Sergio Moro

Projetando novos futuros na justiça e nas políticas de segurança dos cidadãos

// Entrevista: Sérgio Moro

Ministro da Justiça e Segurança Pública (MJSP), Brasil*

 

JT: Dados divulgados em meados de julho 2019, pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) do Brasil, indicavam que existiam pelo menos 812.564 presos no país, dos quais 41,5% (337.126) são presos provisórios. O Brasil tem a terceira maior população carcerária do mundo, a seguir aos Estados Unidos e China

Qual é a estratégia do MJSP para lidar com a superpopulação carcerária e aumentar a segurança no país? 

SM: Gostaria de fazer algumas ressalvas: o Brasil tem uma população muito grande e um índice de criminalidade bastante elevado. O número absoluto, realmente é expressivo. A taxa relativa de presos por 100 mil habitantes, num comparativo que foi feito por um instituto internacional, colocou o Brasil na 26ª posição entre mais de 90 países. A nossa taxa relativa não é assim tão expressiva. Se pensássemos em fazer uma comparação do número de presos com os índices de crime, provavelmente chegaríamos à conclusão de que não é assim tão significativo. Uma ampla parte destes 700 mil presos não estão em regime fechado, mas em regime semiaberto, que em muitos locais funciona basicamente com tornozeleira e prisão domiciliar. A avaliação do Ministério da Justiça é de que a dimensão dessa população carcerária é um grande desafio. Há que se pensar realmente em situações específicas e em soluções alternativas à pena de prisão, como prestação de serviço, mas existem limites para soluções alternativas: crimes graves praticados com violência ou a corrupção, por exemplo. É preciso continuar a sancionar estes crimes com pena de prisão. O que temos feito é tentar expandir a nossa estrutura carcerária para evitar problemas de superlotação e melhorar a estrutura dos presídios atualmente existentes para ficarem em melhores condições.

 

Que medidas o Governo tem pensadas para solucionar a questão do elevado número de presos provisórios? 

SM: Não sei se esse número é tão elevado comparativamente com outros países, ao identificar os percentuais desses países. De acordo com os nossos dados internos a percentagem é de 33% presos provisórios, que considera quem foi preso e não tem ainda nenhum julgamento. A partir do momento que existe o julgamento, se o processo se atrasar, é claro que isso é um problema, mas se o preso foi julgado, pode não ter sido julgado em definitivo, mas já foi condenado criminalmente pela Justiça.

E essa percentagem de 33% por cento não é muito diferente do que se vê noutros países europeus, inclusive. O número difere do CNJ. É uma diferença de critério: nós consideramos preso provisório aquele que não foi julgado em nenhuma instância ainda. O que é um problema da justiça brasileira é a grande morosidade na fase de recursos. Se nós vamos considerar presos provisórios todos aqueles que não têm um julgamento definitivo, haveria um número realmente maior. A partir do momento que se tem o julgamento condenatório e se tem recurso, o prazo do processo em parte dá-se pela ação da defesa.

 

O que está previsto para o fortalecimento das penas alternativas?  De que forma esse fortalecimento irá atenuar os problemas do encarceramento excessivo e da taxa elevada de detentos preventivos? 

SM: Já temos legislação que prevê a possibilidade de combinações de susbtituição de penas de até quatro anos de prisão por pena alternativa. Eu acho que já é um patamar suficiente. O que nós precisamos, no entanto, é de tomar controle dessas penas alternativas. Muitas vezes se faz com base em prestação de serviço e às vezes com dificuldade de acompanhar o serviço desses condenados, mas em matéria de legislação abstrata, eu acho que nossa lei já é suficientemente generosa.

É importante destacar que há um decréscimo dos principais indicadores criminais desde o início do ano. Só em matérias de crime de assassinatos, temos uma queda de 22% em comparação com o mesmo período do ano passado. Outros crimes por exemplo, roubo a instituição financeira, essa queda foi até mais significativa, em torno de 40%. Existe um mérito compartilhado porque a segurança pública é de responsabilidade social não só do governo federal, mas dos governos estaduais

JT: Por um lado, podemos dizer que o quadro de violência no país tem sido agravado pela ação do crime organizado, incluindo a multiplicação de gangues e fações criminosas no território e também nos presídios. Por outro lado, a explosão da população carcerária está correlacionada, em larga medida, com os crimes de drogas. Em 2016, 28% da população carcerária no país estava respondendo por esse tipo de crime.

Que ações estão sendo ou serão postas em prática, sob a sua tutela, para travar e reverter o problema dos grupos de crime organizado, dentro e fora das prisões?

SM: O governo tem tido uma postura bastante firme contra as organizações criminosas. Boa parte da criminalidade violenta no Brasil está vinculada, especialmente nas regiões metropolitanas, a disputas entre organizações criminosas, ou no caso de tráfico de drogas a disputa entre fornecedor e consumidor.

O governo tem tido uma política de transferência das lideranças criminosas para presídios federais de segurança máxima, nos quais normalmente há uma condição excelente para manutenção desses presos. É um cárcere mais duro, embora as condições sejam em geral muito melhores até que nos presídios estaduais, em matéria de alimentação e higiene, são mais controlados, as celas são individuais, não há fugas, não há rebeliões, não há telefones celulares.

Isso tem quebrado a cadeia de comando das organizações criminosas, tem gerado enfraquecimento, o volume de apreensão de drogas tem crescido no Brasil. Em parte por causa de uma maior eficiência das polícias federais, e por outro lado temos intenção de focar também no confisco do patrimônio, como já fazemos em investigações que levem ao desmantelamento da organização, e não só com prisão das lideranças.

