Switzerland prison and probation services

O sistema penitenciário suíço: o complexo desafio da harmonização

// Entrevista: Ronald Gramigna

Chefe da Unidade de Execução de Penas e Medidas, Escritório Federal de Justiça, Suíça 

Quais são os princípios fundamentais que enquadram a execução de sentenças e medidas na Suíça?

RG: O princípio da individualização é um deles, mas há também os princípios da comunicação, coordenação e harmonização. Acho que o objetivo – e também um desafio para nós – é como podemos unir essas convicções sem cair em um desequilíbrio ou chegando a um extremo em um deles. Enfrentamos agora um desafio em relação à harmonização e coordenação entre os cantões, e entre eles e a confederação.

Nos pautamos em importantes valores éticos que são muito significativos quando se trata de serviços prisionais e de liberdade condicional. É um tema muito sensível, porque estamos falando em tirar a liberdade das pessoas; nós os colocamos em celas e então temos a responsabilidade de tratá-los da melhor maneira possível. Na Suíça, uma sentença de prisão fala por si só e não temos a ideia de punição dentro de nossas prisões. E então temos o princípio da equivalência, o que significa que as condições na prisão – especialmente no que diz respeito ao tratamento médico, mas também a outros serviços – devem ser semelhantes ou equivalentes às fornecidas na comunidade.

Uma padronização total provavelmente dificultaria e limitaria o desenvolvimento da criatividade e de outros valores no sistema e também limitaria a relação entre presos e funcionários.

JT: O 1º Fórum sobre Prisões e Liberdade Condicional da Suíça foi realizado em novembro de 2018. O evento se desdobrou em torno da pergunta ‘Padrões: Qual o propósito?’. Além disso, a programação do fórum indicou que as normas existem para garantir e melhorar a qualidade dos processos, especialmente no que diz respeito ao planejamento, ação e controle, ao mesmo tempo em que, na execução de sanções penais, também servem como diretriz para garantir que as pessoas sob custódia ou que cumprem sanções comunitárias recebam o mesmo tratamento. Muitas vezes, no entanto, os padrões tendem a ser formulados em termos abstratos ou não são suficientemente orientados para a prática. Na Suíça, embora já existam normas em muitas áreas da execução de sanções penais, em outras áreas elas devem ser desenvolvidas ou reforçadas. Por isso, o Fórum tem insistido em refletir sobre o tema.

Na sua opinião, o que é a padronização no campo da execução de sanções penais e quais benefícios e desafios isso implica?

RG: A padronização oferece uma estrutura em que podemos desenvolver e definir os valores fundamentais sobre o tratamento dos presos e a formação de agentes penitenciários de forma mais concreta. Ela também proporciona um quadro para definir as características que os colaboradores devem ter, incluindo seu nível acadêmico e sua formação.

Por causa do nosso sistema federal, temos uma certa limitação quanto à extensão da padronização que podemos alcançar, porque não podemos prescrever aos cantões formas estritas de agir. Além disso, uma padronização total provavelmente dificultaria e limitaria o desenvolvimento da criatividade e de outros valores no sistema. Limitaria também a relação entre presos e funcionários, a qual decorre das especificidades e diferenças das instituições penitenciárias do país. Quando se tem pequenas instituições com um bom ambiente, é possível construir projetos criativos com os presos e encontrar soluções sob medida. 

Outro desafio diz respeito ao nível de colaboração entre os cantões, dada a sua autonomia orçamentária. Quanto aos benefícios da padronização, o principal é a possibilidade de comparar as instituições, seus valores e promover sua melhoria de qualidade. Agora, todos os cantões estão trabalhando na implementação de normas sobre prisão preventiva antes do julgamento, seguindo uma recomendação do Comitê Nacional para a prevenção da tortura. Há certas áreas em que definitivamente não é recomendado que as diferenças entre cantões ou instituições sejam muito grandes.

 

Dada a soberania dos cantões no campo da justiça criminal, dos serviços prisionais e de liberdade condicional, qual é o papel do Estado Federal? E, qual é a missão da Unidade de Execução de Sentenças e Medidas?

