Artigo
Josep García Coll & Pedro liberado
Existe uma ideia relativamente generalizada de que a prisão de criminosos extremistas violentos e terroristas (VETOs, segundo sua sigla em inglês) poderia potencialmente aumentar (o risco de vulnerabilidade) a radicalização em todo o sistema prisional.
De fato, alguns relatos afirmam que a prisão por si só poderia ter alguns riscos de (maior) radicalização dos indivíduos [1]. No entanto, às vezes esses riscos têm mais a ver com a tendência de os agentes penitenciários [2] superestimarem a ameaça dos VETOs na prisão já que, por exemplo, muitas vezes equiparam a conversão ao Islã com radicalização [3].
O Manual de ressocialização da Radicalisation Awareness Network (Rede de Conscientização da Radicalização; RAN, segundo sua sigla em inglês) para profissionais da linha de frente que trabalham com radicalização e VETOs [4] destaca a importância de prestar especial atenção a esse risco durante a prisão provisória devido às especificidades que esse período engloba.
Em primeiro lugar, os presos ainda não foram julgados (ou não receberam uma sentença) e devem, portanto, ser considerados inocentes. Em segundo lugar, os casos de extremismo violentos tendem a receber muita atenção da mídia, consequentemente influencia (negativamente) a opinião pública (em direção a uma perspectiva mais securitizada).
Isso pode levar os agentes penitenciários a rotular ou estigmatizar presos provisórios com acusações de extremismo violento/terrorismo. Portanto, é necessário formar amplamente os agentes penitenciários para que estejam cientes do princípio da presunção de inocência e para tentar colocar o julgamento profissional acima da estigmatização popular e julgamentos midiáticas de indivíduos em prisão provisória.
Em segundo lugar, como nenhum crime ainda foi comprovado, nenhum programa de ressocialização específico pode começar a ocorrer. Assim, as intervenções gerais realizadas por psicólogos e assistentes sociais tornam-se cruciais neste momento. Primeiro, eles serão responsáveis por avaliar o risco representado por esses indivíduos recém-chegados.
Geralmente é recomendado o uso de ferramentas padronizadas de avaliação de risco para realizar essa tarefa, embora em alguns casos o julgamento profissional possa fornecer um julgamento com mais nuances [4].
Por outro lado, eles precisarão avaliar as necessidades criminogênicas do preso e os possíveis problemas de saúde mental (por exemplo, transtornos de personalidade). Isso será importante para determinar possíveis intervenções para se desenvolver com os presos [4].
Terapeutas, assistentes sociais e especialistas em prevenção e combate ao extremismo violento (incluindo mentores) já podem iniciar algumas dessas intervenções durante a prisão provisória.
No entanto, para evitar a reação às intervenções de mudança de atitude ou à estigmatização [4], as atividades implementadas nunca devem ser rotuladas como de prevenção e combate ao extremismo violento.
Esses profissionais especializados também devem explorar as possíveis redes pró-sociais que possam influenciar positivamente o preso e falar em julgamento em sua defesa (ou seja, família, amigos ou parceiros) [4].
Além disso, o apoio de representantes religiosos também é útil para proporcionar intervenções baseadas na fé e entendimentos moderados da prática religiosa [4].
Por fim, organizações não governamentais também podem ajudar nesse processo. Por exemplo, em alguns contextos, os voluntários têm se mostrado muito eficazes em intervenções com VETOs e indivíduos vulneráveis ao extremismo violento, especialmente se compartilham uma formação religiosa, étnica ou linguística específica com eles [5].
No entanto, mais uma vez, deve-se notar que qualquer uma dessas possíveis intervenções realizadas por esses atores deve evitar estilos de diálogo de confronto com o preso, a fim de evitar a reação [6].
O trabalho durante a prisão provisória também precisará evitar que os acusados acumulem mais infrações e não sejam influenciados por outros presos que possam potencializar seu ponto de vista (já) radicalizado [6].
A colocação do preso (nas celas) pode ser decisiva na prevenção desses riscos.
