Corrections and Digital Technology

Sistema prisional e Tecnologia Digital: Uma introdução à análise de dados e recursos preditivos

Introdução – Fazendo a diferença

A missão do sistema prisional é uma constante. No entanto, o ambiente em que opera está mudando. O Canadá, como muitos outros membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), está enfrentando custos crescentes e uma pressão maior por parte da população de infratores que está envelhecendo e requer soluções mais personalizadas. O mundo prisional está à beira de mudanças significativas.

Décadas de pesquisa demonstraram que a avaliação de risco baseada em evidências pode levar a programas de ressocialização que contribuem significativamente para a redução da criminalidade. Ao mesmo tempo, os avanços na tecnologia da informação e nas abordagens para a gestão da informação estão possibilitando melhorias significativas tanto na avaliação de risco quanto nas metodologias de intervenção.

Dentro do espaço de correções mais amplo, existem duas ferramentas disponíveis para gerenciar essa complexidade crescente: políticas de reintegração baseadas em evidências e o uso efetivo da tecnologia. Este artigo fornece uma discussão de alto nível sobre o caminho mais amplo para o sistema prisional e como a tecnologia digital, e mais especificamente a Análise de Dados e Análise Preditiva, conduzirá fundamentalmente a mudança para as penitenciárias. Essa tecnologia oferecerá soluções que permitirão que as prisões na América do Norte e na Europa repensem seu papel e os serviços que prestam.

Tecnologia digital e o papel da análise de dados

Um dos principais fatores que definem a tecnologia digital é a amplitude de seu escopo. Este fator aborda os pontos de integração entre uma organização e plataformas externas e pode incluir tecnologias que estão fora do controle de uma organização. Talvez o maior desafio em direção a mudança para o digital seja como tudo se inter-relaciona.

A redução da reincidência, uma métrica fundamental do sucesso do sistema prisional, está ligada à eficácia dos programas para os infratores, que por sua vez depende da avaliação precisa dos níveis de risco, reincidência, necessidades e potencial de reintegração do infrator. Tradicionalmente, as informações utilizadas para essas avaliações são limitadas a dados acessíveis, que estão convenientemente localizados nos arquivos dos infratores.

A tecnologia digital permite que as avaliações incluam informações mais relevantes em um método sistemático, o que levará a avaliações mais precisas que são adaptadas ao infrator individualmente e a suas circunstâncias. Dessa forma, a tecnologia digital tem o potencial de permitir encaminhamentos mais precisos para programas e serviços de ressocialização, o que terá um impacto positivo na segurança pública.

Avaliar os infratores para permitir que eles se reintegrem na sociedade o mais rápido possível, mantendo a segurança da comunidade é um ecossistema complexo que o governo canadense deve gerenciar. É neste ponto de convergência que a tecnologia digital tem o maior papel a desempenhar.

No coração do digital está a necessidade do que foi cunhado de “inteligência de nível digital” (DGI, por sua sigla em inglês). O desenvolvimento de DGI é baseado em sólidos programas de gerenciamento de negócios e informações, gerenciamento de dados eficaz e escalável e sofisticados recursos de análise avançados. Em última análise, é a espinha dorsal de uma visão integrada dos dados que impulsiona as soluções penitenciárias integradas.

Soluções digitais impulsionam mudanças

Dentro do espaço de correções, a tecnologia digital e a análise de dados podem impulsionar uma vasta variedade de recursos de tomada de decisão, melhorias de infraestrutura e serviços automatizados. 

Uma das oportunidades mais significativas para as prisões é a capacidade de prever comportamentos e gerenciar riscos. Antes de recorrermos a esse tema, vale a pena mencionar algumas outras áreas em que a tecnologia digital está tendo impacto sobre o sistema prisional. Eles incluem automação, saúde, ressocialização e prevenção de crimes.

  • Passando de vigilância previsível para supervisão dinâmica

As soluções digitais têm o potencial de reduzir significativamente as demandas de carga de trabalho de tarefas necessárias, mas rotineiras, que fazem parte das funções diárias de um agente penitenciário. RFID, digitalização biométrica e tecnologias sem fio oferecem oportunidades para gerenciar melhor a colocação e a movimentação de presos dentro das instalações prisionais de forma mais humana, ao mesmo tempo em que aumentam a identificação e prevenção de incidentes.

Redirecionar a equipe penitenciária das funções de vigilância de rotina permitiria que eles se ocupassem em áreas de maior preocupação para prevenir incidentes, na mediação eficaz com os infratores e na coleta de informações vitais que podem melhorar a avaliação dinâmica do risco de um infrator prejudicar a si mesmo ou a terceiros. A redistribuição das funções de vigilância também pode melhorar a qualidade das intervenções com infratores fora da penitenciária.

A automação já é aplicada à supervisão comunitária utilizando monitoramento eletrônico em muitas jurisdições penitenciárias. Quiosques acessíveis aos infratores para informações e solicitações são usados hoje, mas provavelmente evoluirão para soluções mais personalizadas no futuro.

