// Entrevista: Ofra Klinger
Tenente-General, Comissária do Serviço Penitenciário de Israel
JT: No momento em que foi empossada como chefe do serviço, a imprensa informou que a Sra. tinha a missão de restaurar a credibilidade dentro do sistema prisional: “(…) uma organização de segurança que sofreu uma série de controvérsias nos últimos anos”. Tais controvérsias incluíram a fuga de um prisioneiro condenado à prisão perpétua, o contrabando de uma arma de fogo em uma prisão e agressões a agentes penitenciários perpetradas por detentos (Fonte: The Jerusalem Post 23/11/2015, “Ofra Klinger empossada como nova chefe do Serviço Penitenciário de Israel”).
O que a Sra. fez durante esses dois anos e meio de liderança para superar os problemas que mancharam a imagem do serviço penitenciário?
OK: Na minha opinião, a obrigação primária do Serviço Penitenciário de Israel (IPS, por sua sigla em inglês) é manter os presos sob custódia seguros e garantir condições de vida satisfatórias. Fugas de presos são relativamente raras em Israel, não ocorreram nos últimos anos e certamente não durante meu mandato.
No entanto, os desafios de segurança são significativos e lidamos com eles diariamente. O IPS possui uma rede de inteligência profissional que utiliza métodos únicos desenvolvidos ao longo dos anos e trabalha em constante cooperação com outros serviços de segurança e inteligência.
Como uma organização que busca um progresso contínuo, o IPS está constantemente aprendendo e recebendo atualizações sobre eventos ao redor do mundo relativos às várias formas de contrabando dentro da prisão, como a ameaça de drones.
Um dos recursos mais importantes para lidar com tais incidentes é o recurso humano: proporcionamos formações contínuas para funcionários, exercícios e práticas constantes durante a rotina diária (programa de busca proativa, prática de uma ampla variedade de cenários de emergência, etc.), além de unidades especiais altamente treinadas para fornecer uma resposta imediata a incidentes de fuga, contrabando, motins, etc. Além disso, o IPS conta com uma unidade de escolta para transporte de presos de e para os tribunais.
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Defendo uma abordagem multidimensional e abrangente para questões de segurança — e que essa segurança não é uma questão isolada. As prisões são, em grande parte, resultado das falhas da sociedade onde é oferecida uma solução para problemas que não foram tratados anteriormente, incluindo os problemas dos próprios detentos, que, por sua vez, criam desafios de segurança.
Melhora-se a segurança prisional através da manutenção de uma rotina diária bem organizada e supervisionada, em que as unidades prisionais estão em boas condições, os funcionários estão satisfeitos, alertas e atentos aos presos, e a maioria dos presos estuda e participa de programas de ressocialização ou está empregada.
Programas educacionais e de tratamento criam uma rotina diária e motivam os detentos a realizar atos positivos — eles têm tudo a perder se não se comportarem como deveriam. É claro que isso não evita completamente os problemas de segurança e deve-se manter os olhos abertos o tempo todo.
O serviço penitenciário de Israel possui uma rede de inteligência profissional que usa métodos únicos e trabalha em constante cooperação com outros serviços de segurança e inteligência.
JT: O IPS também é responsável pelos infratores que estão prestando serviço comunitário e em prisão domiciliar.
Até que ponto essas alternativas ao encarceramento são utilizadas em Israel e como funciona a intervenção do serviço penitenciário nesses casos?
OK: Atualmente, há 2.300 pessoas cumprindo sentenças de serviço comunitário e 500 pessoas supervisionadas por monitoramento eletrônico. A reforma ampliará as alternativas ao encarceramento.
Atualmente, essa medidas, aplicadas pelo IPS, incluem: o serviço comunitário para infratores (alternativa, determinada pelo tribunal para infratores que tenham sido condenados até seis meses de pena. Em um futuro próximo, o uso de sentenças de serviço comunitário será ampliado para infratores condenados até nove meses); o monitoramento eletrônico de detentos em prisão preventiva; e supervisão de agressores sexuais após sua libertação da prisão.
Minha opinião é que, nos casos em que for necessária uma pena privativa de liberdade, o infrator cumprirá a pena na prisão; em qualquer outro caso, a sentença deve ser cumprida na comunidade. Essa abordagem foi validada pelo Supremo Tribunal e por diferentes comitês que lidam com a questão das alternativas ao encarceramento.
JT: Em seu relatório anual do ano passado, a Defensoria Pública de Israel observou que as condições proporcionadas pelo serviço penitenciário nem sempre atendem aos padrões internacionais, especialmente quando se trata do espaço de convivência destinado a cada preso, das disposições de assistência médica, da falta de assistentes sociais e escassos programas de ressocialização para não falantes de hebraico (Fonte: Jerusalem Post 09/07/2017, “Defensora Pública: Condições prisionais israelenses ainda insuficientes”).
