Stephane Bredin Prisons France

A anunciada reforma penitenciária da França acrescenta lugares às prisões, mas deseja menos encarceramentos

// Entrevista: Stéphane Bredin

Diretor-Geral da Administração Penitenciária, França 

Qual é a situação resultante da superlotação no sistema prisional e o que está sendo feito para enfrentá-la?

SB: Ainda estamos entre os estados do sul da Europa Ocidental que possui taxas muito altas de superpopulação. A média nacional de ocupação é de quase 120%, mas essa taxa mascara disparidades extremamente fortes, pois nas chamadas “casas de detenção” (maisons d’arrêt) — instituições que acomodam presos que ainda estão aguardando seu  julgamento e presos condenados a penas curtas — a superlotação excede 140%.

No total, estima-se que haja um excesso de aproximadamente 14.900 presos. Alguns estão sujeitos a condições difíceis de prisão: há 1.687 dormindo em colchões no chão das celas e apenas 39% dos presos vivem em celas individuais. Isto se deve a muitas razões: não temos instalações suficientes e a população criminosa vem crescendo constantemente nos últimos 40 anos. Essa situação é agravada pelo fato de que 30% dos nossos 70.600 detidos são acusados. 

As respostas que estamos tentando implementar incluem duas abordagens: aumentar a capacidade de nossas instituições penitenciárias e implementar uma política de justiça criminal para reduzir o encarceramento através do projeto de lei que a Ministra (da Justiça) apresentará ao Parlamento no outono.

Esta é a primeira vez que essas duas medidas são tomadas ao mesmo tempo: realizamos uma avaliação de impacto e uma estimativa dos efeitos da reforma penal e, como resultado, o número de locais a serem construídos baseia-se no aumento da população criminosa que esperamos nos próximos dez anos.

Com esta reforma penal, nos juntamos a um movimento internacional cuja filosofia é descentralizar nosso sistema de sentenças a partir da prisão.

No setor imobiliário, temos novos meios em relação aos programas anteriores: criamos um mapa de necessidades e foi pedido aos prefeitos que encontrassem locais para construir presídios. Além disso, o projeto de lei inclui novas disposições legais para acelerar a construção. Também estabelecemos como prioridade a construção de presídios novamente em áreas urbanas (e não em áreas rurais, como era feito tantas vezes no início da década de 1990) para evitar problemas de acesso e facilitar a criação de parcerias com associações e outros serviços.

Queremos construir prisões que realmente promovam o processo de reintegração social. Entre as construções futuras contaremos até com instalações menores (90 a 120 vagas), em contraste com as tendências anteriores na França. Nos próximos 5 a 6 anos, serão entregues as primeiras 7.000 vagas. As novas instalações da cidade terão menor nível de segurança e o regime de detenção se concentrará na autonomia dos detentos e, portanto, na preparação para sua soltura.

Em outro aspecto desta reforma penal, nos unimos a um movimento internacional cuja filosofia é descentralizar nosso sistema de sentenças a partir da prisão, ou seja, uma perspectiva em que a pena privativa de liberdade não é o único modelo em torno do qual deve-se construir todo o sistema. O termo “pena alternativa” ilustra bem  que a referência ainda é a detenção.

Na verdade, as sentenças de liberdade condicional (na França) são uma criação extremamente recentes. Acredito que, mesmo na mente dos tribunais e juízes, essas sentenças nem sempre são percebidas espontaneamente como “iguais” à prisão. Toda a filosofia desta reforma penal baseia-se em dizer que existem várias alternativas de sentença e que todas elas são todas iguais: elas devem simplesmente ser adaptadas ao perfil da pessoa condenada e ao seu crime.

A reforma penal estabelece que as penas de menos de um mês de prisão serão abolidas. Isso demonstra um forte sinal político de que sentenças curtas não fazem sentido em termos de reintegração e prevenção da reincidência, pois têm todos os efeitos negativos sem qualquer efeito positivo. Para penas de dois a seis meses, a nova lei estabelece que o princípio é aprovar outras sentenças, como serviço comunitário, liberdade condicional ou monitoramento eletrônico; a ideia é que a sentença seja executada na comunidade, com  supervisão reforçada pelos serviços de liberdade condicional.

Penas de até seis meses de prisão devem ser subsidiárias, ou seja, devem ser proferidas nos casos em que o juiz considere que, apesar de tudo, tal sentença faz mais sentido. Para penas de seis meses a um ano, o juiz ainda pode alterá-las imediatamente (aménagement “ab initio”) para monitoramento eletrônico, trabalho comunitário, suspensões com acompanhamento judicial, etc.