É importante destacar que há um decréscimo dos principais indicadores criminais desde o início do ano. Só em matérias de crime de assassinatos, temos uma queda de 22% em comparação com o mesmo período do ano passado. Outros crimes por exemplo, roubo a instituição financeira, essa queda foi até mais significativa, em torno de 40%. Existe um mérito compartilhado porque a segurança pública é de responsabilidade social não só do governo federal, mas dos governos estaduais. Acredito firmemente que esse enfrentamento da criminalidade organizada, com uma investigação eficiente, confisco, e isolamento das lideranças, tem tido um papel relevante nessa queda.

Quanto a crimes relacionados com droga temos alguns dados oficiais. Por alto, até setembro, 75 toneladas de cocaína foram apreendidas, enquanto que no ano passado não chegou a cinquenta toneladas. Em relação a outras drogas como maconha, estamos em parcerias importantes com o Paraguai, que é um país produtor, para a erradicação de plantações de maconha naquele país, que é um método bastante mais eficiente do que apreender carregamentos de droga no Brasil.

Estamos em estudo e construção de um modelo de parcerias público-privadas principalmente no que se refere a estabelecimentos prisionais

JT: Nos últimos dois dias participamos de um evento organizado em conjunto com seu  Ministério sobre parcerias público-privadas no sistema penitenciário como uma das formas que existem para aliviar as necessidades da população dos presídios. 

Em relação a Parcerias Público-Privadas no setor penitenciário, qual é o tipo de atuação que o seu Gabinete pode ter, em matéria de avaliação da necessidade deste tipo de parceria? E em que medida considera que tais parcerias têm potencial para apoiar os objetivos do seu governo com respeito ao tema penitenciário?

SM: Estamos em estudo e construção de um modelo de parcerias público-privadas principalmente no que se refere a estabelecimentos prisionais. No fundo a iniciativa principal de construção é dos estados, pois estes constroem presídios estaduais. Os presídios federais são destinados a instalações de máxima periculosidade, não se pode fazer uma parceria nessa área. Para os estados é diferente já que lidam com a população carcerária em geral. O que o Governo Federal vai fazer é sugerir um modelo, em que os estados que têm a sua autonomia, poderão ou não acolher, com suas nuances e tentar estabelecer diretrizes. Claro que seguir o modelo sugerido pelo governo federal é mais fácil a nível de financiamento. Contudo, o modelo está em construção, porque queremos fazer um modelo também fundado no trabalho do preso, para que parte da remuneração do preso seja destinada ao próprio, mas parte seja também destinada ao custo do próprio financiamento para construção desses estabelecimentos. 

 

Enfrentar a corrupção é um tema perene e pertinente a todos os países. É algo que fortalece não só a economia, mas a própria democracia. O compromisso do nosso Ministério é buscar fortalecer especialmente a polícia federal, dando-lhe a melhor estrutura de recursos humanos, financeiros, e ferramentas, para investigar a corrupção, que é um crime bastante complexo

JT: O combate à corrupção constitui uma das suas principais bandeiras enquanto Ministro do atual Governo do Brasil, no entanto as próprias instituições do sistema de justiça (incluindo polícias, sistema penitenciário e outras entidades) registam casos de corrupção.  Na verdade, no Índice Mundial de Perceção da Corrupção 2018, o país caiu da 96ª para a 105ª posição, entre 180 países avaliados. A pontuação passou para 35 pontos em 100: o valor mais baixo dos últimos sete anos4

Como é que Sua Excelência pretende afrontar a corrupção no seio das instituições da Justiça? E até que ponto o problema da corrupção não coloca em causa os esforços do seu Ministério em prol do aumento da eficácia do sistema?

SM: Enfrentar a corrupção é um tema perene e pertinente a todos os países. É algo que fortalece não só a economia, mas a própria democracia. O compromisso do nosso Ministério é buscar fortalecer especialmente a polícia federal, dando-lhe a melhor estrutura de recursos humanos, financeiros, e ferramentas, para investigar a corrupção, que é um crime bastante complexo. Em 2019 passamos a estimular os estados a criarem delegacias de investigação de corrupção, não ficando só a cargo da polícia federal, já que existe corrupção nos governos estaduais. Estabelecemos a criação de alguns fundos dentro do Ministério, em que as verbas são direcionadas para investimentos em segurança pelos estados. Estabelecemos critérios para distribuição dos recursos. Um dos critérios que destacamos foi a exigência de que cada estado tivesse uma unidade organizada especializada em investigação de crime de corrupção. Em vários estados a partir desse estímulo, ou paralelamente a ele, passaram a criar a unidades dessa natureza, o que é bastante promissor.

A responsabilidade do Ministério da Justiça e Segurança Pública diz mais respeito à parte executiva – a polícia. O poder judiciário tem uma grande independência e autonomia dos seus órgãos de gestão. O nosso envolvimento é um pouco menor, salvo evidentemente no que se refere a propostas legislativas. Enviamos um projeto de lei anticrime no início do ano ao congresso com medidas contra a corrupção, crime organizado, e criminalidade violenta.

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Sérgio Moro é ex-magistrado, escritor, professor universitário e atual Ministro da Justiça e Segurança Pública do Brasil. Foi juiz federal da 13.ª Vara Criminal Federal de Curitiba (capital do estado do Paraná) e Professor de Direito Processual Penal, na Universidade Federal do Paraná (UFPR). Especialista em combate a crimes financeiros, lavagem de dinheiro e organização criminosa. Contou mais de vinte anos na carreira da magistratura federal, tendo atuado na Operação Lava Jato e no caso Banestado, entre outros. Em 2012, foi juiz instrutor no Supremo Tribunal Federal.

 

O Sr. Moro não ocupa mais o cargo ocupado no momento em que esta entrevista foi realizada, uma vez que se retirou do cargo de Ministro da Justiça e Segurança Pública no final de abril de 2020 .

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