Estimular o empenho dos colaboradores como pedra angular de um sistema penitenciário sustentável

Entrevista

Rui Abrunhosa Gonçalves

Diretor-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, Portugal

Nesta entrevista com o Diretor Geral de Reintegração e Serviços Prisionais de Portugal (DGRSP), discutimos as principais prioridades do sistema prisional. Abordando preocupações como a desmotivação e a escassez de mão de obra, a gestão de presos violentos e a necessidade de reforçar medidas de segurança, o Diretor Rui Abrunhosa Gonçalves apresenta a sua visão e fala sobre as medidas que estão sendo implementadas para responder a essas questões urgentes.

 JT: O mais recente relatório anual do Mecanismo Nacional de Prevenção da Provedoria da Justiça alerta para várias questões particularmente preocupantes no sistema penitenciário português, entre elas a sobrelotação e a escassez de profissionais técnicos.

Quais são as principais preocupações na lista prioritária da sua administração, e que medidas estão a ser adotadas para responder a estas necessidades?

RAG: O meu principal foco está direcionado para os trabalhadores da DGRSP, pois sem pessoas empenhadas, não conseguimos fazer absolutamente nada. Precisamos combater a escassez de pessoal e investir na valorização dos nossos profissionais.

A esmagadora maioria dos profissionais não tiveram promoções nos últimos 10 a 20 anos, o que cria um grande ambiente de desmotivação à medida que estes começam a ficar esgotados com a falta de perspetivas futuras. E apesar de guardas prisionais serem a maior fatia do nosso pessoal, aqui falo também de técnicos e pessoal de saúde.

Outra questão preocupante é o envelhecimento da nossa população profissional. Uma grande parte dos nossos funcionários tem mais de 50 anos. Isto é uma grande preocupação, pois se não renovarmos adequadamente o nosso pessoal em vários níveis, enfrentaremos desafios muito sérios nos próximos anos.

Em relação aos guardas prisionais temos procurado abordar a questão em dois planos: promoções e recrutamento de novos profissionais. Esta abordagem também será aplicada a outras categorias profissionais, nomeadamente aos técnicos, que desempenham um papel fundamental na implementação de programas.

O elevado número de presos também compromete significativamente o tratamento penitenciário. Embora eu não diria que estamos efetivamente sobrelotados em todo o sistema, algumas prisões, mesmo que em níveis relativamente baixos, enfrentam essa questão.

No entanto, também graças às amnistias decorrentes da visita de Sua Santidade o Papa a Portugal, tivemos uma redução considerável na população carcerária. Foram concedidos perdões, que reduzem a pena em um ano, e amnistias, que suspendem a pena completamente. A Lei da Amnistia entrou em vigor a 1 de setembro de 2023, e desde então, cerca de 300 a 400 indivíduos foram libertados das prisões. Esperamos que até o final do ano haja uma diminuição ainda maior devido aos ajustes nas penas com perdão.

Que outros desafios e progressos destacaria na Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais?

RAG: Pela primeira vez em 15 anos estamos a fazer um concurso de promoção de guardas prisionais. Isto é um processo plurianual, e no próximo ano, mais guardas prisionais vão ser promovidos. Além disso, conseguimos realizar uma contratação externa de técnicos profissionais especializados em reinserção social.

Outro ponto notável é o andamento de um projeto extraordinário, já com financiamento alocado, com o objetivo de encerrar finalmente o Estabelecimento Prisional de Lisboa. É uma infraestrutura muito antiga e sem as condições adequadas para continuar a funcionar. Estamos a realizar obras em outras instituições prisionais para realocar os reclusos. Isto não será concluído durante o meu mandato, mas partes significativas serão fechadas, e os reclusos serão transferidos para outras prisões. Além disso, estamos a realizar obras em um dos centros educativos, que também têm sido negligenciados.

Quando assumi este cargo, identificamos que, apesar da fusão dos serviços de reinserção social e dos serviços prisionais numa única Direção Geral ter ocorrido há 11 anos, na prática, nunca foi efetiva. Portanto, o meu grande objetivo é promover essa fusão, especialmente com a formação de equipas interdisciplinares de reinserção e prisões, permitindo assim a mobilidade e a aplicação de programas entre essas áreas.

Isso permite trabalhar um problema significativo na Direção Geral da Reinserção e dos Serviços Prisionais, que é a falta de mobilidade interna. Atualmente, não é possível, transferir um funcionário de uma equipe de vigilância eletrónica, reinserção social ou de um centro educativo para um estabelecimento prisional, ou vice-versa, tendo em conta a preferência desse funcionário, devido a restrições nas regras de mobilidade intercarreiras na administração pública.

No geral, está em curso um conjunto de atividades que estou confiante irem resultar em melhorias significativas na prestação de serviços num futuro próximo.

Reconhecemos o impacto dessa atividade na criminalidade fora das prisões, incluindo nos círculos familiares dos reclusos que são extorquidos e coagidos, entre outros problemas.

 JT: Foi recentemente noticiado um aumento nas tentativas de entrada de produtos ilícitos nos estabelecimentos prisionais através do arremesso de embrulhos para o interior, questão identificada pelo presidente do Sindicato Nacional do Corpo da Guarda Prisional como um indicador que fiscalização da entrada de tráfico pelas portarias dos estabelecimentos está a ser eficaz.

Quais são os principais desafios enfrentados e medidas implementadas pelo sistema penitenciário português na luta contra o contrabando e o crime organizado dentro das prisões?

