Entrevista
Ángel Luis Ortiz González
Secretário-Geral de Instituições Penitenciárias, Espanha
Nos últimos anos, foram feitos investimentos significativos na modernização do sistema prisional espanhol através de uma série de reformas legais, em consonância com as decisões-quadro da União Europeia. Além disso, a população carcerária e a taxa de encarceramento diminuíram. Mesmo assim, os desafios são uma constante para a administração, liderada por Ángel Luis Ortiz desde 2018. Nesta entrevista, ele compartilha de forma sucinta suas conquistas e nos dá uma visão sobre a direção para onde quer levar a instituição.
Quais são as principais conquistas do sistema penitenciário espanhol?
AO: O primeiro é ter proporcionado à maioria dos centros penitenciários infraestruturas adequadas. Graças aos investimentos feitos nos últimos 40 anos, a ocupação da prisão está atualmente em 72,8%, o que significa que a superlotação desapareceu.
Durante o período de 1980-1983, foi elaborado um programa de construção de instalações, com um orçamento de 22.500 milhões de pesetas (aproximadamente 135 milhões de euros / 749 milhões de reais), montante ao qual outros 4.400 milhões de pesetas (mais de 26 milhões de euros / 144 milhões de reais) foram adicionados para a criação de dois centros de segurança máxima e dois centros de cuidados hospitalares.
Com o objetivo de racionalizar e centralizar a construção de presídios, em 1992 foi criada a Sociedade Estadual de Infraestruturas e Equipamentos Penitenciários. Desde então, supervisionou a construção de 26 centros padrão, treze escritórios de liberdade condicional e quatro unidades de mães, todos em operação hoje.
Além disso, desde 1979 temos um arcabouço jurídico garantido que define claramente os direitos e obrigações das pessoas privadas de liberdade ao estabelecer o Juiz de Vigilância Penitenciária como o garantidor desses direitos. Isso permite um autêntico controle judicial sobre as penas de prisão.
Esse controle tornou mais fácil para os juízes de vigilância decidirem sobre diversos assuntos, incluindo revistas por raios-X, alimentação forçada, uso de meios coercitivos em presos, revistas em celas, revistas corporais e comunicação com o mundo exterior.
Até que ponto essas conquistas estão ligadas a fatores como mudanças tecnológicas e penas alternativas? E quais são os principais desafios que o sistema enfrenta hoje (além da pandemia COVID-19)?
AO: Embora a Lei Orgânica Penitenciária Geral aprovada em 1979 não mencione medidas alternativas, também chamadas de penalidades comunitárias, o Código Penal introduziu os programas de “serviço comunitário” e de tratamento como forma de substituir o ingresso na prisão.
O volume dessas medidas alternativas é atualmente superior a 100.000 sentenças por ano e, na prática, isso significa um alívio nas admissões prisionais.
A população carcerária tem de cerca de 46.000 pessoas em centros estatais, e aproximadamente 20% estão na terceira fase (semiliberdade). Dentro desse regime, mais de 5.000 presos foram colocados sob monitoramento eletrônico durante os momentos mais críticos da pandemia.
As novas tecnologias – tanto no controle de presos fora da prisão quanto em seu uso como elementos passivos que contribuem para a segurança – estão facilitando a melhoria do sistema prisional espanhol.
Por ter infraestruturas adequadas e um arcabouço legal garantidor, o desafio para o sistema prisional espanhol é fornecer a todos os presos tratamento de acordo com suas necessidades, uma oferta cada vez mais ampla e específica.
Para isso, nos últimos anos desenvolvemos novos programas, como o projetado para os condenados por crimes de ódio. Cientes da complexidade do problema, concluímos que era necessário intervir junto das pessoas privadas de liberdade para esse tipo de crime e, assim, nasceu o Programa Diversidade. Entre as causas abordadas estão a discriminação baseada em sexo, gênero, crença religiosa e xenofobia.
Os crimes econômicos também têm sido objeto de estudo e o PIDECO (Programa de Intervenção em Delitos Económicos) se concentra neles. Também lançamos ações para penas curtas por violência de gênero. Trata-se de otimizar a passagem pelo sistema penitenciário.