O que está sendo feito para atender às recomendações do Departamento da Defensoria Pública emitidas neste relatório?
OK: O IPS é a entidade mais auditada em Israel. Por ser uma organização profissional, levamos a sério a auditoria e os relatórios resultantes e, na medida do possível, intervimos no sistema [penitenciário] de acordo com as conclusões da auditoria. A quantidade média de espaço para um preso em Israel é de 3,16 metros quadrados. A maioria das nossas instalações prisionais são prédios antigos e alguns deles remontam à criação do Estado de Israel (1948).
Tenho o privilégio de atuar como Comissária em um período significativo para o IPS. Após uma decisão do Superior Tribunal de Justiça que foi saudada como revolucionária, o IPS recebeu um orçamento para a construção de novas prisões e reforma das unidades existentes, de modo que o espaço de vida para cada detento seja de pelo menos 4,5 metros quadrados. Esse tamanho de espaço de convivência melhorará a situação das instalações prisionais do IPS em relação a outros países do mundo.
No entanto, é importante ressaltar que, quando estamos lidando com a questão do espaço de convivência para os detentos, não estamos apenas olhando para o tamanho real do espaço, mas para como ele atende os objetivos de ressocialização. Durante meu cargo anterior, tive o privilégio de implementar uma abordagem revolucionária sobre tratamento e ressocialização em instalações do IPS graças a uma mudança na legislação, desenvolvemos ferramentas avançadas e inovadoras nesta área.
Na área de atendimento médico, estamos testemunhando uma mudança na tendência dos perfis dos detentos. Atualmente, há um número crescente de presos mais velhos (à medida que os idosos também compõem uma parcela crescente da população em geral): essa população basicamente tem a saúde mais frágil e, em muitos casos, sofre com multimorbidade.
Foram criados vários centros de atendimento médico nos últimos anos, incluindo o Centro Médico Central do IPS e clínicas especializadas do distrito, que reduziram o transporte de detentos para centros médicos externos e melhoraram a qualidade do tratamento. Também foram estabelecidos blocos de celas especiais para portadores de tuberculose, dentro de unidades prisionais do IPS.Além disso, são prestados serviços de saúde preventiva — tais como tratamento odontológico, etc.
Em relação à escassez de assistentes sociais: em geral, o IPS não sofre com falta de assistentes sociais e nosso centro de recrutamento recebe inúmeros pedidos para ingressar na organização.
O maior problema que mais nos preocupa, é o dos falantes de línguas estrangeiras e a inexperiência dos recém contratados. Investimos grandes esforços nessas áreas, especialmente no âmbito da formação.
No que diz respeito à ressocialização de detentos que não falam hebraico, acreditamos que a reintegração social bem-sucedida dos presos depende da obtenção de uma educação com ênfase no aprendizado da língua. Um preso que não fala hebraico ou não sabe ler e escrever em hebraico, recebe, antes de mais nada, um programa para aprender essas ferramentas. A partir daí, o preso pode continuar com outros programas.
O IPS tem uma unidade especial (chamada Tzur) responsável pelo monitoramento de agressores sexuais após a libertação da prisão. Em que consiste esta unidade e como ela funciona?
OK: A Tzur é a unidade operacional mais original do mundo e sua tarefa é monitorar agressores sexuais na comunidade. Ela foi criada em 2006, após a promulgação de uma lei que previa a proteção da sociedade em geral contra agressores sexuais. Esta unidade tem como objetivo evitar, na medida do possível, a reincidência, por meio de equipes que realizam atividades diárias à paisana a fim de observar, monitorar e garantir que egressos do sistema prisional não cometam mais crimes sexuais.
Cada membro da equipe se disfarça para se misturar com o entorno, monitorar pessoas sob supervisão e evitar a exposição ao agressor. A unidade foi construída com o conceito único de que o IPS deve funcionar e trabalhar fora dos muros da prisão. No entanto, ao contrário da polícia, o papel da equipe de monitoramento não é “pegar o criminoso em flagrante” e levá-los a julgamento (embora em alguns casos isso também aconteça), mas impedi-los de cometer o crime novamente.
Isso é possível devido ao fato de que o infrator monitorado e os agentes penitenciários se conhecem previamente, e graças ao entendimento de que eles trabalham em benefício do infrator supervisionado enquanto utilizam métodos de controle e prevenção. Em Israel, há 1.150 agressores sexuais que são monitorados por esta unidade especial, a qual vem se mostrando muito bem-sucedida na prevenção da reincidência de crimes sexuais.
Após uma decisão revolucionária do Superior Tribunal de Justiça, o IPS recebeu um orçamento para a construção de novas prisões e reforma das já existentes.