Às vezes, pode ser difícil encontrar um meio termo entre estabelecer as medidas de segurança necessárias para evitar que extremistas violentos continuem realizando suas atividades e apliquem medidas de contenção que diferenciem os detentos por terrorismo do resto. [1; 7-8]
A percepção de maus tratos ou a vitimização de VETOs que alguns regimes prisionais (por exemplo, o isolamento) podem causar neste momento só aumenta a própria convicção do preso de que a ação violenta é justificada3 e dificulta muito suas chances de desengajar (e, provavelmente, desradicalizar).
Por outro lado, experiências com o tratamento de VETOs em instalações e programas específicos, também podem ser percebidas como uma queixa por detentos comuns9, e também impactaram as percepções públicas de que as autoridades prisionais recompensam esse tipo de infrator (como por exemplo, no caso dos membros da ETA presos na Espanha antes de 1987) [10].
Por último, permitir que os VETOs em prisão provisória se misturem com a população em geral envolve vulnerabilidades específicas a eles (por exemplo, ataques de membros de grupos extremistas rivais) [4] e outros (por exemplo, proselitismo e recrutamento de outros indivíduos para sua causa) [4].
A busca por esse equilíbrio entre segurança e respeito às liberdades individuais não é fácil e encontra diferentes formulações práticas em cada um dos modelos de gestão de presos [11].
Nesse sentido, pesquisas recentes continuam defendendo que a definição de qual modelo concreto é mais eficaz em termos de prevenção da radicalização (ou de promover a desradicalização) é uma tarefa desafiadora e árdua, devido à diversidade de contextos e à falta de informações sistematizadas sobre taxas de sucesso ou de fracasso para cada um deles [12].
No entanto, como mencionado acima, nenhuma dessas medidas e intervenções funcionará sem o necessário engajamento dos agentes e administradores penitenciários para proporcionar um ambiente onde a estigmatização e a discriminação dos VETOs não estejam presentes.
A contratação de equipes diversas pode ser uma forma de prevenir ativamente isto [4]. Além disso, diferentes experiências têm mostrado a eficiência das abordagens de segurança dinâmica, que permitem avaliar os riscos colocados pelos detentos a partir de sua comunicação diária e interação com os agentes penitenciários.
A prevenção da radicalização (que poderia levar ao extremismo violento) no período prévio ao julgamento é crucial devido às vulnerabilidades específicas presentes. Portanto, a cooperação entre diferentes atores, tanto das autoridades prisionais quanto das organizações da sociedade civil, é fundamental para realizar essa tarefa de forma eficaz.
Assim, serão necessários mecanismos eficazes entre múltiplas organizações para a realização dos processos necessários de compartilhamento de informações e coordenação presentes no acompanhamento de cada VETO.
Considerando o supracitado, o projeto MIRAD tem como objetivo aumentar a capacidade das autoridades prisionais de realizar a avaliação de risco, reforçando ferramentas padronizadas de última geração, aplicáveis durante todo o período de condenação (e após a sentença).
Além disso, incorpora as necessidades dos diferentes atores envolvidos na ressocialização e reintegração social dos VETOs, reunindo entidades e indivíduos especializados, juntamente com autoridades prisionais e de liberdade condicional e organizações não governamentais em protocolos (e ferramentas) recém-desenvolvidos com o objetivo de facilitar o trabalho entre múltiplas organizações.
A parceria MIRAD une organizações públicas e privadas que foram selecionadas devido à sua experiência anterior nas áreas de justiça, pesquisa penológica e antiterrorista, e educação e formação. É composta por instituições de pesquisa, ONGs, empresas privadas e associações setoriais que atuam na área.
O consórcio é representado por sete Estados-Membros da União Europeia da Europa Ocidental (França[13-14], Bélgica [15]), Central (Polônia [16]), Sul (Portugal [17], Espanha [18], Grécia [19]) e Oriental (Bulgária [20]). Se você quiser saber mais sobre o projeto MIRAD, entre em contato conosco através do e-mail: contact@mirad-project.eu ou visite www.mirad-project.eu.