RG: Se considerarmos a história da Suíça, a Confederação foi criada após os cantões, assim, a maioria das instituições e assuntos são organizados no nível cantonal.

A nível federal, somos um parceiro que ajuda os Cantões a construir e cumprir sua missão, inclusive com atribuições financeiras. Portanto, em questões de prisão e liberdade condicional, é tarefa da minha Unidade ajudá-los a desenvolver e melhorar seus sistemas penitenciários e construir alguns indicadores de qualidade. Mantemos uma função de supervisão, não devidamente investida com poder político.

Conheço o sistema muito bem, na verdade, eu mesmo já fui diretor de uma penitenciária. Tenho experiência na linha de frente e operacional e essa é uma das razões pelas quais acredito que temos uma alta aceitação. Acho que somos reconhecidos pelos cantões e temos certa autoridade natural enquanto uma organização colaborativa. Somos uma instituição de especialistas, aberta e cuja perspectiva do sistema penitenciário é ampla. Como instituição federal, podemos de olhar as coisas de outra perspectiva e ajudar os cantões a lidar com quaisquer crises. A responsabilidade é compartilhada, o que torna nosso sistema muito estável.

Nossa missão está em um nível operacional e estratégico. Além disso, represento a Confederação no conselho de fundação do Centro Suíço de Perícia em Prisão e Liberdade Condicional para o qual nosso escritório contribui financeiramente, assim como os Cantões.

 

Quais são os desafios que o sistema penitenciário da Suíça enfrenta?

RG: O principal desafio é certamente a superlotação, que ocorre principalmente na região  de língua francesa. Isso também nos leva à questão da colaboração e transferência entre os cantões.

O segundo desafio são as pessoas com doenças mentais e seu tratamento no sistema penitenciário, ou seja, aquelas com patologias mais graves que requerem forte intervenção médica: aí temos uma limitação porque não contamos com vagas suficientes. Somos muito criativos, então acho que estamos indo bem, mas temporariamente, isso será realmente um problema. Sei que para muitos países o recrutamento de pessoal penitenciário é um desafio, mas felizmente não é um problema na Suíça, pois pagamos muito bem aos nossos profissionais. Esse é um dos valores centrais, acreditamos que precisamos das melhores pessoas trabalhando ali.

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Ronald Gramigna se formou em Psicologia Clínica, Psicopatologia e Neuropsicologia na Universidade de Zurique. Trabalhou por vários anos como psicólogo clínico responsável pelo tratamento de pacientes viciados em drogas e doentes mentais. Desenvolveu sua tese sobre programas de metadona e obteve seu PhD em 1996. Mais tarde, Gramigna trabalhou como psicólogo forense, tratando criminosos perigosos. Tornou-se diretor de uma prisão em 2007. Até 2015, também era membro de um conselho de avaliação de risco de infratores perigosos. É Chefe da Unidade de Execução de Penas e Medidas no Escritório Federal de Justiça da Suíça desde 2015.


Todos os cantões se comprometeram com princípios comuns sobre como o sistema penal na Suíça deve ser configurado. Este é um bom ponto de partida.

Na era digital em que estamos vivendo, até que ponto o Centro Suíço de Perícia em Prisão e Liberdade Condicional promove e usa tecnologias para cumprir sua missão?

FF: O Centro utiliza novas tecnologias, por exemplo, no campo da educação. Estão sendo buscados novos métodos para a coleta, avaliação e processamento atualizado dos dados necessários para o monitoramento da capacidade. Aqui, novas tecnologias oferecem novas possibilidades para a geração de visões gerais atuais e simulação de potenciais desenvolvimentos. Por fim, também é certo que o Centro se irá tratar de questões relacionadas aos registros eletrônicos de prisioneiros e registros médicos. As novas tecnologias também desempenham um papel importante na garantia da segurança das instituições. Esta área será estabelecida novamente pelo Centro. Parece importante para mim que os especialistas possam trocar ideias e aprender uns com os outros para além das fronteiras cantonais aqui.

