What works article Prof Lucia Dammert

A importância da ressocialização: o que funciona?

A ressocialização é um objetivo de longo prazo que a maioria dos países ainda não começou a abordar. Embora alguns tenham redesenhado sua missão institucional de incluir um objetivo claro de ressocialização e reintegração social, este seria apenas um primeiro passo para um sistema prisional mais humano e integrado.

De fato, as mudanças no discurso estão mais relacionadas com processos simbólicos do que com modificações estruturais. O cuidado e supervisão dos detentos é um dos principais objetivos dos serviços penitenciários. Para tanto, é necessário, conforme estipulado no artigo 10.3 do Pacto Internacional das Nações Unidas sobre Direitos Civis e Políticos, que “o regime penitenciário consista em um tratamento cuja finalidade essencial seja a reforma e a readaptação” (1976).

Por isso, também é necessário que, uma vez imersos em um contexto de confinamento, os detentos recebam ferramentas e programas penitenciários e pós-penitenciários adequados, que lhes permitam se beneficiar da ressocialização e reintegração à sociedade.

Supõe-se que uma das tarefas da gestão prisional é utilizar o tempo de pessoas privadas de liberdade para oferecer-lhes as habilidades necessárias para aumentar suas chances de conseguir um emprego, uma acomodação e estabelecer mecanismos de apoio que possam usar uma vez na comunidade, quando forem libertados. Ainda não foi demonstrado que a privação de liberdade por si só pode contribuir diretamente para a redução da criminalidade. No entanto, muitos profissionais e acadêmicos ainda duvidam que a redução das taxas de reincidência deva ser o objetivo principal dos sistemas penitenciários(1). De qualquer forma, os orçamentos para programas de ressocialização enfrentam constantes desafios e restrições.

Na última década, alguns países aumentaram suas expectativas em torno da contribuição que os estabelecimentos prisionais podem proporcionar às estratégias de redução da criminalidade. Na realidade, o crescente número de detentos e altos níveis de reincidência foram integrados como parte de um ciclo vicioso de aumento dos níveis de violência na sociedade. Por exemplo, pesquisas existentes mostram altas taxas de reincidência, variando de 10,4% em El Salvador a 68,7% no Chile(2).

A resposta das políticas públicas foi a concepção de programas específicos e atividades educativas (3) com a percepção de que poderiam fazer a diferença na vida dos detentos. Na América Latina, a prisão ainda é vista como um lugar e espaço de punição, o que relega a ressocialização a uma posição de desvantagem. Os dados existentes revelam que as instituições são violentas, vulneráveis e precárias, e que se contradizem em relação às suas missões institucionais. Independentemente dessa precariedade, algumas unidades prisionais possuem programas de ressocialização, embora ainda haja muito pouca evidência de sua eficácia.

Apesar dos problemas estruturais que o sistema enfrenta na América Latina, há muitos casos de inovação em relação a programas especiais de ressocialização de detentos. A maioria dos programas carece de financiamento institucional, é limitada no escopo ou está nos estágios iniciais de avaliação, mas mostra o potencial de desenvolver iniciativas coerentes mesmo sob as condições mais adversas.

A ressocialização, no contexto criminal, refere-se à ideia de que o agressor é uma pessoa “com uma doença na esfera social” e que deve ser ressocializado. O termo tem sido objeto de um amplo debate que remonta ao início da década de 1970. Como observado acima, os criminologistas são bastante céticos quanto à eficácia de ressocializar infratores através da política penal. Na época, estudos de impacto de ressocialização indicaram que algumas intervenções tiveram efeito mínimo sobre o comportamento criminoso subsequente; esse período foi chamado de Nothing Works(4).

No início da década de 1980 houve um processo de mudança de paradigma, associado ao movimento What Works, que se baseou em estudos que demonstram a eficácia da ressocialização nos presídios, entendendo que a adaptação social é a estratégia de prevenção após a liberação da prisão mais eficaz. Esta linha de pensamento sugeriu que a ressocialização tende a se concentrar em três fatores, nos quais:

    • A intervenção é explicitamente planejada ou assumida, não se trata simplesmente de um evento acidental;
    • Os objetivos se concentram na modificação de aspectos comportamentais do infrator que, segundo se acredita, são responsáveis por provocar sua criminalidade; por exemplo, atitudes, processos cognitivos, personalidade ou saúde mental, relações sociais, habilidades educacionais, formação profissional e emprego;
    • Espera-se que o infrator diminua sua probabilidade de cometer crimes no futuro (5).

