Angel Yuste Prisiones Espana

O sistema penitenciário espanhol: mudanças para se adequar às normas europeias e aos desafios atuais

// Entrevista: Ángel Yuste Castillejo

Secretário-Geral de Instituições Penitenciárias, Espanha
 

Quais são as principais diferenças entre o sistema penitenciário que o Sr. administrou entre 1996 e 2004 e o atual?

AYC: Ocorreram mudanças importantes, embora nossa Lei Penitenciária (de 1979) tenha tido apenas pequenas reformas em seus artigos (1). Nas últimas décadas, as várias reformas legais na Espanha afetaram direta ou indiretamente a relação jurídica nos presídios, e tiveram um impacto na forma como as sentenças de prisão são cumpridas.

A mais importante foi a entrada em vigor do novo Código Penal, em 1996 – o chamado “Código Penal da Democracia” (Lei Orgânica 10/1995, de 23 de novembro) – que, desde então, passou por 26 reformas (2). A última reforma, em 2015, introduziu uma nova modalidade punitiva no sistema jurídico (o chamado “encarceramento permanente revisto”) e modificou a natureza da liberdade condicional, transformando-a em uma modalidade de suspensão da pena.

Além disso, outras reformas legais foram realizadas em diversas áreas (trabalho, saúde, educação, orçamento, administração, serviço público, imigração, proteção da vítima e cooperação judicial internacional). Muitas dessas reformas ocorreram devido à necessidade de incorporar os regulamentos estabelecidos nas Decisões-Quadro da União Europeia em nossa ordem jurídica interna.

Ademais, o perfil da população carcerária também mudou – essencialmente devido ao surgimento de novos tipos de crimes, como a “corrupção política” e o terrorismo jihadista. Os avanços tecnológicos também trouxeram mudanças significativas, bem como a construção de novas infraestruturas penitenciárias com um modelo funcional versátil introduzido pelo Regulamento Penitenciário de 1996 (Decreto Real 190/96 de 9 de fevereiro).

Em suma, são mudanças que levaram a um processo de atualização da legislação penitenciária que contribuiu decisivamente para a modernização do sistema.

Muitas das reformas ocorreram devido à necessidade de incorporar as decisões-quadro da União Europeia ao nosso sistema jurídico

JT: Apesar dos investimentos feitos no sistema penitenciário espanhol nos últimos anos, talvez entre os desafios mais difíceis ainda esteja a falta de profissionais, o que tende a produzir um aumento de conflitos dentro das penitenciárias. De fato, os números mostram que entre 2011 e 2016 ocorreram mais de 2.200 ataques a agentes penitenciários. Ao mesmo tempo, os Sindicatos dizem que há 3.500 novas vagas a serem preenchidas nos próximos quatro anos, além das vagas de reposição anual (Fonte: Jornal “El País”, 10 e 29 de agosto de 2017).

Isso é verdade? Quais são os problemas do sistema nesta área e quais são as medidas que o senhor tem em mente para resolvê-los?

AYC: Esta informação é parcialmente verdadeira. Muitas vezes tenta-se argumentar sobre um clima de conflito nos centros penitenciários, mas temos profissionais altamente qualificados, uma estrutura moderna que permite uma separação adequada dos presos, um procedimento claro e preciso que regula as medidas de segurança para enfrentar situações conflitantes, bem como uma taxa de ocupação que vem melhorando e se consolidando ao longo do tempo.

Na verdade, entre 2011 e 2016 houve 2.207 ataques a oficiais, dos quais 1.193 não houve feridos. O ambiente prisional tende a ser conflituoso e facilita o surgimento de comportamentos agressivos por parte dos detentos. No entanto, os números de agressões a agentes penitenciários mostram uma tendência decrescente, o que permite uma comparação vantajosa com anos anteriores e, especialmente, com países como a França ou o Reino Unido.

No ano de 2017 (até o final de novembro) foram registradas 269 agressões, 96 delas sem ferimentos. No entanto, em 2016, foi desenvolvido um “Protocolo Específico de Prevenção a Agressões na Área Penitenciária”, cujos objetivos específicos eram prevenir situações potencialmente conflitantes que pudessem gerar agressões contra funcionários de presídios públicos; estabelecer medidas preventivas e estratégias que incluíssem diretrizes para ações claras e eficazes diante de incidentes e agressões violentas; garantir a segurança e a saúde dos agentes penitenciários, bem como apoiar aqueles que fossem vítimas de agressões, quando estavam em serviço.

Mais especificamente, foram desenvolvidas medidas que visavam melhorar o conhecimento sobre os presos por parte dos agentes, atualizar e revisar os meios e técnicas de proteção pessoal e fortalecer programas de intervenção e tratamento voltados para os detentos mais agressivos.