[Para abordar a questão dos telefones celulares nas prisões] Adquirimos uma solução cujos bloqueadores evoluirão de acordo com as tecnologias utilizadas pelas companhias telefônicas.

JT: Há um plano para instalar 50.000 telefones em prisões francesas. (Fonte: Le Figaro, “Na prisão, telefones fixos para cada cela”, 02/01/2018).

Que desafios o sistema prisional está tentando superar com esse investimento?

SB: Temos muitos celulares sendo contrabandeados ilegalmente e isso representa uma série de problemas de segurança, pois permite que a atividade criminosa continue e gera tráfico e violência. Para se ter uma ideia, em uma prisão construída há alguns anos no sul da França — uma prisão muito segura e onde é difícil conseguir celulares — um celular estava sendo alugado por €1500 por mês.

As soluções de interferência que adquirimos estão funcionando hoje, porém, o problema com isso é a falta de dispositivos que funcionam a longo prazo, ou seja, toda vez que os operadores mudam sua tecnologia e frequência (a cada 3-4 anos),  os bloqueadores se tornam obsoletos. 

Para combater esse problema, precisamos de soluções progressivamente mais eficazes de bloqueio de sinais, e precisamos começar com os estabelecimentos onde há mais contrabando (as regiões de Paris, Lyon e Marselha).

Assim, adquirimos uma solução cujos bloqueadores evoluirão de acordo com as tecnologias utilizadas pelas empresas de telefonia. Temos milhões de euros para cobrir um número máximo de instalações nos próximos quatro anos, começando este ano com vários estabelecimentos grandes.

Ao mesmo tempo, estaremos instalando telefones fixos. O Estado apoiará financeiramente essa aquisição e, por sua vez, os telefones fixos serão instalados por meio de uma concessão do serviço público: uma empresa investirá na instalação e o serviço será financiado pelos presos, que pagarão por suas comunicações.

Hoje, os detentos só podem ligar das cabines até as cinco da tarde. Além disso, negociamos uma redução de mais de 50% do preço dos serviços de comunicação, de modo que os detentos poderão pagar por elas.

Fonte:SPACE I

JT: A França tem uma taxa de suicídio de 43 por 10.000 detidos, enquanto a média na Europa é de 18. (Fonte: SPACE I report, 2016).

Como uma melhor comunicação entre detentos e seus entes queridos auxilia na redução das taxas de suicídio?

SBEmbora esta seja uma situação muito grave que nos preocupa muito, a verdade é que melhorou consideravelmente na última década: cerca de dez anos atrás, tínhamos uma média de 125-130 suicídios; atualmente a taxa é de 100-110, dos quais 97 ocorreram na prisão e os outros no hospital.

Na verdade, reduzimos o número de suicídios na prisão, embora a superlotação tenha continuado a aumentar. Para começar, todos os níveis da administração penitenciária foram mobilizados e há uma consciência muito forte que realmente engajou todos os funcionários. Nossa política se concentra em três prioridades: prevenção, proteção dos presos em caso de crise suicida e luta contra sentimentos de isolamento.

Sobre a prevenção, desenvolvemos ainda mais formações para os agentes penitenciários com intuito de melhorar a observação e detectar crises suicidas. Também promovemos o intercâmbio entre profissionais, não só os agentes, mas também outros profissionais, o juiz de sentença, os serviços médicos, os de liberdade condicional, etc., de modo que otimizamos o fluxo de informações.

Então, focamos nossa atenção nos momentos que identificamos como os mais perigosos (especialmente na chegada, durante os primeiros dias de prisão e quando os detentos são transferidos para a ala disciplinar, ou seja, quando são sancionados). Também desenvolvemos, juntamente com a Cruz Vermelha Francesa, um programa chamado “Detentos de apoio” no qual capacitamos detentos para ouvir outros presos.

Além disso, muitos estabelecimentos possuem celas de proteção especial onde os detentos podem ser alojados no momento de uma crise suicida. Da mesma forma, uma das formas de lutar contra o sentimento de isolamento é através da telefonia instalada nas celas, o que permitirá que os detentos também chamem seus entes queridos à noite. Além disso, os detentos podem ligar gratuitamente para os serviços de apoio através dos telefones existentes.

JT: Há pessoas que criticam a gestão arcaica do sistema penitenciário, que supostamente carece de uma revolução digital (Fonte: Le Monde, “Prisões sofrem de gestão ultrapassada”, 29/06/2017).