Espera-se que os fatores acima mencionados ou as necessidades criminogênicas, tais como atitudes criminosas e habilidades de empregabilidade, tenham um efeito positivo sobre os infratores. Portanto, a mudança proposta pela teoria do What Works anda de mãos dadas com o pressuposto de que a eliminação das causas subjacentes da atividade criminosa é imprescindível para que um programa de ressocialização seja bem-sucedido.

Essa conquista exige a implementação de medidas complexas como a avaliação de riscos e a execução de programas especiais de intervenção individualizada, visando à eliminação de fatores criminogênicos. A linha de pensamento What Works foca em cinco áreas essenciais para a ressocialização: a) Avaliação, b) Tratamento, c) Monitoramento e detecção de medicamentos (em tratamentos para dependentes químicos), d) Transtornos Concomitantes e e) Prevenção de recaídas.

Diante desses elementos, as intervenções sistêmicas podem atingir toda a população da comunidade (baseadas na população e orientada para a comunidade), sistemas que afetam essas populações e/ou indivíduos e famílias. A primeira intervenção modifica normas, atitudes, conscientização, práticas e comportamentos na comunidade. A mudança sistêmica geralmente tem um impacto mais eficaz e duradouro do que uma mudança pessoal.

Considerando a capacidade da sanção típica dos presídios, na América Latina é necessário que o exercício da ressocialização se torne o núcleo central de mudança no comportamento criminoso, a fim de exercer uma influência positiva sobre as habilidades pessoas e capacidades dos infratores(6).

Além disso, os deveres do serviço penitenciário não terminam com o fornecimento de ferramentas de ressocialização durante o período de confinamento, mas também devem incluir programas após a liberação. Ou seja, o apoio prestado aos infratores durante o processo inicial de reintegração à sociedade é fundamental para posicioná-los em setores produtivos que permitam a sustentabilidade do trabalho. 

Notas:
(1)
Coyle, A. (2009). .La administración penitenciaria en el contexto de los derechos humanos. Manual para el personal penitenciario. Londres: Centro Internacional de Estudos Prisionais.
(2) Deve-se notar que não há critério padronizado para medir a reincidência. PNUD. (2013). Estudo comparativo da população carcerária. Nova Iorque.
(3) Aprender uma profissão, nivelamento educacional, programas religiosos, atividades recreativas, entre outros.
(4) CESC. (2008). Debates Prisionais 06. Debates Penitenciários, 1-3.
(5) Cullen, F. T., & Gendreau, P. (2000). Assessing Correctional Rehabilitation: Policy, Practice, and Prospect. Policies, Processes, and Decisions of the Criminal Justice System.. (p. 109-175). Washington: Instituto Nacional de Justiça; Departamento de Justiça dos EUA.
(6) Vermeulen, G., & Dewree, E. (2014). Offender Reintegration and Rehabilitation as a Component of International Criminal Justice? Antwerpen; Apeldoorn; Portland: Maklu

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Lucía Dammert é socióloga, doutora em Ciência Política pela Universidade de Leiden, Holanda. É Professora Associada na Universidade de Santiago de Chile. Publicou artigos e livros sobre participação comunitária, segurança cidadã, conflito social, entre outros temas, a nível nacional e internacional. Entre 2005 e 2010 atuou como Diretora do Programa de Segurança e Cidadania da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (FLACSO), no Chile. Participou de programas de segurança cidadã em vários países da região e assessorou vários governos e a Organização dos Estados Americanos. Além disso, atuou como consultora no Banco Interamericano de Desenvolvimento, Banco Mundial, Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, entre outras organizações regionais e multilaterais. É a única representante da América Latina no Conselho Consultivo de Questões de Desarmamento do Secretário-Geral das Nações Unidas para o período 2017-2020. 

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