Também foi introduzido um novo Programa de Intervenção de Comportamento Violento (PICOVI) com o objetivo de ajudar os detentos a reconhecer seu comportamento e motivá-los a mudar, promovendo um estilo de vida e valores adaptados às normas de convivência e comportamento pró-social.

Quanto à falta de pessoal, é verdade que houve anos de contenção de custos devido à crise econômica. Essa situação forçou o estabelecimento de estratégias de sustentabilidade do quadro de funcionários que, atualmente, foram superadas. Nos últimos anos, nossas ofertas de emprego público superaram a taxa de reposição e, em 2017, ficou em 196%. Assim, observa-se que se nos anos 2010-2011 a oferta de emprego era de 351 empregos; em 2016-2017 totalizou 1.374.

Somando-se ao exposto, a diminuição da população carcerária significou a redução das proporções de presos por agentes penitenciários: em 2008, a proporção foi de 2,7, enquanto em novembro de 2017 foi de 2,1. Este é um indicador que pretendemos melhorar ainda mais no futuro.

 

Vista aérea do Centro Penitenciário Madrid VII – Estremera, construído em 2008

JT: Embora a taxa da população carcerária da Espanha tenha diminuído nos últimos anos, ela ainda é uma das mais altas do sul da Europa (130 por 100.000 pessoas).

Que soluções existem para reduzir essa taxa abaixo de 100 para que a Espanha se aproxime de países como Alemanha, Dinamarca ou Bélgica?

AYC: Desde 2009, temos testemunhado uma tendência de queda: passamos de um número de 76.000 presos, em de 31 de dezembro desse ano, para um de 59.500, no final de 2017.

Em relação aos dados dos centros que estão à frente desta Secretaria Geral – ou seja, excluindo a Catalunha – esse número passou de 65.548 para o número atual (dia 8, dezembro de 2017) de 51.066. Ou seja, 14.482 presos a menos.

Para continuar mantendo essa tendência, queremos promover a gestão efetiva das alternativas ao encarceramento, particularmente no que diz respeito ao trabalho em benefício da comunidade, suspensão de penas e substituições.

Além disso, também estamos promovendo a transferência de pessoas condenadas para seus países de origem ou de residência na esfera comunitária da União Europeia, por meio do procedimento introduzido pela Lei 23/2014, que transpôs a Decisão-Quadro 2008/2009 para o direito interno espanhol.

Cela de uma instituição penitenciária (um centro-modelo) do sistema prisional espanhol

JT: A Espanha é o país europeu com a maior taxa de mulheres presas (7,5% da população carcerária, ou cerca de 4000 mulheres) (Fonte: PrisonStudies.org).

Essa realidade é uma preocupação para o Sr.? Como suas instituições se adaptam às mulheres privadas de liberdade, e o que deve ser feito para reduzir essa taxa inflada de mulheres presas?

AYC: É verdade que a taxa de população de presas é maior do que a dos países vizinhos, mas a justificativa, entre outras razões, é encontrada no grande número de mulheres estrangeiras que cumprem pena por tráfico de drogas. Se considerarmos apenas a população feminina nativa, o número seria de cerca de 5,4%.

O grupo de detentas possui toda a atenção que a população de detentos do sexo masculino pode ter: participam dos mesmos programas de intervenção e tratamento e têm acesso ao mesmo tipo de formação e atividades ocupacionais, sem prejuízo da realização de outras atividades específicas que fazem parte do Programa Sermujer.es.

Desde 2009, um programa vem sendo implementado com ações específicas e transversais que visam: superar os fatores de vulnerabilidade especial que influenciaram a imersão das mulheres na atividade criminosa; erradicar fatores de discriminação de gênero dentro da prisão; atenção integral às necessidades das mulheres presas; favorecer a erradicação da violência de gênero especialmente os traumas psíquicos, médicos, de dependência química, etc., associada à alta prevalência de episódios de abuso e maus tratos em sua história pessoal. Todas as informações sobre este tema estão disponíveis em nosso site.

 

Desde 2014 temos monitorado o fenômeno jihadista na prisão.

JT: A questão da radicalização nas prisões está em alta e as prisões podem ser um habitat apropriado para esse fenômeno. Muitos agentes penitenciários falam da falta de recursos, falta de capacitação e falta de coordenação para implementar medidas para enfrentar o problema. (Fonte: El Confidencial, 10 de setembro de 2017).

Qual é a sua opinião sobre essas informações e quais são os desafios em relação à questão da radicalização nas prisões espanholas?

AYC: Desde julho de 2014 que temos monitorado o fenômeno jihadista na prisão através de dois mecanismos de ação. Inicialmente, foi desenvolvido um plano para a prevenção e monitoramento daqueles presos que estão ligados ou suscetíveis à causa jihadista, para o qual foi estabelecido um protocolo por meio de regulamentos internos (Instrução I-8/2014) – um Protocolo para a Detecção do Fenômeno Jihadista.