Estamos cientes de que o Serviço Penitenciário de Israel está organizando uma conferência internacional sobre o tema terrorismo e radicalização. Como e por que essa conferência acontece, e em que ela consistirá?
OK: Estamos falando de uma Conferência Internacional de Comissários Penitenciários e Funcionários Seniores que será realizada em setembro de 2018. A Conferência é organizada em cooperação com o Instituto Internacional Contra o Terrorismo (TIC, segundo sua sigla em inglês) no Centro Interdisciplinar (IDC), de Herzliya.
Nos últimos anos, a Jihad global se espalhou e se enraizou em muitos países ao redor do mundo, e isso leva a novos desafios com os quais todos temos que lidar, como atos terroristas cometidos pelos cidadãos. O retorno dos combatentes estrangeiros terroristas do Iraque e da Síria e a radicalização dentro das prisões são um novo desafio que todos temos que enfrentar.
O IPS abriga 6.000 detentos de segurança de diferentes organizações (Hamas, ISIS e outros). A conferência apresenta uma oportunidade de aprofundar o conhecimento nessa área, estabelecer contatos e compartilhar as melhores práticas. Na conferência, o TIC apresentará novas pesquisas sobre o chamado terrorismo de lobo solitário, serão realizadas visitas a prisões de segurança e palestras de especialistas da área.
A natureza, a estrutura e a ameaça do terrorismo estão mudando consistentemente e um número crescente de países hoje são impactados por essa ameaça. Dessa forma, o número de presos que foram condenados por terrorismo está aumentando em todo o mundo. Alguns desafios e dilemas muito importantes estão surgindo dessa situação.
Assim, a conferência tem como objetivo discutir as seguintes questões: os presos condenados por acusações relacionadas ao terrorismo devem ser separados da população prisional em geral? Quais são as melhores práticas para coletar informações dentro das prisões? Quais são os melhores meios e métodos possíveis para evitar a propagação da radicalização e para alcançar a desradicalização dentro das prisões?
Como realizar o acompanhamento de presos radicais após sua libertação e retorno ao seu ambiente familiar (que talvez era um ambiente radicalizado)? Como equilibrar uma cultura, linguagem e religião nos quais não se é necessariamente um especialista? Como garantir que nenhum material proibido seja dado a presos condenados por terrorismo?
Como gerenciar de forma diferente aquelas organizações terroristas dentro das prisões que são hostis umas com as outras? Como a gestão prisional pode utilizar a conexão com a liderança dos presos para promover a desradicalização? Como se pode usar o sistema de privilégios e sanções rotineiramente, e durante um período de escalada?
Como lidar com manifestações e greves de fome? Como gerenciar o encarceramento de presos terroristas em um ambiente político e público complexo? Como o Serviço Penitenciário de Israel gerencia a inteligência Inter organizacional com outros órgãos de segurança — o IDF, a Agência de Segurança de Israel (ISA), o Serviço de Inteligência Secreta de Israel (MOSSAD), o Ministério das Relações Exteriores, etc.?
A conferência abordará essas questões por meio de palestras, discussões em painéis de especialistas e uma experiência em primeira mão visitando uma prisão de segurança.
A Sra. é membro do conselho da Associação Internacional de Serviços Prisionais e de Correção (ICPA, por sua sigla em inglês). Até que ponto esse papel contribui para o seu trabalho como Comissária do Serviço Penitenciário de Israel?
OK: Eu apresento a ICPA às inovações e iniciativas do Serviço Penitenciário de Israel. Nossas habilidades de enfrentamento e estratégia são únicas e os membros do ICPA podem aprender com nossas experiências na gestão de presos de segurança.
Minha conversa contínua com membros do ICPA e associações profissionais também apresenta o IPS a oportunidade de se manter atualizado sobre as últimas inovações do setor penitenciário nas áreas de encarceramento, ressocialização de detentos, desenvolvimento de pessoal e muito mais.
Sinto-me honrada em dizer que o IPS ganhou vários prêmios da ICPA, graças ao pensamento criativo e ao desejo de inovação e originalidade que caracterizam nossa organização e o Israel em geral.
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Ofra Klinger é graduada pela Faculdade de Direito da Universidade de Tel Aviv (LLB). Possui mestrado em Ciência Política pela Universidade de Haifa e é graduada pela Faculdade de Defesa Nacional de Israel. Antes de ingressar no Serviço Penitenciário de Israel, a Tenente-General Klinger trabalhou como promotora da Procuradoria do Estado (Distrito Central). Antes de ter sido nomeada Comissária em novembro de 2015, ela atuou em vários cargos no Serviço Penitenciário de Israel, incluindo Chefe da Seção de Administração de Detentos, Chefe de Gabinete, Assessora Jurídica, Chefe Adjunta e Membro do Comitê que examina a política de punição e tratamento para os infratores. Klinger também é membro do Conselho Executivo da ICPA.