Há planos para introduzir mais tecnologia? E como a digitalização pode melhorar os resultados do sistema penitenciário?

SB: Estamos pensando nesse projeto há dois anos e temos apoio político, inclusive do Ministério da Fazenda. Queremos aproveitar a tecnologia para facilitar o trabalho dos agentes penitenciários e incentivar a autonomia e integração dos presos e suas famílias.

Por isso, por exemplo, queremos desenvolver agendamento de consultas online para salas de aula (atualmente, tudo é feito pessoalmente ou por telefone). Também esperamos fornecer acesso a serviços digitais e trabalhar com detentos sobre a exclusão digital, por exemplo, dando-lhes acesso a conteúdos de formação on-line. Além disso, hoje em dia o sistema de acesso aos produtos da cantina é muito complicado — requer muito dinheiro e tempo para todos — então, a ideia é digitalizar completamente esse processo e permitir que os detentos  encomendem os produtos diretamente através de um terminal dedicado.

 
Fonte: SPACE II, 2016

Como é abordado o problema da radicalização violenta e do terrorismo no sistema penitenciário?

SBO caso da França é muito especial porque temos 500 terroristas islâmicos, em prisão preventiva ou já sentenciados. Há também 1.200 indivíduos que, apesar de não serem processados ou sentenciados por atos terroristas, são identificados como radicalizados, em graus  variados.

Sabemos que eles são radicalizados ou porque os serviços de inteligência nos alertaram ou porque nossos serviços os identificaram como tal na prisão: em abril de 2017, foi criado um serviço de inteligência penitenciária, o “Escritório Central de Informações Penitenciárias” (o BCRP, para sua sigla francesa: Bureau Central du Renseignement Pénitentiaire).

Além disso, desenvolvemos a capacidade de avaliar a radicalização: um preso terrorista ou radicalizado é considerado perigoso devido ao risco de radicalizar outros presos (proselitismo) ou de agir contra os agentes penitenciários ou outros prisioneiros, bem como o risco de preparar um ataque a partir da  prisão, etc.

Hoje, temos quatro alas de avaliação, e, no final do ano, serão seis, então poderemos avaliar 200-230 detentos por ano.

 

Prisão de Lyon-Corbas, França

Temos 500 terroristas islâmicos, em detenção preventiva ou já sentenciados e 1.200 indivíduos que são identificados como radicalizados.

Os detidos são monitorados por um longo período de tempo por equipes multidisciplinares, incluindo diretores, agentes penitenciários, agentes de liberdade condicional, psicólogos, psiquiatras, educadores, assistentes sociais, pesquisadores, palestrantes externos e capelães muçulmanos.

Ao final do período de avaliação, é feito um resumo muito detalhado do tema (comportamento, sistema de valor, uso da violência, análise de tendência a agir, relação com religião, risco de proselitismo, etc.).

Uma vez que os detentos estão fora da ala de avaliação, há três possibilidades: 1) os perfis mais perigosos, que apresentam um risco máximo de violência ou proselitismo, são relegados e segregados (Abdeslam Salah, um dos autores dos ataques de 13 de novembro de 2015, está em confinamento solitário); 2) aqueles com perfis menos perigosos, cuja avaliação estabelece que são detentos de baixo risco, têm uma experiência de detenção normal que lhes permite trabalhar em sua socialização, reintegração, etc. como outros detentos, mas, é claro, há um monitoramento especial particularmente realizado pelo serviço de inteligência prisional; e 3) os presos para os quais há risco de proselitismo, mas cujo caso é considerado gerenciável, são enviados para outras unidades que lidam com a radicalização.

Isso é muito caro em termos de recursos humanos porque implementamos ações ao lado de equipes que abrangem várias disciplinas diferentes, incluindo partes interessadas de associações, imames e outros. O objetivo é trabalhar para uma desconexão da violência, o chamado desengajamento. O princípio do desengajamento é que não se discute crenças (mesmo as mais rigorosas), mas evoca a relação que pode existir entre religião e violência.

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Stéphane Bredin foi nomeado Diretor-Geral da Administração Penitenciária em agosto de 2017. É graduado pela Escola Nacional de Administração (ENA, França), além disso, possui graduação em Economia pela Centrale Paris, e mestrado em Serviço Público pela Sciences Po. Stéphane Bredin ocupou vários cargos dentro do Ministério do Interior francês e, em seguida, do Ministério da Justiça, incluindo Chefe de Gabinete e Chefe de Departamento.


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