RAG: Recentemente, fizemos questão de incluir o tráfico de drogas dentro das prisões no Plano de Política Criminal para o ano de 2024. Reconhecemos o impacto dessa atividade na criminalidade fora das prisões, incluindo nos círculos familiares dos reclusos que são extorquidos e coagidos, entre outros problemas. Consideramos que essa questão deve ser uma prioridade em termos de investigação criminal, mesmo que as quantidades de droga apreendidas sejam relativamente baixas em comparação com as apreensões feitas fora das prisões. A nossa iniciativa foi bem recebida pelo Ministério da Justiça e pela Direção Geral de Política de Justiça.

O Corpo da Guarda Prisional está a tomar medidas rigorosas utilizando os dispositivos já existentes no ambiente prisional, como os pórticos, radares manuais e videovigilância, para dissuadir qualquer pessoa que tente contrabandear itens para dentro dos estabelecimentos prisionais, principalmente durante as visitas.

No entanto, os criminosos frequentemente encontram novas formas de contornar essas medidas. A tendência de lançar objetos para dentro das prisões é um exemplo disso e surgiu durante a pandemia, quando as visitas foram suspensas. Em algumas prisões mais próximas da malha urbana onde isso ocorria com maior facilidade, instalamos redes nos pátios, o que resolveu o problema.

Além disso, realizamos buscas minuciosas com equipes cinotécnicas para reforçar a segurança. Posso afirmar que estamos a ser eficazes nesse sentido. Recentemente, intercetamos um drone que transportava um carregamento de telemóveis para o interior de um estabelecimento prisional.
São resultados de um esforço conjunto dos nossos guardas e da tecnologia disponível. No entanto, é importante notar que quando há um grande número de visitantes e um número limitado de guardas, existe um desafio adicional em realizar as revistas de forma adequada.

Atualmente, estamos a concluir a implementação de sistemas de videovigilância nos poucos estabelecimentos prisionais onde ainda não foram instalados. Além disso, estamos a considerar a expansão generalizada da videovigilância para os centros educativos.

Este sistema desempenha um papel crucial na proteção dos funcionários e pessoas sob a nossa custódia. As gravações podem servir como prova em situações de acusações infundadas, e da mesma forma permitem identificar possíveis comportamentos inadequados por parte de funcionários ou guardas prisionais, para que se possam tomar as medidas corretivas apropriadas.

A Direção Geral está a implementar uma medida que envolve a colocação de telefones na celas, com o propósito de evitar a entrada de dispositivos de comunicação ilícitos nos estabelecimentos prisionais. Poderia falar-nos um pouco mais sobre essa iniciativa?

RAG: Esta iniciativa começou como um projeto-piloto em alguns estabelecimentos prisionais e mostrou-se extremamente bem-sucedida, sendo particularmente benéfica durante a pandemia. Além de contribuir para a reinserção social, também melhora a segurança nas prisões. Por exemplo, a presença de telefones nas celas permite que os reclusos, em caso de necessidade, chamem os guardas com maior rapidez, em vez de baterem nas portas, o que nem sempre é eficaz.

Agora, estamos a avançar com a implementação dessa medida em todos os estabelecimentos prisionais, enfrentando alguns desafios do ponto de vista tecnológico, como a passagem de cabos de fibra ótica nas instalações. Esse processo pode ser especialmente desafiador em estabelecimentos prisionais maiores. Acreditamos que durante o ano de 2024, teremos esse processo em funcionamento na generalidade dos estabelecimentos prisionais.

Como psicólogo forense dedicado à avaliação e intervenção junto de ofensores violentos, qual é a sua perspetiva sobre a gestão de comportamentos violentos nas prisões, incluindo a promoção de ideias extremistas e violentos através da radicalização em meio prisional?

RAG: Em relação à radicalização, de momento, posso afirmar que não é um problema prevalente no sistema prisional português. No entanto, mesmo que este não seja um problema generalizado, isso não significa que não estejamos preocupados com ele. Mantemos uma atenção constante a esta questão.
Quanto à violência, fazemos esforços para evitar que ocorra, através da deteção de objetos cortantes e perfurantes através de revistas e buscas.

Estes incidentes, que ocorrem principalmente em prisões onde existem indivíduos jovens e impulsivos, combinados com um certo grau de tendências violentas, estão por vezes relacionados com rivalidades por ligações a grupos externos, mais ou menos organizados.

Temos a preocupação de não juntar estes grupos rivais, distribuindo os indivíduos pelas prisões, mas nem sempre conseguimos evitar estes choques. Em estabelecimentos onde estes conflitos são mais frequentes, adotamos medidas como a separação e, em alguns casos, imposição de medidas disciplinares mais rigorosas.

No campo de programas direccionados para estas problemáticas específicas, procuramos
realizar intervenções mais individualizadas. O objetivo é não apenas conter o comportamento agressivo, mas também compreender as causas subjacentes.

Rui Abrunhosa Gonçalves

Diretor-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, Portugal

Rui Abrunhosa Gonçalves has been at the helm of DGRSP since August 2022. With a degree in Psychology and a Masters in Psychology of Deviant Behaviour, he was a senior technician at the General Directorate of Prison Services from 1986 to 1989. He has a doctorate in Psychology of Justice from the University of Minho, where he is an Associate Professor and Director of the Master’s Degree in Psychology of Justice.
He has had a distinguished career in the field of Justice Psychology, including coordinating psychology units and acting as a forensic psychology expert. With several national and international publications, he is dedicated to comprehensive research on issues such as violent offenders, prison treatment, psychopathy, crime and sexual violence and juvenile delinquency.

 

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