Por meio da observação e troca de informações, este Protocolo possibilitou estabelecer uma categorização de presos jihadistas em três grupos de monitoramento:

  • (Grupo A: Detentos ou presos que aguardam julgamento por atos relacionados ao chamado terrorismo islâmico;
  • Grupo B: Detentos enquadrados em uma atitude de recrutamento e proselitismo de liderança que facilita o desenvolvimento de atitudes extremistas e radicais entre a população de detentos e/ou que realizam uma missão de doutrinação e disseminação de ideias radicais atividades de pressão e coerção sobre o resto dos presos – , ou seja, são os “recrutadores”;
  • Grupo C: Detentos que mostram sinais de fanatismo islâmico, radicalizados ou no processo de radicalização extremista; eles mostram atitudes de desprezo em relação a outros não muçulmanos, ou mesmo para os presos muçulmanos, que não seguem seus preceitos).

De acordo com essa categorização, esses presos foram distribuídos entre 53 prisões diferentes. Este programa nos permitiu detectar, monitorar e controlar o fenômeno.

 

 

Em termos de detecção, houve um aumento no número de presos que são monitorados devido à sua possível conexão com a causa jihadista, que aumentou de 87 em 2014 para 280 em novembro de 2017. Em termos de perfil, o mais comum é o Grupo A (com 153 presos), seguido por C (87 casos) e, por fim, B, onde são detectados 40 presos.

Em termos de controle, os incidentes regimentais realizados por esses presos diminuíram, e o número de pessoas que participaram deles é escasso, o que não acontece em outros países vizinhos. É até necessário enfatizar que, em alguns casos, os detentos do perfil jihadista têm colaborado com os agentes penitenciários para evitar algum tipo de incidente realizado por outros detentos.

Em uma segunda fase, uma vez consolidado este Protocolo, foi estabelecido um Programa de Intervenção e Tratamento Voluntário para os Presos Jihadistas (Instrução I-02/2016), a fim de oferecer-lhes ajuda para superar as abordagens que fortalecem sua ideologia, tentando devolvê-los à sociedade com a capacidade e disposição para respeitar o direito penal, e também os valores de um Estado social e democrático de direito.

Este Programa responde às normas do quadro de ação estratégica contra o terrorismo da Rede de Conscientização da Radicalização (RAN), da Comissão Europeia.

No que diz respeito ao futuro, como o Sr. acha que o sistema espanhol vai evoluir?

AYC: A evolução do sistema penitenciário seguirá a legislação penal. Isso é marcado – com a entrada em vigor de um novo Código Penal em 1996 – por uma tendência cada vez mais acentuada de aumentar medidas alternativas ao encarceramento, que, sem dúvida, estão na base do declínio da população carcerária. Essas alternativas atingem números próximos a 140.000 resoluções por ano.

Devemos também considerar o progresso das novas tecnologias. Estas permitem que, em muitos casos, a pena de privação de liberdade possa evoluir para formas de limitação da liberdade menos prejudiciais para os condenados e seus familiares, formas mais adequadas à correção e reeducação da sentença.

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Ángel Yuste Castillejo é formado em Direito e graduado em Criminologia pela Universidade Complutense de Madrid e ocupa o cargo de Secretário-Geral de Instituições Penitenciárias desde janeiro de 2012. Anteriormente ocupou o cargo de Diretor-Geral de Instituições Penitenciárias, entre 1996 e 2004. Jurista do Corpo Técnico das Instituições Penitenciárias, foi designado como funcionário em diversos presídios do país e na Central de Serviços.


Notas:


(1) Conforme foi realizado pela Lei Orgânica (LO) 13/1995, de 18 de dezembro, nos artigos 29.2 (período de descanso para gestantes que igualaram o restante das mulheres) e 38.2 (que reduz a idade das crianças para 3 anos), o OL 5/2003, de 27 de maio, no artigo 76.º; 2.h), que introduz a figura do Juiz Central de Vigilância Penitenciária, o OL 6/2003, de 30 de junho, no artigo 56.º (eLearning through the UNED) e OL 7/2003, de 30 de junho, artigo 72.º (5 e 6)a mais importante das reformas que a lei penitenciária sofreu sem dúvida até à data, que regula, pela primeira vez no âmbito da execução das penas privativas de liberdade, a exigência de reparação dos danos materiais e, em alguns casos, os danos morais causados à vítima, aderir ao regime de semiliberdade que supõe o 3º grau de classificação penitenciária.

(2) Três reformas de enorme importância foram as realizadas pelas Leis Orgânicas 15/2003, 5/2010 e 1/2015.

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