Supervisão em massa: a crise silenciosa da liberdade condicional

Nos últimos 20 a 40 anos, a liberdade condicional passou por transformações significativas. Uma das mudanças que pode ser notada internacionalmente é que a liberdade condicional ou a supervisão da comunidade se torna cada vez maior em volume.

De fato, se olharmos para as estatísticas, essa tendência é bastante comum em muitas jurisdições. Nos Estados Unidos, por exemplo, o número de indivíduos em liberdade condicional aumentou quase quatro vezes de 1980 a 2010, saindo de 1.118.097 para 4.055.514. A mesma tendência pode ser notada entre as pessoas em condicional (Glaze, 2011). 

Na Escócia, o número de indivíduos em liberdade condicional aumentou de menos de 3.000 em 1985 para 20.000 em 2007 (McNeill, 2012). Em algumas jurisdições, esse aumento ocorreu em um período de tempo muito curto.

Depois que o novo Código Penal entrou em vigor em fevereiro de 2014, o número de pessoas sob supervisão na Romênia quase dobrou a cada ano. (Fonte: Simona Lazar, Liberdade condicional em Massa, Apresentação da Conferência, Dubrovnik, 2016).

Aebi e seus colegas (2015) analisaram essa tendência a nível europeu e concluíram que as sanções na comunidade aumentaram em quase todos os lugares da Europa e têm sido usadas como sanção complementar, em vez de uma alternativa à prisão.

Olhando para esses números, não se pode negar que a medida da liberdade condicional expandiu grandemente. É possível identificar pelo menos dois grandes riscos que esse movimento representa para a sociedade e para a própria filosofia da liberdade condicional.

Um dos primeiros princípios da punição é a proporcionalidade. A proporcionalidade é o primeiro elemento da justiça. É questionável se pequenas infrações de trânsito, pequenos crimes ou delitos insignificantes de ordem pública (por exemplo, beber em locais públicos) resistem a qualquer teste de proporcionalidade.

Apesar disso, muitas vezes esses delitos estão entre aqueles para os quais os indivíduos sob liberdade condicional são condenados, às vezes inclusive com sentenças de um ou dois anos sob supervisão. O maior risco que os serviços de liberdade condicional enfrentará no futuro, se continuarem a seguir esse caminho, é uma profunda crise de legitimidade.

Tradicionalmente, a liberdade condicional era definida como uma alternativa à prisão a curto prazo. No entanto, muitas vezes a liberdade condicional não é isso ou, pelo menos, não só isso, mas também uma alternativa a opções mais suaves (veja as discussões sobre a ampliação da rede). Continuando assim, será cada vez mais difícil para os serviços de liberdade condicional justificarem sua função e utilidade social.

Qualquer aumento no número de presos normalmente leva a um aumento na capacidade de detenção. Na Europa, temos normas mínimas que exigem pelo menos quatro metros quadrados para qualquer preso. Em muitas jurisdições, há uma relação rigorosa entre internos e funcionários. Com uma ou duas exceções, tais normas não existem para os serviços de liberdade condicional.

A equipe da liberdade condicional é tratada na maioria das vezes como um recurso elástico: o mesmo número de oficiais de liberdade condicional pode trabalhar com mais ou menos infratores.

Como argumentado na literatura (ver, por exemplo, Worrall et al, 2004; Petersilia e Turner, 1991) grandes volumes de casos de liberdade condicional levam a menor eficácia na proteção pública em termos de reincidência.

Além disso, ao atrair novas populações com baixo e muito baixo risco de reincidência na máquina penal, os serviços de liberdade condicional assumem o risco de excesso de intervencionismo que poderia levar a taxas de reincidência mais altas do que se não intervissem em tudo (ver o princípio de risco). Todas essas transformações podem levar a outra crise – a crise de desempenho.

Não é a intenção deste artigo soletrar as profecias de Cassandra, mas alertar sobre alguns possíveis riscos que expandir a liberdade condicional representa para si e para a sociedade.

 

Referências:

Aebi, M. F.; Delgrande, N. and Marguet, Y. (2015) Have community sanctions and measures widened the net of European criminal justice system? Punishment and Society, 17(5): 575-597.

Glaze, L.E. (2011) Correctional Population in the United States, 2010. Washington DC: Bureau of Justice Statistics.

Lazar, S. (2016) Mass probation. Conference presentation. Dubrovnik. CEP

McNeill, F. (2012) From Mass Incarceration to Mass Supervision? Punishment in Society.

Presentation at the ASC Chicago. Disponível aqui.

Petersilia, J., & Turner, S. (1991). An evaluation of intensive probation in California. The Journal of Criminal Law and Criminology, 82(3): 610-658.

Worrall, J.L.; Schram, P.; Hays, E. and Newman, M. (2004) An analysis of the relationship between probation caseload and property crimes in California counties in Journal of Criminal Justice, 32: 231-241.

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Ioan Durnescu é professor da Universidade de Bucareste, onde leciona e conduz pesquisas relacionadas a questões da liberdade condicional e do sistema penitenciário. Seu interesse especial é a p liberdade condicional e a ressocialização. Enquanto ativo em trabalhos de desenvolvimento em vários países do Leste Europeu, também é coeditor dos livros Understanding Penal Practice (Routledge, 2014), e Probation in Europe (Wolf Legal Publishers, 2008). Atua como coeditor no European Journal of Probation.

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