A prevenção da radicalização nas prisões e na comunidade

Casos de violência, incêndios criminosos e ataques terroristas planejados, combinados com o aumento preocupante do número de jovens que se juntam a organizações extremistas ou deixam a Europa para lutar ao lado de organizações terroristas, mostram que o extremismo violento e a radicalização continuam a ser um desafio não apenas para a segurança dos Estados, mas também para os valores fundamentais e princípios democráticos da União Europeia, como o respeito à dignidade humana, liberdade (incluindo liberdade de expressão), democracia, igualdade, Estado de Direito e respeito aos direitos humanos.

Portanto, a resposta ao problema da radicalização – entendida como “‘o processo de adoção de um sistema de crença extremista, incluindo a vontade de usar, apoiar ou facilitar a violência, como método para efetivar a mudança social”(1) – tem sido o foco dos representantes de estado, que devem elaborar uma estratégia abrangente para combater o terrorismo.

Embora a radicalização possa acontecer em qualquer lugar, existem certos pontos de interação social (física ou virtual) que, devido às suas características específicas, são mais propícios a esse fenômeno. Junto com as mesquitas e a internet, as prisões têm sido identificadas como um dos principais locais de radicalização, muitas vezes referidas como incubadoras de extremismo violento e criadouros para radicalização.

De fato, evidências mostram que há uma forte predominância de egressos entre os jiadistas europeus e que muitos deles começaram seu processo de radicalização durante o encarceramento. Por exemplo, em um estudo realizado por Basra e seus colegas (2) em 2016, que se baseia em um banco de dados de 79 jihadistas europeus, eles descobriram que 57% haviam sido encarcerados antes de se envolver em atividades relacionadas ao terrorismo, e destes, pelo menos 31% se radicalizaram durante o período de prisão.

As histórias por trás dos eventos terroristas ocorridos recentemente no mundo ocidental ilustram bem esta realidade. Podemos mencionar, por exemplo, os casos de Chérif Kouachi, um dos executores do ataque ao jornal satírico francês Charlie Hebdo, em 7 de janeiro de 2015; e também, seu colega e cúmplice Amedy Coulibaly, que foi um dos cérebros por trás dos ataques terroristas de Paris de 13 de novembro de 2015; o autor dos ataques de Copenhague na Dinamarca em 14 e 15 de fevereiro de 2015; e alguns dados sugerem que Abu Bakr al-Baghdadi, o chefe do grupo terrorista Estado Islâmico, foi radicalizado durante os quatro anos em que foi detido em Camp Bucca, uma instalação dos EUA no sul do Iraque.

Embora não possamos falar de relações causais diretas entre confinamento e radicalização prisional e consequente envolvimento em atividades terroristas, há fortes motivos – e, como vimos, vários casos que servem de alerta – para considerarmos que esses ambientes fechados combinam vários fatores e dinâmicas que podem aumentar a propensão para que fenômenos de radicalização se desenvolvam.

De fato, as prisões são locais de vulnerabilidade em que os indivíduos experimentam isolamento social, estresse e crise pessoal, o que os torna mais vulneráveis a explorar novas crenças, identidades e associações. Além disso, esses presos vulneráveis frequentemente compartilham o mesmo espaço com presos terroristas ou extremistas que tentam exercer seu poder de influência para radicalizar novos elementos para sua causa.

Os profissionais da linha de frente que trabalham nesse contexto – nomeadamente, agentes penitenciários, funcionários educacionais, psicólogos e assistentes sociais – são o primeiro ponto de contato profissional para os presos em risco de radicalização. Portanto, envolver e capacitar a equipe do sistema penitenciário e de liberdade condicional sobre como reconhecer processos de radicalização, avaliar a vulnerabilidade de determinados presos e, em última instância, engajá-los em programas de desradicalização, é fundamental para a prevenção da radicalização nas prisões.

