Prison reform IDB Latin America

Modernização dos sistemas penitenciários da América Latina e do Caribe: o papel do Banco Interamericano de Desenvolvimento

Se, como disse Dostoievski, o grau de civilização de uma sociedade pode ser julgado entrando em suas prisões, poderíamos supor que o grau de civilização nos países da América Latina e do Caribe (ALC) ainda está muito longe das sociedades modernas e do que deveria ser.

Para reverter essa realidade, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) iniciou um projeto, colaborando com os países da ALC na criação de sistemas prisionais mais modernos, o que colocaria a ressocialização e a reintegração social no centro de seu trabalho.

O problema tem uma enorme magnitude e uma tendência crescente. Hoje, a população carcerária na ALC é de 1,45 milhões de pessoas. Se a taxa de crescimento atual for mantida, em 2030 a população será de 4,5 milhões (ILANUD, 2014). Enquanto, há 20 anos, a maioria dos países da região tinha menos de 100 presos por 100 mil habitantes, hoje essa taxa ultrapassa 200.

Em detalhes, e de acordo com o World Prison Brief, em 2016 a taxa de encarceramento para a ALC foi de 305 por 100.000 habitantes (242 para a América do Sul, 308 para a América Central e 376 para os países do Caribe), sendo esta a região com o maior crescimento relativo de detentos do mundo. Em comparação, a taxa média mundial é de 144 por 100.000 habitantes. Ao mesmo tempo, em média, para cada 100 prisões existentes na região, há 171 indivíduos privados de liberdade (ILANUD, 2013, UNODC, 2015).

Este é o resultado de uma política criminal altamente punitivista, que tem focado no aumento das penas e não na ressocializaçãode pessoas que entraram em conflito com a lei. Esta situação é acompanhada por um déficit de infraestrutura e equipamentos sem precedentes. Estudos feitos pelo BID mostram que o atraso regional médio nesta questão é de pelo menos 30 anos (López, M. 2017).

Essa situação impede que os sistemas prisionais da ALC cumpram as normas internacionais para garantir e respeitar os direitos dos presos; gera instabilidade na gestão e dificulta a administração organizada, segura e eficaz dos centros de detenção. Além disso, impede a prestação eficiente de serviços de ressocialização. De fato, a oferta desses serviços abrange apenas um percentual mínimo dos privados de liberdade; por exemplo, no Brasil, apenas 9,6% dos presos trabalham e estudam; em El Salvador, 35,2%; na Argentina, 39,4%; no Chile, 41,1%; e no México, 44,5% (PNUD, 2013).

Um problema muito sério é a incapacidade generalizada dos sistemas de prevenir a violência. Entre 2010 e 2016, houve pelo menos 19 motins de alto impacto na região: em janeiro de 2017, em Manaus, Brasil, resultou em 60 mortes; em julho de 2016, na Fazenda Penal pavón, Guatemala, causou 13 mortes e 10 feridos; em março de 2016, resultou em 16 mortes em uma prisão de alta segurança em Georgetown, Guiana. Na prisão de Uribana, na Venezuela, os motins têm sido contínuos, dos quais, em janeiro de 2013, produziram 54 mortes e mais de 90 feridos; em Honduras, 376 pessoas morreram após a catástrofe da Fazenda Penal de Comayagua em 2012, que causou uma revolta global.

Essa incapacidade de controle e o desgoverno instalado também se refletem na alta incidência de atividade criminosa das prisões na ALC, com frequentes extorsões e homicídios planejados e ordenados de dentro dos presídios. Essa grave situação na ALC tem sido causada pelo caráter altamente punitivo das políticas penais, e pela alta frequência de prisão preventiva, calculada entre 30% e 50% (Carranza, 2009). De acordo com o ILANUD, essa situação praticamente não mudou nos últimos 15 anos.

Esse problema também afeta as mulheres: segundo dados da Open Society Foundation (2013), 4 em cada 10 mulheres estão em prisão preventiva. Do ponto de vista geral, pode-se supor que a principal razão da crise tem sido a abordagem para enfrentar o problema; a região tem se concentrado na expansão da capacidade prisional muito mais do que na ressocialização dos detentos.

Para começar a mudar essa realidade, o BID atualmente aconselha os países da ALC na adoção de políticas penitenciárias abrangentes, considerando a integração social dos presos, o respeito de seus direitos e sua reintegração dentro de suas famílias e na sociedade.

Na América Central, por exemplo, o BID está apoiando a formação do Comitê Regional de Diretores de Sistemas Penitenciários, uma estrutura de coordenação regional que analisa o conteúdo das políticas públicas prisionais e criou uma plataforma para a troca de boas práticas sobre a gestão dos presídios e os programas de ressocialização dos detentos. O Comitê também apoia o desenvolvimento de sistemas de informação confiáveis para revisar políticas, formular novas baseadas em fatos e desenvolver planos estratégicos.

Seguindo a mesma linha, o BID tem apoiado diferentes processos na região: estudos prisionais em El Salvador, Honduras, Costa Rica, Guiana e Bahamas; programas de formação para funcionários em sistemas de registro e desenvolvimento de sistemas de informações penitenciárias; e o Censo Penitenciário no Panamá.

Enquanto isso, o BID tem trabalhado para melhorar: (i) a gestão prisional, incluindo os recursos humanos; (ii) identificação da infraestrutura e equipamentos mais adequados para auxiliar os presos; (iii) avaliação dos conteúdos dos atuais programas de ressocializaçãopenitenciária, identificação de suas fraquezas e áreas que necessitam de fortalecimento e modernização em relação às normas internacionais. Em alguns casos, o BID está considerando a assinatura de parcerias público-privados que apoiem essas iniciativas, este é o caso da Colômbia.

Apenas trabalhando nessa direção, podemos garantir que os centros prisionais na América Latina e Caribe sejam um claro reflexo de uma região que está caminhando para melhores padrões de modernidade e desenvolvimento.

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Andres Restrepo Restrepo é especialista em segurança cidadã no Banco Interamericano de Desenvolvimento desde 2010. Anteriormente, foi secretário-adjunto de Segurança da Cidadania e Coexistência Pacífica na Prefeitura de Bogotá, Colômbia. Suas áreas de especialização incluem a elaboração e o desenvolvimento de políticas e estratégias para reforçar a segurança da cidadania, a resolução de conflitos e o bem-estar social. Sua formação acadêmica inclui um diploma em Direitos Humanos e Direito Humanitário Internacional pela Universidade de Javeriana (Colômbia) e pós-graduação (mestrado e doutorado) em universidades russas. Atualmente trabalha no escritório do BID na Guatemala.


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