Referências
[1] Neumann, P. (2010). Prisons and terrorism: Radicalisation and de-radicalisation in 15 countries. International Center for the Study of Radicalisation and Political Violence (ICSR) and National Consortium for the Study of Terrorism and Responses to Terrorism (START).
[2] Schultz, W. J., Bucerius, S. M., & Haggerty, K. D. (2021). The floating signifier of “radicalization”: Correctional officers’ perceptions of prison radicalization. Criminal Justice and Behavior, 48(6), 828-845.
[3] Zahn, M. (2017). Prisons: Their role in creating and containing terrorists. In G. LaFree, & J. Freilich (Eds.), The handbook of the criminology of terrorism (pp. 520-534). Wiley.
[4] Walkenhorst, D., Baaken, T., Ruf, M., Leaman, M., Handle, J., & Korn, J. (2019). Rehabilitation Manual. Rehabilitation of radicalised and terrorist offenders for first-line practitioners (RAN MANUAL).
[5] Orban, F. (2019). Mentorordningen i kriminalomsorgen: En prosessevaluering, Kriminalomsorgens høgskole og utdanningssenter. KRUS University College of the Norwegian Correctional Service.
[6] Braddock, K. (2014). The Talking Cure? Communication and psychological impact in prison de-radicalisation programmes. In A. Silke (Ed.), Prisons, terrorism and extremism: Critical issues in management, radicalisation and reform (pp. 60-74). Routledge.
[7] UNODC (2016). Handbook on the management of violent extremist prisoners and the prevention of radicalization to violence in prisons. United Nations Office on Drugs and Crime.
[8] Veldhuis, T. (2016). Prisoner radicalization and terrorism detention policy: Institutionalized fear or evidence-based policy making? Routledge.
[9] Williams, R. (2016). Approaches to violent extremist offenders and countering radicalisation in prisons and probation. Radicalisation Awareness Network (RAN).
[10] Zuloaga, J. (2021). “Herrera de la Mancha se queda sin presos de ETA”, La Razón, 10 de abril.
[11] Thompson, N. (2018). Australian correctional management practices for terrorist Prisoners. Salus Journal, 6(1), 44-62.12 García Coll, J., & Lobato, R, (2022). La encrucijada entre la radicalización y la desradicalización: Teorías, herramientas y aspectos aplicados. Los Libros de la Catarata.
[12] García Coll, J., & Lobato, R, (2022). La encrucijada entre la radicalización y la desradicalización: Teorías, herramientas y aspectos aplicados. Los Libros de la Catarata.
[13] CNAM Conservatoire National des Arts et Métiers
[15] IACFP International Association for Correctional and Forensic Psychology – Europe
[16] PPHS Polish Platform for Homeland Security
[17] IPS Innovative Prison Systems
Josep García Coll
Josep García Coll é pesquisador na área de Radicalização e Prevenção do Extremismo Violento na Euro-Arab Foundation for Higher Studies (Fundação Euro-Árabe para Estudos Superiores), especializada em processos de radicalização violenta e intervenções de desradicalização. Mestre em Psicologia pela Universidade de Barcelona e em Paz, Conflitos e Desenvolvimento pela Universitat Jaume I. Josep é atualmente doutorando em Psicologia Social pela Universidade de Córdoba. Antes, trabalhou na resolução de conflitos com ONGs em diferentes países. Também foi coautor do livro “The Crossroads between Radicalisation and Deradicalisation” ( traduzido livremente como “A Encruzilhada entre Radicalização e Desradicalização”).
Pedro Liberado
Pedro Liberado ingressou na IPS_Innovative Prison Systems em 2018, mesmo ano em que começaria a coordenar a equipe e a área de Radicalização, Extremismo Violento e Crime Organizado. Foi nomeado diretor de pesquisa dois anos depois. Além dessas responsabilidades, é acionista e membro do Conselho Gestor desde 1º de janeiro de 2022. Liberado é formado em Sociologia pela Universidade de Coimbra e mestre em Criminologia pela Universidade do Porto. Atualmente é doutorando em Criminologia pela Universidade de Granada.