 

Como Ministro da Segurança e Justiça do Cantão Saint-Gallen, um dos 26 cantões, quais são os principais progressos que o Sr. presenciou durante seu tempo no cargo?

FF: Além de vários projetos de construção destinados a melhorar e modernizar a infraestrutura prisional, destaco certamente a introdução do modelo de trabalho “aplicação de sanções orientadas ao risco (ROS)”.

Segundo o entendimento suíço, o principal objetivo do trabalho nas prisões é prevenir novos crimes, evitando assim novas vítimas e protegendo a sociedade. Isso deve ser alcançado promovendo as habilidades sociais, educacionais e profissionais das pessoas condenadas, fazendo-as lidar com os crimes que cometeram, proporcionando uma ótima gestão de riscos e, na maioria dos casos, facilitando a reintegração sustentável.A ROS prevê a aplicação estruturada das sanções em quatro etapas.

Simplificando, o primeiro passo é identificar os casos em que um esclarecimento aprofundado é necessário, pois há indícios de aumento do risco. Na segunda etapa, desenvolve-se um conceito de caso que identifica áreas problemáticas relevantes para o risco. Na terceira etapa, são realizadas intervenções preventivas com base nesse conceito e se registra o procedimento de como reagir a determinados sinais de alerta (monitoramento de ameaça). Na quarta etapa, é feita a revisão e avaliação do tempo de detenção do indivíduo e dos resultados do trabalho realizado por meio de relatórios regulares de status e relatórios de execução padronizados.

Com a ROS, o risco de reincidência e a necessidade de intervenção do infrator são melhor registrados e tratados de forma mais direcionada, utilizando processos de trabalho em vários níveis, assistidos por instrumentos. São promovidas habilidades que podem ser usadas para compensar os déficits existentes. Os resultados do trabalho de execução são sistematicamente avaliados. A ROS apoia o planejamento de execução e promove a cooperação interdisciplinar.

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Fredy Fässler é chefe do Departamento de Segurança e Justiça do Cantão Saint Gallen desde 2012 e é Presidente do Conselho do Centro Suíço de Perícia em Prisão e Liberdade Condicional desde 2018. É advogado e mediador e foi membro do Grande Conselho Suíço de 1992 a 2012.

Entrevista: Sylvie Bula

Diretora do Serviço Penitenciário do Cantão de Vaud e Presidenta da Conferência dos Chefes dos Serviços Penitenciários Cantonais, Suíça



A Sra. pode, por favor, nos dar uma visão geral do sistema penitenciário de Vaud?

SB: O Serviço Penitenciário (SPEN), sob a autoridade do Grande Conseil (legislativo cantonal) e do Conseil d’Etat (Conselho Estadual), garante o bem-estar daqueles sujeitos à lei penal, do julgamento até sua liberação final, seja se uma pessoa estiver detida antes de um processo judicial ou se for determinada uma sentença de prisão. Em cada uma dessas etapas, o SPEN é a garantia da dupla missão estabelecida no Código Penal: a proteção da comunidade e a reintegração das pessoas condenadas, desenvolvendo sua capacidade de viver sem cometer mais delitos.

Hoje, o cantão de Vaud tem cinco penitenciárias para detenção de adultos e uma instituição para menores e jovens adultos. No total, isso representa uma capacidade oficial de 795 vagas (para quase 1000 presos, devido à superpopulação nas prisões de Cantão). O cantão de Vaud, como o terceiro cantão da Suíça em nível penitenciário, tem a característica particular de oferecer vagas para todos os sujeitos de detenção: para mulheres, homens e menores.

No início de 2016, o Serviço Penitenciário de Vaud apresentou ao Conselho Estadual o Relatório de Políticas Penitenciárias. Este último apresentou-o ao Parlamento, que o aceitou em dezembro do mesmo ano. Assim, o Serviço Penitenciário adotou uma ferramenta piloto estratégica, que é ao mesmo tempo inovadora e precursora na região de língua francesa da Suíça.

