uma maior autonomia, de forma que internalizamos muitos recursos, recrutando médicos e enfermeiros.
Neste momento está também em curso um Diploma para endereçar as questões da saúde mental. A lei prevê a regulamentação do modelo de contenção de pessoas a quem são aplicadas medidas de segurança em virtude de problemas do foro psiquiátrico que as tenham determinado à prática do crime. Anteriormente não houve execução dessa norma e estamos agora a concretizando num modelo em que, preferencialmente, as pessoas cumpram as medidas de segurança em estabelecimento hospitalar.
A questão apontada sobre a unidade de Monsanto – de segurança máxima – tem basicamente a ver com o tempo de permanência nas celas. Alteramos a situação, preservando, obviamente, as exigências de segurança.
JT: Em agosto de 2017 entrou em vigor uma alteração legislativa do Código Penal, a qual constitui a primeira alteração à Lei que regula a utilização de monitoramento eletrônico.
Em que consistiu essa alteração à Lei e quais os resultados que se verificaram ou esperam alcançar no sistema?
FVD: Como já disse anteriormente houve um incremento na aplicação de penas de prisão domiciliar com monitoramento eletrônico, o que gerou um grande impacto no descongestionamento do sistema prisional. Esperamos que isso continue a verificar-se, porque é o que faz sentido e é lógico, considerando a estrutura do crime em Portugal.
Mas obviamente não basta descongestionar. Estas pessoas também integram o sistema, e temos de cuidar delas tal como das que estão privadas de liberdade. Embora as pessoas que estão em casa com monitoramento eletrônico possam sair para realizar outras atividades, monitorizadas como é óbvio, as que estão em casa permanentemente, sem qualquer outra atividade, obviamente entram em grande tensão. As penas têm uma função ressocializadora que deve ser cumprida em qualquer circunstância. Ora, isso implica um aumento de técnicos de reinserção social que fazem o acompanhamento desses reclusos em prisão domiciliar e reforçam as equipes de monitoramento eletrônico.
Houve um incremento na aplicação de penas de prisão domiciliar com monitoramento eletrônico, o que gerou um grande impacto no descongestionamento do sistema prisional.
Há outras medidas para descongestionar e racionalizar o sistema prisional ou esta foi a principal?
FVD: Do ponto de vista normativo, esta foi a principal medida e a expectativa é que continue a ter efeitos positivos. Não temos a intenção de legislar mais em matéria de execução das penas até ao final da legislatura, mas sim de a melhorar, ter cada vez melhores condições para a aplicação de penas alternativas e acompanhar e motivar o sentencing nesta matéria. Não prevemos no momento nenhuma medida pontual de descongestionamento geral. Temos é de nos focar nas medidas que melhorem a qualidade de vida nos estabelecimentos prisionais.
[Eventos internacionais como o de Tecnologia nos Serviços de Reinserção e Prisionais: Transformação Digital] são importantíssimos (…) Nos ajudam a caminhar a par dos nossos parceiros e até a encontrar soluções que nós não tínhamos ponderado, que não conhecíamos ou que eventualmente nunca havíamos antecipado.
JT: Em abril de 2019, Portugal (a Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais) vai acolher a Conferência “Tecnologia nos Serviços de Reinserção e Prisionais: Transformação Digital”, organizada pela ICPA – Associação Internacional de Serviços Prisionais e de Correção e pela EUROPRIS – Organização Europeia dos Serviços Prisionais e Correcionais. Que papel as tecnologias podem ter na melhoria dos sistemas penitenciários e qual a importância que este – e outros eventos de alcance internacional – têm para o Ministério da Justiça e para os Serviços Prisionais e de Reinserção?
FVD: Estes eventos são importantíssimos, na medida em que potencializam a informação, o conhecimento, a partilha de experiências e boas práticas. Nos ajudam a caminhar a par dos nossos parceiros e até a encontrar soluções que nós não tínhamos ponderado, que não conhecíamos ou que eventualmente nunca havíamos antecipado.
É importante que Portugal participe e que sedie esses eventos, porque, ao acolhermos, damos um sinal de abertura e de interesse em partilhar esforços com outros países e com outras instituições empenhadas no mesmo objetivo: melhorar o sistema prisional e de reinserção social.
Quanto à utilização das tecnologias, estas desempenham um papel importante no espaço prisional, na questão da segurança, por exemplo, por meio do monitoramento eletrônico dos espaços, assim como nos processos de controle de entradas e saídas, quer de agentes do sistema, quer de visitantes, quer de reclusos, como também na formação dos reclusos e ainda ao nível do trabalho e da saúde.
Sobretudo ao nível da formação, há muitos programas viabilizados através das tecnologias, nomeadamente conteúdos eletrônicos. Mas as tecnologias são também importantes para a manutenção dos contatos dos reclusos com as respetivas famílias, com a possibilidade de se comunicarem eletronicamente com imagem, por exemplo.
O contato dos reclusos com os tribunais também é facilitado pela tecnologia, uma vez que podem ser ouvidos por videoconferência quando são testemunhas num processo, desde que o tribunal assim o entenda.
Além disso, ao nível da organização do sistema prisional: os processos dos apenados transitarão todos para formato eletrônico e os reclusos disporão de um espaço virtual que reúne e disponibiliza acesso a toda a informação que lhes diga respeito. Inclusive, podem até estabelecer interlocução com a direção – é um projeto que temos para alguns estabelecimentos: são os chamados quiosques dos reclusos.
Até mesmo na intervenção e no acompanhamento das penas e das medidas tutelares educativas de execução na comunidade, as novas tecnologias podem vir a revelar-se instrumentos de trabalho preciosos.
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Francisca Van Dunem é formada em Direito e é Procuradora Geral desde 1979. Ao longo de sua carreira, ocupou vários cargos, incluindo delegada do Ministério Público da República em vários Tribunais, membro do Ministério Público Geral (1999 -2001), diretora do Departamento de Investigação e Ação Criminal de Lisboa (2001-2007) e procuradora-geral da Comarca de Lisboa, desde fevereiro de 2007. Foi membro da Rede Judiciária Europeia em Matéria Penal (2003-2007) e membro do Comitê para a Revisão do Código de Processo Penal em 2009. É membro do Conselho Superior do Ministério Público.