O mais recente na área de tratamento diz respeito a programas de justiça restaurativa, nos quais a vítima tem um papel essencial, com o trabalho também sendo feito para responsabilizar o infrator. Esses processos, que às vezes culminam em encontros entre as duas partes, dão à vítima a oportunidade de ser ouvida e as ajuda a encontrar um desfecho e, às vezes, até superar o luto.
Mais de 5.000 presos foram colocados no regime de monitoramento eletrônico durante os momentos mais críticos da pandemia. As novas tecnologias – tanto no controle de presos fora da prisão quanto em seu uso como elementos passivos que contribuem para a segurança – estão facilitando a melhoria do sistema prisional espanhol.
JT: Os agentes penitenciários da Espanha solicitaram, entre outras melhorias nas condições de trabalho, a reclassificação das penitenciárias, e a serem reconhecidos como agentes de autoridade (Fonte: El Confidencial).
Qual é a visão do Sr. e qual a estratégia para a gestão dos agentes penitenciários? E qual a importância da questão da formação e desenvolvimento dos agentes penitenciários?
AO: O roteiro envolve melhorar a formação dos agentes penitenciários, e dado suas habilidades únicas, reconhecê-los como agentes de autoridade. Também estamos trabalhando para melhorar as condições de trabalho desses profissionais, que desempenham um papel importante no tratamento de pessoas privadas de liberdade.
São eles que estão em contato direto com a população carcerária, que acompanham os presos enquanto são privados de liberdade. A formação, tanto inicial quanto contínua, é essencial para garantir que os agentes penitenciários cumpram suas funções corretamente.
A Espanha tem algumas instalações reformadas. Porém, faltava um centro de formação com os mesmos padrões de qualidade dessas instalações. Por isso, este ano, decidimos criar o Centro de Estudos Penitenciários, com sede em Cuenca. Nos próximos anos, as reformas necessárias serão feitas para colocá-la em funcionamento.
Por enquanto, o trabalho já começou nessa cidade em colaboração com a Universidade de Castilla-La Mancha e as aulas estão sendo ministradas no campus da cidade.
Essa formação inicial para quem pretende atuar em Instituições Penitenciárias consiste em duas fases: um curso teórico no Centro de Estudos e um programa prático em presídios.
Além disso, cerca de 6.000 pessoas estão recebendo formação continuada todos os anos em instituições prisionais em três modalidades: presenciais, online e descentralizados.
JT: Além da Catalunha, que já tinha gestão autônoma de suas prisões, a partir de outubro de 2021 o País Basco também assumiu a responsabilidade por suas três prisões (Fonte: El País). Ao contrário de outros países, o sistema prisional espanhol não está dividido em autoridades federais e regionais, com poderes diferentes e complementares.
Como é a forma de governança e colaboração entre as diferentes jurisdições, ou seja, entre a administração penitenciária estadual e as diversas administrações regionais?
AO: Na Espanha não existe essa diferença. O quadro constitucional espanhol permite que certas regiões assumam competência para a execução de sentenças.
Há um marco regulatório abrangente, mas a execução desse marco pode ser realizada tanto pela Administração Geral do Estado quanto pelas regiões. Duas assumiram essa competência – Catalunha e País Basco – este último em 1º de outubro de 2021.
A relação com essas regiões é de total colaboração: atuamos de forma coordenada através de acordos e prevalece o diálogo.
O radicalismo é um desafio que, devido à sua dimensão global, deve ser enfrentado por todos os sistemas prisionais. Na Espanha, há anos é oferecido um programa para desradicalizar os condenados por terrorismo. Esta questão é um dos principais objetivos da Administração Penitenciária Espanhola.
JT: O último relatório “SPACE I” revela que a Espanha tem certos valores significativamente superiores à média europeia, tais como a longa duração das penas de prisão, o percentual de presos mais velhos (50 anos ou mais) e os percentuais de mulheres e estrangeiros entre a população carcerária.
Como o Sr. está lidando e gerenciando esses desafios específicos?
AO: Embora as taxas de criminalidade na Espanha estejam entre as mais baixas da Europa, as taxas de encarceramento e o tempo médio de permanência na prisão estão entre as mais altas. Felizmente, como a taxa de criminalidade é baixa, o número de pessoas presas está diminuindo, a ponto de o número de presos ter diminuído em 20.000 em onze anos. Essa redução, juntamente com mais de 15.000 vagas disponíveis, significa que a ocupação na Espanha é de cerca de 72,8%.