O Relatório de Políticas Penitenciárias destacou os principais desafios que enfrentaremos nos próximos 10 a 15 anos, bem como as prioridades estratégicas que devemos adotar para respondê-los. Neste caso, vamos focar principalmente no desenvolvimento da nossa gestão de recursos humanos, considerando o importante crescimento do nosso serviço. A outra prioridade absoluta diz respeito ao desenvolvimento e modernização de nossas infraestruturas. A implementação de conceitos modernos de segurança e o desenvolvimento da avaliação do nível de perigo e da gestão de riscos também fazem parte de nossas prioridades.

Esses objetivos fazem parte da continuação dos esforços realizados desde 2012, que implicaram a criação ou transformação de 250 unidades prisionais ao mesmo tempo em que aumentaram significativamente os recursos humanos.

 

Em relação aos objetivos buscados pelo SPEN, quais são os principais desafios e oportunidades em seu cantão e até que ponto eles diferem dos de outros cantões?

SB: Nosso maior desafio é duplo. Por um lado, devemos ter vagas suficientes para atender às necessidades do sistema penal e, por outro lado, devemos ter a quantidade certa de pessoal com as qualificações e treinamentos necessários para garantir um atendimento adequado e seguro. Estamos, portanto, explorando a possibilidade de construir uma nova prisão, que contará com 410 vagas de detenção. Essa necessidade é mais aguda nos cantões de língua francesa da Suíça do que nos cantões de língua alemã, os quais não encontram os mesmos problemas de superpopulação prisional.

Além disso, nossas preocupações residem na questão de tecnologia e metodologia relativa à avaliação de riscos de todos os tipos e periculosidade ultrapassadas. Devemos também modernizar nossos procedimentos assistenciais para favorecer a reinserção, seja na Suíça ou no país de origem, para uma população penal que evoluiu significativamente nos últimos quinze anos. Por fim, também estamos pensando no cuidado a ser prestado aos presos com problemas psicológicos, um grupo que infelizmente está crescendo.

 

JT: Estamos cientes de que até agora não havia sido possível chegar a um acordo sobre uma única solução técnica de monitoramento eletrônico para toda a Suíça. (Fonte: 24Heures.ch, “Le choixardu des braceletes électroniques”, 30.03.2017).

 Por que isso acontece?  A Sra. poderia descrever os obstáculos desse processo e qual é a situação atual em relação ao uso de tornozeleiras eletrônicas no momento?

SB: O Cantão de Vaud tem sido um piloto no uso de monitoramento eletrônico desde 1999. Sempre fomos a favor de uma solução latina, seguida de uma solução nacional. Nesse sentido, concordamos com a solução transitória, proposta pelo Cantão de Zurique, até que uma solução a nível nacional possa ser colocada em prática em 2023. Há várias dificuldades em torno deste projeto. Elas se relacionam tanto com as deficiências tecnológicas, que limitam os usos para as pulseiras, quanto com as realidades cantonais, que têm necessidades muito diferentes. O Cantão de Vaud está atualmente usando cerca de quarenta tornozeleiras, principalmente para a execução de sentenças curtas. Permanecemos muito atentos aos desenvolvimentos tecnológicos oferecidos pelos diversos fornecedores de monitoramento eletrônico.

 

JT:  Podemos dizer que a última pergunta se relaciona com o grau de padronização na execução de sanções penais em toda a Suíça. Qual é a sua perspectiva a respeito do estabelecimento de normas sobre como os cantões realizam a execução de sentenças criminais?

SB: Devemos explorar as possibilidades de harmonização entre os cantões, com base nas práticas recomendadas existentes. A padronização completa encontraria conflitos entre realidades cantonais divergentes (tamanho, população carcerária, diferentes bases jurídicas, meios, etc.), que às vezes justificam uma abordagem diferenciada. Por outro lado, devemos instigar um diálogo permanente e uma troca eficiente de informações, com intuito de capitalizar as experiências uns dos outros e explorar ainda mais as sinergias, especialmente para evitar o desenvolvimento de projetos semelhantes.

A questão-chave nos anos seguintes será a continuação do desenvolvimento de sinergias em nível nacional, para além das fronteiras linguísticas ou concordantes (...)

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