Em uma visão desse futuro potencial, os infratores considerados suficientemente seguros para se qualificarem para a supervisão da comunidade poderiam registrar e relatar seus movimentos através de dispositivos móveis (celulares ou tablets) que foram verificados por meio de GPS e tecnologia de digitalização de identidade pessoal. Esses dados poderiam ser transmitidos a um centro de dados para monitoramento e análise contínua, permitindo a capacidade de notificações e alarmes para indicar que um infrator pode requerer intervenção ou para desencadear condições de supervisão mais restritivas.

  • Gestão da saúde

Em comparação com a população em geral, os detentos sofrem desproporcionalmente de uma variedade de condições graves, incluindo taxas de suicídio três vezes maiores que a média da população. Com melhorias nas técnicas de videoconferência e bioanálise, será possível monitorar e abordar a saúde dos presos remotamente, reduzindo a necessidade de especialistas no local e melhorando significativamente o atendimento médico. Essa tecnologia pode ser aplicada a doenças físicas e mentais e provavelmente será particularmente útil na redução de tentativas de suicídio que, com um melhor monitoramento dos presos facilitado pela tecnologia, se tornam eventos mais previsíveis.

  • Ressocialização de infratores

Preparar infratores para a vida na comunidade é fundamental para reduzir a reincidência. A tecnologia facilita o ensino remoto, o acesso a bibliotecas digitais e a ressocialização autogerenciada, o que reduz os custos e permite aos detentos demonstrar melhor os ganhos que obtiveram  quando estiverem fora da unidade prisional.

Dentro da OCDE, as organizações do sistema penitenciário têm uma longa história de desenvolvimento e implementação de programas eficazes de terapia cognitiva comportamental (TCC) para infratores, os quais reduzem significativamente a reincidência. A vantagem da TCC informatizada estende-se à sua capacidade de ser implementada em qualquer cenário (instituição ou comunidade e utilizando um formato individual ou em grupo). Elas são relativamente econômicas em comparação com outras intervenções, e uma ampla variedade de currículos cognitivos comportamentais podem ser adaptados em um formato online.

Há também evidências emergentes de que as pessoas fornecem mais informações e são mais próximas ao interagir com entrevistadores virtuais e conselheiros. As possibilidades de métodos de realidade aumentada e virtual para melhorar o comportamento podem se tornar significativas em um mundo onde até mesmo tarefas rotineiras estão se tornando gamificadas para melhorar o engajamento e a retenção.

Um dos principais determinantes do sucesso da educação e das intervenções relacionadas ao emprego será o acesso à internet dentro das penitenciárias. Isso permitirá uma variedade mais ampla de oportunidades de educação online. Avaliações recentes determinaram que a educação pode desempenhar um papel na redução da reincidência, particularmente para os infratores de maior risco.

Da mesma forma, as qualificações de emprego e a prontidão para o trabalho aumentarão substancialmente com a certificação profissional e reconhecida on-line. Atualmente, os infratores em penitenciárias limitam-se a não ter acesso à internet e aos computadores pessoais, o que os colocará cada vez mais em desvantagem ao se reintegrarem ao mercado de trabalho moderno.

A habilitação de comunicações digitais modernas dentro das penitenciárias também facilitará contatos positivos e pró-sociais com a comunidade e o apoio familiar, ao mesmo tempo em que controla as violações de segurança. As soluções digitais também oferecem métodos para desenvolver uma estrutura em conformidade com a constituição para a interceptação e gestão da comunicação dos presos com a comunidade por meio de métodos de monitoramento que, de outra forma, seriam demasiadamente caros.

No mínimo, as soluções digitais modernas facilitarão a pontualidade da documentação e dos relatórios escritos sobre os infratores, o acesso dos presos à informação, o acesso a recursos de pesquisa legal e o contato com o mundo exterior.

Análise de dados e modelagem preditiva – o foco real

De todas as capacidades digitais, a análise de dados e a modelagem preditiva continuarão a ter o impacto mais profundo no sistema prisional. E a razão é simples. A modelagem preditiva se concentra em melhorar a avaliação do risco e do comportamento esperado do infrator. Mais do que qualquer outra área, espera-se que essa capacidade melhore o desempenho (aumentar a segurança pública) e reduza custos (liberações seguras oportunas e redução da reincidência).

Como em qualquer mudança profunda na tecnologia, ao desenvolver uma nova abordagem, é necessária diligência. Várias lições foram aprendidas através de implementações anteriores, tanto nos EUA quanto na Europa. Essas lições são importantes. Primeiro, transparência é a chave. Entender como os algoritmos são calculados e os parâmetros que são usados para calculá-los garante transparência e a capacidade de avaliar sua precisão e identificar viés não intencional.

Segundo, as decisões em torno do encarceramento e da liberdade condicional são significativas. Fazer uma escolha equilibrada e informativa é fundamental, e a modelagem preditiva pode melhorar o grau de equidade ao reduzir os critérios subjetivos. Terceiro, a modelagem comportamental não substitui o julgamento humano. Ela está lá para suplementá-lo e guiá-lo.