Essa situação torna possível administrar a vida dentro das prisões com certa normalidade, ainda mais se considerarmos que há onze anos havia 22.000 agentes penitenciários e hoje são mais de 24.000. Além disso, um esforço para contratação nos últimos quatro anos está adicionando 4.403 novos trabalhadores a esse número, dos quais 1.100 serão incorporados em 2022.
JT: Outra preocupação premente é o radicalismo e o extremismo violento entre a população carcerária.
Como o Sr. está enfrentando esse desafio, e o que a Secretaria Geral das Instituições Penitenciárias está fazendo para prevenir e combater o radicalismo dentro do sistema?
AO: O radicalismo é um desafio que, devido à sua dimensão global, deve ser enfrentado por todos os sistemas prisionais. Na Espanha, há anos é oferecido um programa para desradicalizar os condenados por terrorismo. Esta questão é um dos principais objetivos da Administração Penitenciária Espanhola.
Em relação ao terrorismo jihadista, recentemente foi finalizado um acordo de colaboração com as autoridades turcas, o qual permitiu que as autoridades espanholas capacitassem seus homólogos turcos neste assunto por mais de dois anos.
As medidas rigorosas adotadas para lidar com a crise de saúde incluíram a suspensão de licenças de saída e transferências entre os centros, controles mais rigorosos nas oficinas ocupacionais e limitação das comunicações nas cabines de visitas. Na verdade, as visitas ficaram suspensas no auge da pandemia e, desde então, têm sido promovidas videoconferências.
Como tem sido liderar e gerir a Secretaria Geral das Instituições Penitenciárias durante a pandemia? Quais desafios e oportunidades a crise de saúde pública apresentou? As mudanças permanecerão após a pandemia?
AO: A gestão e as medidas adotadas contiveram o avanço da pandemia dentro das prisões espanholas.
A incidência acumulada por 100.000 presos é 1,5 vezes menor do que na população geral. Em 30 de dezembro de 2021, dentro da sexta onda, tivemos 303 casos positivos para o COVID-19; a maioria foi assintomática e três pessoas foram hospitalizadas. Além disso, desde o início da pandemia, a taxa de mortalidade tem sido 8,2 vezes menor do que na população geral: tivemos onze óbitos; quase todas eram pessoas com patologias anteriores.
Durante este período, cerca de 90.000 pessoas passaram pelas prisões espanholas.
As medidas rigorosas adotadas para lidar com a crise de saúde incluíram a suspensão de licenças de saída e transferências entre os centros, controles mais rigorosos nas oficinas ocupacionais e limitação das comunicações nas cabines de visitas. Na verdade, as visitas ficaram suspensas no auge da pandemia e, desde então, têm sido promovidas videoconferências.
Quanto às medidas sanitárias, foram realizados diagnósticos precoces de pacientes sintomáticos, os quais foram isolados e enviados para unidades desocupadas.
O uso de máscaras faciais e o distanciamento físico foram promovidos e quarentenas foram realizadas após o retorno da licença ou após receberem visitantes. Além disso, no final do ano, mais de 85% dos presos haviam completado o esquema vacinal. Menos de 2% recusaram a vacina.
Penso que é importante ressaltar que, graças ao trabalho informativo e educativo dos agentes penitenciários, os detentos entenderam que as restrições têm sido por motivos de saúde pública. Isso significa que durante toda a pandemia não houve incidentes graves devido a esta causa.
Ángel Luis Ortiz
Secretário-Geral de Instituições Penitenciárias, Espanha
Ángel Luis Ortiz é formado em Direito pela Universidade Complutense de Madrid. Tem uma extensa carreira nos tribunais, onde começou como assistente quando tinha apenas 18 anos. Foi oficial e magistrado designado para diferentes tribunais, incluindo o Tribunal de Vigilância Penitenciária de Madri número 1. Por dez anos foi conselheiro da Área de Justiça e Prisões da Ouvidoria. Além disso, foi coordenador de um relatório de pesquisa sobre a “Situação das prisões na Espanha”. Assumiu o cargo de Secretário Geral de Instituições Penitenciárias em 18 de junho de 2018, depois de ter atuado como diretor do Departamento Jurídico da Câmara Municipal de Madri por dois anos e meio.