Práticas baseadas em evidências para a prevenção da reincidência

 A reincidência criminal por pessoas que passam pelo sistema prisional é um problema sério e oneroso que afeta todas as sociedades. As teorias sobre as penas enfatizaram a importância do sistema de justiça para evitar que os indivíduos se envolvam em crimes e para “reeducar” ou “ressocializar” sujeitos que passam por medidas restritivas ou de custódia. 

No entanto, estudos científicos sugerem que a mera aplicação de sanções não reduz, mas aumenta, a probabilidade de que as pessoas continuem a persistir no comportamento antissocial quando retomarem suas vidas em comunidade.

Desde a segunda metade do século XX, a área da criminologia empírica tem trabalhado intensamente para resolver esse problema, fundamentando-se em estudos científicos longitudinais e experimentais. Esta linha de pesquisa levou a grandes avanços. Atualmente, há conhecimento sobre as variáveis ou problemas pessoais e sociais mais associados ao comportamento criminoso.

Essas variáveis, chamadas de “fatores de risco” devido ao seu impacto na probabilidade de comportamento futuro, adquirem diferentes níveis de efeito no comportamento de acordo com os diferentes estágios do ciclo de vida. 

Além disso, diferentes fatores de risco têm diferentes níveis de associação ou impacto. Por exemplo, estudos longitudinais que acompanharam o desenvolvimento de crianças em risco, nos Estados Unidos, ao longo de 20 anos, sugerem que o uso de substâncias é um dos fatores que oferece o maior risco de comportamento antissocial futuro, se o uso ocorrer no período de 6 a 11 anos da criança.

 No entanto, quando o consumo começa a partir dos 12 anos, a margem de risco de comportamento criminoso gerado por esse motivo é significativamente reduzida.

Conhecer os fatores de risco mais relevantes é importante porque permite priorizar as necessidades de cuidado da população carcerária. Por exemplo, a associação com pares antissociais e aspectos cognitivos e de personalidade antissocial são os fatores de risco mais relevantes como preditores de reincidência na população adulta. Enquanto isso, melhorias no nível de escolaridade e empregabilidade  contribuem de forma moderada para reduzir o risco de reincidência. 

No entanto, o tratamento prisional e as políticas de reintegração social na  América Latina tendem a promover a educação, a formação profissional e o acesso ao emprego como as principais soluções na perspectiva do apoio social à integração comunitária e à redução da reincidência. 

É claro que essas ações representam políticas necessárias e importantes, pois contribuem para o processo de integração social, ajudam na remição de penas ou no acesso a benefícios prisionais e constituem em si o exercício dos direitos sociais. 

O problema surge quando se espera que a educação e o emprego produzam reduções significativas na reincidência em circunstâncias em que a contribuição desses fatores é apenas moderada.

Recomenda-se que as instituições que regem a função penitenciária estejam atentas aos achados de pesquisas científicas sobre os fatores que predizem a reincidência e sobre os métodos de intervenção mais eficazes na redução desse fenômeno. 

Por exemplo, a aplicação de certos tipos de tratamento psicológico cognitivo comportamental na população carcerária pode estar associada a uma redução de 12% a 25% na probabilidade de reincidência. Embora o efeito seja relativamente baixo, o tratamento geralmente é mais eficaz em casos de maior risco.

O grupo da população carcerária de risco alto é geralmente o mais ativo de infratores quando estão na comunidade. Eles são capazes de causar um número desproporcionalmente alto de vítimas. 

Assim, o efeito relativamente baixo na redução da reincidência pode resultar em um efeito alto em termos de segurança cidadã devido ao impacto sobre as pessoas que deixam de ser vítimas de crime graças à interrupção de padrões de comportamento criminoso.

O conhecimento sobre fatores de risco e métodos de tratamento eficaz para reduzir a probabilidade de reincidência já começou a ser aplicado na América Latina. 

O Chile iniciou um programa piloto em 2007, que alcançou uma redução de 30% na reincidência na população prisional de risco moderado e alto. Atualmente, a avaliação sistemática do risco de reincidência e a aplicação de tratamentos especializados para motivar mudanças de comportamento e modificar fatores de risco fazem parte das políticas nacionais de gestão prisional. 

Essas mesmas práticas começaram a ser aplicadas há dois anos no sistema prisional do Uruguai e devem ser aplicadas em breve pela Secretaria de Justiça do Estado do Espírito Santo, no Brasil.

É encorajador perceber que a incorporação de conhecimento e tecnologia pode possibilitar ter sistemas prisionais mais preocupados em cuidar das oportunidades de integração social dos presos e, além disso, melhorar a capacidade de contribuir para a segurança da sociedade como um todo, reduzindo a probabilidade de reincidência das pessoas sob responsabilidade das instituições penitenciárias do sistema de justiça.

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Rodrigo Pantoja é psicólogo, formado pela Universidade de Santiago de Chile e possui pós-graduação em Criminologia pela Pontifícia Universidade Católica do Chile. Pantoja é Diretor Executivo do Grupo Precisa Consultores, consultor externo do Banco Interamericano de Desenvolvimento em matéria de prevenção da violência. Além disso, é consultor externo de serviços prisionais, em prevenção da violência e do abuso de drogas. Foi coordenador da Divisão de Prevenção e Gestão Territorial da Subsecretaria de Prevenção do Crime, no Chile, presidente da Associação Chilena de Psicologia Legal e Forense e membro da Comissão de Ética do Colégio de Psicólogos do Chile.

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