Em resposta a essa necessidade, em 2015, o Projeto de Prevenção da Radicalização nas Prisões (R2PRIS) foi aprovado para financiamento pela Comissão Europeia. Reunindo especialistas internacionais no campo da radicalização e das administrações prisionais nacionais de seis países europeus, o projeto R2PRIS busca reduzir a radicalização e o extremismo dentro das prisões, reforçando as competências dos funcionários da linha de frente para identificar, relatar e interpretar sinais de radicalização e responder adequadamente.

Até agora, a equipe do projeto desenvolveu um quadro metodológico, uma série de ferramentas de avaliação voltadas para os diretores das unidades prisionais, funcionários da linha de frente e psicólogos, e agora está testando o programa de formação.

Um ponto importante que não devemos deixar de mencionar é que os esforços de prevenção e desradicalização nas prisões não podem ser vistos isoladamente, uma vez que criminosos extremistas violentos e detentos vulneráveis à radicalização serão eventualmente libertados na comunidade.

Promover uma abordagem holística para a prevenção da radicalização nesses contextos é, de fato, a principal ideia por trás do projeto INTEGRA (Abordagem Integrada de Prevenção da Radicalização na Comunidade, na Liberdade Condicional e nos Serviços Penitenciários ), lançado em setembro de 2017.

Representado por seis países europeus, o projeto INTEGRA se esforça para melhorar o processo de transição entre os sistemas prisionais e/ou de liberdade condicional e a comunidade para aqueles em risco de radicalização ou que foram radicalizados. Ele tenta alcançar esse resultado focando no desenvolvimento de habilidades dos infratores, bem como na capacitação de funcionários e organizações de linha de frente.

A este respeito, o Conselho da Europa recomenda que os serviços de administração prisionais e de liberdade condicional trabalhem em estreita colaboração com as organizações comunitárias, a fim de garantir a continuidade de programas especiais desenvolvidos durante a prisão ou liberdade condicional (3).

Embora não exista um modelo único, a cooperação interinstitucional entre prisões, policiais e prestadores de serviços comunitários é crucial para garantir que o compartilhamento de informações seja possível e contínuo, e que os serviços de apoio estejam em vigor.

Juntamente com uma boa gestão prisional e de liberdade condicional, recrutamento e formação de agentes penitenciários e de liberdade condicional, a identificação de presos extremistas violentos e aqueles em risco de radicalização, constituem os ingredientes para a prevenção e luta bem-sucedida contra a radicalização e o extremismo violento.

Notas:
(1) Allen, C. (2007). The threat of Islamic Radicalization to the Homeland. Depoimento perante o Comitê de Segurança Interna e Assuntos Governamentais do Senado dos EUA, p. 4.
(2) Basra, Rajan, Neumann, Peter, R. & Brunner, Claudia (2016). Criminal pasts, terrorist futures: European jihadists and the new crime-terror nexus. Centro Internacional para o Estudo da Radicalização e da Violência Política (ICSR), o King’s College London.
(3) Diretrizes do Conselho da Europa para serviços de adminstração penitenciária e de liberdade condicional sobre radicalização e extremismo violento (adotado pela Comissão de Ministros em 2 de março de 2016, na 1249ª reunião dos Deputados dos Ministros).

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Susana Reis é coordenadora de pesquisa da IPS_Innovative Prison Systems. É formada em Criminologia pela Universidade do Porto e possui mestrado em Criminologia Global pela Universidade de Utrecht. Foi monitora de ensino na Universidade do Porto, onde também trabalhou no desenvolvimento de diversos projetos de pesquisa. Junto com sua equipe, ela desenha, gerencia e trabalha na implantação de vários projetos transnacionais, como R2PRIS, PRACTICIES, INTEGRA e MenACE.

Marina Soares é consultora júnior no IPS_Innovative Prison Systems, onde trabalha nos projetos R2PRIS, PRACTICIES, INTEGRA e MenACE. É licenciada em Criminologia pela Universidade do Porto e Mestre em Ciências Policiais pelo Instituto Superior de Ciências Policiais e Segurança Interna (Portugal). É doutoranda em Direito e Segurança na Universidade Nova de Lisboa.

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