Deve ser colocada muito mais ênfase em como a análise de dados permite um melhor julgamento humano. A análise de dados e a modelagem preditiva permitem melhores avaliações de risco e a tomada de decisão.

Se olharmos para a complexidade das decisões envolvendo a liberação condicional de um infrator sob supervisão para uma comunidade canadense, muitas vezes há mais de 30 parâmetros diferentes que contribuem para tomar uma decisão. Com tantos fatores a considerar, o viés humano pode facilmente entrar na equação e dificultar o processo de tomada de decisão. A mente humana não está equipada para medir e avaliar tantos parâmetros de forma eficaz e fazer julgamentos de forma imparcial.

Então, onde está o equilíbrio? Como melhor equipar oficiais de liberdade condicional, gestores e membros do conselho de liberdade condicional para tomar melhores decisões, avaliar riscos, melhorar a segurança pública enquanto reduz a reincidência? Em última análise, a análise preditiva tem muito a oferecer como parte de uma caixa de ferramentas mais ampla que apoia a tomada de decisões eficaz em vez de conduzi-la.

Em resumo, a análise, impulsionada pela política e guiada pelo bom senso, é onde está a resposta. Então, como isso se traduz em ação? Isso significa que a análise de dados pode fazer um trabalho melhor na identificação de infratores de baixo risco para oportunidades de liberdade condicional e ajudar a gerenciar esse risco dentro de uma tolerância aceitável. O que é ainda melhor, esses modelos serão capazes de recomendar programas que se alinhem às necessidades de um infrator, o que apoiará sua reintegração bem-sucedida. Tudo isso, ao mesmo tempo em que reduz o risco mais amplo da comunidade e reduz os custos.

  • Gerenciamento da reincidência

Embora a ênfase deste artigo esteja focada na avaliação e intervenção para reduzir a reincidência, o uso da modelagem preditiva é igualmente significativo em termos de seu potencial para reduzir os níveis de reincidência.

As jurisdições penitenciárias são tipicamente detentoras de grandes quantidades de dados descritivos com os detalhes dos crimes e histórico criminal dos infratores. A análise de dados será capaz de classificar  essas informações históricas para ajudar a identificar a variedade de métodos utilizados pelos infratores  para cometer crimes, bem como as circunstâncias em seu ambiente que elevam o risco de ofensa.

Quando as probabilidades são atribuídas a essas variáveis, assim como são rotineiramente feitas hoje no comércio e marketing, a capacidade de resolver crimes descobrindo os comportamentos mais prováveis que os infratores geralmente cometem antes dos crimes será significativa. A fusão de dados de crimes anônimos com dados de perfil comportamental pode melhorar significativamente nossos métodos de determinar quem são os culpados.

Observações finais

Soluções digitais são frequentemente vistas com ceticismo, mas não deveriam ser. Elas têm o potencial de abordar um amplo conjunto de oportunidades no sistema penitenciário com soluções significativas que integram a saúde, a ressocialização, a redução da reincidência, a melhoria da avaliação de riscos e a redução geral dos custos.

Os países da OCDE estão tomando medidas para construir essas capacidades. Eles já demonstraram que o conteúdo baseado em evidências para programas penitenciários reduz a criminalidade. Será a tecnologia que vai melhorar as necessidades deste setor. O monitoramento eletrônico dos infratores sob supervisão na comunidade foi testado  e passará por avaliação.

O suporte por vídeo e a telemedicina para a gestão da saúde é outra solução digital que auxilia os infratores. Também busca-se melhorar o acesso dos infratores à educação, à alfabetização e à tecnologia. As organizações penitenciárias estão olhando para a implementação de um novo sistema de gerenciamento de infratores que apoiará essa direção mais ampla.

Esta jornada talvez seja longa, porém já foram tomadas medidas com a implementação de uma avaliação rigorosa de avaliações e intervenções de risco baseadas em evidências. Isso serve como uma base sólida para soluções digitais a fim de contribuir para a segurança das comunidades.

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// Simon Bonk é o Diretor de Tecnologia da Informação (CIO) do Serviço Penitenciário do Canadá. Em seu papel como CIO, é responsável pelo relacionamento com parceiros para identificar oportunidades onde a tecnologia e os serviços de gerenciamento de informações pode abordar os desafios comerciais. Sua experiência também está na gestão financeira de TI, o que ajuda a iluminar como os investimentos em TI se alinham com a missão e as prioridades do negócio.

// Michael Bettman é o diretor-geral de modernização do sistema de gestão de infratores para o Serviço Penitenciário do Canadá. É o ex-diretor-geral responsável pelo desenvolvimento e implementação de programas penitenciários (cognitivo-comportamentais), gestão de casos e programas sociais. É doutor em Psicologia pela Universidade de Queens e dedicou sua carreira de 30 anos à avaliação e intervenção de risco criminal baseada em evidências. 

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